UMA TRAJETÓRIA LUMINOSA
Ensaio por João Carlos Taveira
Acaba de sair, finalmente, pela Massao Ohno, o tão esperado livro de poemas de Maria Braga Horta, intitulado Caminho de Estrelas. Trata-se de uma compilação de toda a sua produção poética em grosso volume de 254 páginas ilustradas por Ivanir Geraldo Viana, com capa da filha Glória Braga Horta, organizado e prefaciado pelo primogênito Anderson Braga Horta, também poeta e um dos mais representativos de sua geração.
O livro enfeixa desde as primeiras criações até os últimos passos da poetisa pelas sendas do Parnaso, perfazendo um longo e fértil período, que se inicia em 1931 e vai até 1978. Portanto, quase meio século de uma produção rica e variada de autêntica poesia. Tome-se de exemplo esta pequena amostra:
ANTIFLOR
Caule esdrúxulo, gerado
sem ventre. Crisol de verdes
espadas, sem punho e gume,
erguidas do escuro estrume
sem o orgasmo das sementes:
(grande mistério o de seres
vivente por recriado
de fibras remanescentes!)
— por que mistério ainda cirzes
a terra, tão bem cerzida,
com tuas finas raízes?
— por quê, sem fonte de amor,
vives (eterna antivida!)
se serás sempre antiflor?
Maria Braga Horta, mercê das responsabilidades de professora, dona-de-casa, esposa e mãe de cinco filhos, foi uma mulher sempre atualizada e muito bem informada, nunca deixando de lado o seu diálogo com a Poesia, quer por intermédio da leitura, quer no seu mister de criação.
Apesar de inédita em livro, angariou respeito e admiração de vários e importantes escritores, a exemplo de Carlos Drummond de Andrade que, reconhecendo-lhe os méritos artesanais, fez incluir o soneto “Legado”, a ele oferecido com dedicatória, no seu livro Uma Pedra no Meio do Caminho. Ouçamo-lo:
LEGADO
A Carlos Drummond de Andrade
(resposta a seu soneto do mesmo título)
Que lembrança melhor deixará para os seus
o poeta, senão os seus versos, seu tudo?
pois que deixa uma herança inspirada por Deus
e que a todos pertence em total conteúdo.
Nem é dado ao poeta, em seu último adeus,
deixar mais que o seu verso imortal e desnudo...
que este mundo atual não premia os orfeus
com palácios, brasões, nem medalhas e escudo.
Mas do verso que vibra e que escorre da pena
na infinita expressão que somente um poeta
poderá traduzir em linguagem terrena
ficarão para sempre a lembrança e o carinho
de quem soube polir, com primores de esteta,
uma pedra que havia em meio do caminho...
Dona de uma técnica apurada (de que nos dão testemunho os inúmeros sonetos) e conhecedora atenta dos liames de seu ofício, a autora do “Apólogo Chinês”, com extrema delicadeza, constrói cada peça de seu mosaico como se trabalhasse (e trabalhava) peças de porcelana. Seus poemas soam aos nossos ouvidos com intensa musicalidade e fluem diante dos nossos olhos como arabescos de filigranas as mais sutis. Talvez aquele encantamento peculiar a uma voz lírica próxima à de Cecília Meireles. Senão, vejamos:
ASAS PARA O INFINITO
Qual um pássaro sem destino abri, para o azul
sem fim, minhas asas de teia e filigrana.
Tão frágeis, tão imateriais, como haveriam
de resistir aos ventos, às procelas?
Como resistiriam, tão finas! ao frio e ao sol?
Eis o que aconteceu:
— fechadas, como um desejo, no pensamento,
tinham a forma e as cores da perfeição...
— abertas à luz, transformadas em voo,
desfizeram-se em pequenos retalhos deformados,
como pedaços de penas a rolar pelo chão...
Caminho de Estrelas é um livro completo, cuja mestria autoral atinge um alto grau de sensibilidade e beleza. Um livro pleno de poesia, testemunho silencioso de uma artista que, em sua luminosa trajetória, um dia traduziu em versos “a ambição de ser deus(a) e a dor de ser mortal!”.
Brasília, 1.º de janeiro de 1997.
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