UM POETA EM QUESTÃO   
                                    A UTOPIA DA  PALAVRA  
                    
                      Marco Lucchesi  
                    
                    
                  Extraído de 
                  
                  POESIA  SEMPRE.  Revista  da Biblioteca Nacional do RJ.   Ano 1 –  
                    Número 1 – Janeiro 1993.  Rio de Janeiro:  Fundação Biblioteca Nacional / Ministério da Cultura – Departamento Nacional do  Livro.   ISSN 0104-0626   Ex. col. Antonio Miranda   
                    
                    
                  Dante Milano é realmente um dos  poetas mais importantes de nosso tempo. Sua obra guarda uma admirável  luminosidade apolínea. Desprovida de arestas. Poesia absoluta. Descarnada.  Feita de medulas e de essências. Alta. Dissonante. "Pensamental".  Quase hõlderliniana, em sua gravidade. Poesia que aponta para uma paisagem  irremediavelmente perdida, dessacralizada, quando os deuses não nos reconhecem  mais. O exílio é a medida de tudo. Nada existe fora dele. Canto primeiro do  Inferno. Fria altitude estelar: 
                    
                  Eu ia em mim perdido, em mim pensando.  
                    A existência deserta.  
                    A rua escura.  
                  Eu sentia a tristeza dos felizes  
                    Vendo a estrela da tarde rir sozinha... 
                  Em que altura ela estava!  
                    O resto era imenso. 
                  Tudo é exílio. 
                    
                  O universo abraça radicalmente a  distopia. A Casa submerge entre os escombros. Confunde-se com a Morte. O Mundo  das Idéias se dilui. Inatingível. Fim da Causa Exemplar. Perda da Aura. Tanto  assim que a saudade não recai sobre tempos e lugares. A saudade é negativa, sem  rosto e sem história, a cujo desespero responde a pacata melodia lucreciana. E  a mente, por sorte inexausta, não recusa um só instante sua dimensão fatídica,  a de "mentar": 
                    
                  Saudade sim, mas  
                  De tempo nenhum, de nenhum 
                  Lugar. Nem mesmo de mim. 
                    
                  Essa dimensão aproxima-o de dois poetas. Primeiramente de Dante Abghieri,  poeta dos "rr", de quem absorveu a aspereza do Inferno (exemplarmente  traduzido, aliás), da Medusa, das rochas decompostas, mas sobretudo da Dama  Pedra (cosi nel mio parlar vogl´ esser aspro), da qual "descendem" a  Oficina Irritada de Drummond e a Pequena Ode Mineral de João Cabral de Melo  Neto. A assim chamada "dureza mineralógica" de Dante Milano traduz-se em termos amplamente  luminosos. Boa parte de sua poesia repousa na claridade da Divina Comédia.  Pedra e Palavra. 
                  De Leopardi,  Dante Milano colheu o sentimento do infinito, do naufrágio e da amplidão (in  questa immensità s'annega il pensier mio), tema constante das Paisagens  Submersas e dos Sonetos Pensativos. Sobrepaira a dor, onipresente e atemporal  (Vozes Abafadas), que ecoa em profundidade a "doglia universale" dos  Canti. O que Dante Milano disse de Leopardi serve para si: "poesia feita  com o valor das palavras; a palavra e suas virtualidades". Ele e Leopardi  codividem a mesma virtualidade: "poesia infeliz, feita por infelizes para  infelizes". Sentimos aqui toda a metafísica da falta (do homo vacans),  revisitada agudamente por Drummond, em outro contexto. 
                  Mas aquilo  que mais impressiona em Dante Milano é a sua urgente afirmação das coisas.  Nostalgia do essencial. Do metalógico. Da "ragion poética". Este,  oseu legado admirável. (Uma coisa branca./Doce e profunda.) Por tudo isso, o  lugar que ele ocupa na literatura brasileira apresenta-se bem mais forte de  quanto se imagina. Dante é o poeta do poeta. "To the happy few." Sua  voz — quase imperceptível — chega a Bandeira, Drummond e Cabral. Ao melhor de  nossa poesia. Ao sentimento do Mundo. À utopia da palavra: 
                    
                  Para um lugar mais  livre, mais distante, 
        E me parece uma visão divina 
        A paisagem que vejo todo dia. 
                    
                    
                  Página  publicada em novembro de 2017 
                    
                  Veja também a página com os poemas de MARCO  LUCCHESI neste Portal de Poesia Ibero-americana: http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_de_janeiro/marco_lucchesi.html 
                    
                  
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