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O PRIMEIRO POETA GOIANO

 

por Gilberto Mendonça Teles

 

 

Extraído de:

TELES, Gilberto Mendonça.  Estudos goianos II:  A crítica e o princípio do prazer.  Goiânia: Editora da UFG, 1995.   V. 1,  444 p.   (Col. Documentos goianos, 27) 

 

 

 

          O pensamento de Ortega y Gasset, segundo o qual "um homem novo criou-se desde o primeiro instante em que pôs o pé no novo mundo"2 pode também estender-se para caracterizar, em Goiás, o aparecimento do nosso primeiro poeta. Não interessa que esse poeta não tenha nascido dentro de nossas fronteiras de província ou Estado. O que se leva em conta na reconstituição histórica é a sua presença e a possibilidade de serem encontradas em sua obra algumas referências às coisas de nossa terra. Aceitamos aqui, totalmente, a teoria de Araripe Júnior - o fenómeno da "obnubilação brasílica", ou seja: o adelgaçamento, a atuação de "todas as camadas de hábitos que subordinavam o homem à civilização", abrindo-se "uma fenda na estratificação da natureza civilizada, para dar passagem à poderosa influência do ambiente primitivo"3. Guardadas as devidas proporções da comparação e, sobretudo, despido de qualquer sentimento chauvinista, estreitamente regional, parece-nos lícito assim também proceder na compreensão da literatura no Estado de Goiás. O nosso primeiro poeta não será Félix de Bulhões, no terceiro quartel do século passado, e sim Bartolomeu Antônio Cordovil, nos fins do século XVIII.

 

          No seu Almanaque da província de Goiás, de 1885, Antônio José da Costa Brandão escreve que "No ano de 1788 foi que principiou nesta Província a haver escolas de instrução primária, tendo vindo três professores, sendo um para Vila Boa de Goiás, um para Meia-Ponte e outro para Pilar; nesta ocasião vieram também dois professores de latim e um de retórica". Para Meia-Ponte foi nomeado Professor Régio de Gramática Latina, por Carta Régia de 16 de abril de 1787, o mineiro (vindo de Minas Gerais) Bartolomeu António Cordovil que, em 1783, havia chegado a Goiás em companhia do Governador Tristão da Cunha Menezes, conforme esclarece Joaquim Bonifácio, citado por Waldir Castro Quinta numa obra ainda inédita. Bartolomeu António Cordovil, "o primeiro professor nomeado para Goiás"4 era pseudónimo de António Lopes da Cruz (1746-1810). Vindo de Minas Gerais5 tomou-se a primeira voz na poesia destas terras, deixando-nos um Ditirambo às ninfas goianas, escrito possivelmente entre os anos de 1786 e 1788, pois são versos que procuram agradar ao governador Tristão da Cunha Menezes, que em 1787 o designou professor de latim, com um vencimento de quatrocentos mil réis anuais. Não há dúvida de que este poeta, vindo para Goiás, trouxe na sua bagagem cultural o eco de toda aquela agitação poética que caracterizou a segunda metade do século XVIII na literatura colonial. Entretanto, apesar da época em que viveu e dos contatos que por certo teve com as obras dos árcades mineiros, a ponto de dedicar uma "Epístola" aos do Rio de Janeiro, a sua poesia guardou feição bem mais cultista e barroca do que mesmo arcádica. Pelos recursos temáticos e pela linguagem poética, aproxima-se da obra de Manoel Botelho de Oliveira. O seu interesse é, pois, meramente histórico para as nossas letras, valendo sobretudo por ser o primeiro poeta brasileiro a mencionar o nome de Goiás, através do gentílico "goyanos", num poema em que, a não ser o gentílico e o nome do "bom Tristão", nada tem a ver com a Capitania de Goiás. Mas Henrique Silva escreveu na Informação goiana (n° 9, 1922, pág. 74) que houve em Goiás um Horto Botânico, fundado em 1798 pelo governador Tristão da Cunha, e informa que "Este famoso vinho foi decantado pelo poeta árcade Bartolomeu Cordovil, como se vê do seu ditirambo "Nymphas goyanas", coligido por Vamhagem no Florilégio brasileiro.

 

          Para que o leitor possa tomar conhecimento desse famoso poema, transcrevemo-lo abaixo e informamos que foi extraído do Florilégio da poesia brasileira, 1946, tomo II, organizado por F. A. de Vamhagem e publicado pela primeira vez em 1850. Henrique Silva o publicou em Informação goiana, vol. XII, n° 9, 1922, pág. 74. A edição de Vamhagem traz a seguinte nota ao pé da página:

 

Tão pouco possuímos dados para a sua biografia. .Era, segundo parece, de Goiás. Nasceu no Rio de Janeiro, em 1746, e chamava-se António Lopes da Cruz, conforme declarou no testamento com que faleceu em Meia-Ponte, capitania de Goiás, a 12 de outubro de 1800. Foi o primeiro professor régio da aula de Latim enviado àquela capitania, nomeado por carta régia de 16 de abril de 1787. Conf. Americano do Brasil, No convívio das traças (Polémicas), ps. 94, Goiás, 1920. Sua obra poética nunca teve edição especial: encontra-se esparsa nas coletâneas de Januário da Cunha Barbosa, J. M. Pereira da Silva e Melo Morais Filho, R. G.].6

 

 

DYTHIRAMBO7

 

Nymphas goyanas,

Nymphas formosas,

De cor de rosas

A face ornai.

Vossos cabelos

       Com muitas flores

       De várias cores

       Hoje enastrai.

Sim, nymphas applaudi tão grande dia!

E tu, doce Lyeu, pai da alegria

Vem-me influir,

Que os annos de Tristão quero applaudir.

         Ó lá, traze do Pheno

O suave licor grato e sereno;

Traze os doirados corpos cristalinos,

         Venham falemos,

         Venham sabinos,

Deita, deita, enche o copo - gró, gró, gró

Não entornes, espera, que este só

Não é que havemos

Hoje beber,

Mais vinhos temos

Sem confeição

Para brindar,8

Ao bom Tristão.

Hoje à sua saúde

Pretendo de beber mais de um almude.

 

              Evoé

          O padre Leneu

             Saboé

          Evan Bassareu,

 

Néctar suave, oh! quanto me consolas!

          De mim se ausentem

          Rixas, temores,

      Mágoas, tristezas,

          Penas e dores.

Venha outro copo de Baccho espumante,

          Que ferva no peito,

          E a mente levante.

Nos lusos fastos não se leia agora

Dos seus maiores a brilhante história:

Com alheias acções não condecora

          A sua alta memória

O bom Tristão delicias dos humanos.

          O curso dos seus annos

Cheios não são deste furor guerreiro,

Que nos campos de Marte desbarata,

Rende, saqueia, obriga, assola e mata;

          Mas esperem, que escuto!

Vejo os troncos balir! Ah! sim, bem vejo

Os satyros brincões, Faunas auritos,

          Que cheios de desejo,

Saltando aos ares vem ruidosos gritos,

Os capripedes deuses que diriam?

Se não me engano, em sua companhia

Vem bistanidas Tharacias ululando,

Agitados na rúbida ambrósia,

Em charcas sincinnas volteando

Estas doces cantigas modulando.

Goyanos louvemos

Tristão immortal,

Bebamos, dancemos,

Ausente-se o mal.

E os doces licores

Do bom Nitcteleu,

Em taças se entornem

          De claro cristal,

 

               Evoé

          O padre Leneu

              Saboé

          Evan Bassareu.

 

          Pois já que Trístão

          de paz nos encheu,

          Gostosos bebamos

          O sumo de Oreu,

Traze, traze depressa o peramanca,

Empine-se a botelha toda inteira.

          Mas que chama ligeira,

          Ao modo de uma tropa,

Pêlas túmidas vêeas me galopa ?

És tu, Bromio gostoso? Eu bem te entendo

Bebamos mais aquele, que das ilhas

          Me mandaram de mimo

Do profundo oceano as verdes filhas.

No licor forte o coração me nada,

          Baccho, Baccho, evoé!

O que terei nos pés? Eu cambaleio?

          Cahindo estou de somno:

Depois que esvasiei quatro botelhas,

Rúbidas tenho e quentes as orelhas,

O nariz frio, os braços estendidos,

Parece-me que gyra a casa toda.

Já não posso suster-me — nos ouvidos

          Sinto um leve sussurro:

O corpo tremilhica, o chão me falta,

E julgo que esta casa está mais alta.

          Como o teu elixir

Tão depressa, ó Leneu, me faz dormir?!

 

Agora, que eu queria

Cantar do bom Tristão

O seu cândido génio,

O terno coração,

A presaga prudência,

A profunda modéstia.

A serena clemência,

A justa temperança,

Agora é que me fazes tal mudança?

 

      Evoé

O padre Leneu

     Saboé

Evan Bassareu.

 

Venha um copo, dois copos, três copos,

Retinem nos ares

Mil brindes contentes.

E os povos ardentes

De summa alegria,

Nas aras do gosto

Com férvido mosto

Entoem gostosos

Sem mais dilação

Os annos ditosos

Do terno Tristão.

 

     Evoé

O padre Leneu

     Saboé

Evan Bassareu,

 

Sim, do grande Tristão tantas virtudes

          O povo lhe louve,

O Neiva lhe dará muitos almudes

Deste espírito rubro,

Que colhe no moinho,

Que os pesares desvia,

Que o somno concilia,

Que alegra a mocidade,

Que faz. vermelha a envelhecida idade.

 

     Evoé

O padre Leneu

     Saboé

Evan Bassareu.

 

 

1 Publicado nos Cadernos de estudos brasileiros, Goiânia, Centro de Estudos Brasileiros (UFG), Ano I, jan./jun. de 1963. Constituía a terceira parte do artigo “Aspectos da literatura goiana.”

2 apud Afrânio Coutinho. Conceito de literatura brasileira, 1960 p. 11   

3   Araripe Júnior. Obra crítica de Araripe Júnior. 1958. vol. I. p. 497.

    4 Americano do Brasil. Súmula de história de Goiás. 1961. 2'edição, p. 79.

    5 Sobre o seu lugar de nascimento há várias informações: Varnhagem achava que era de Goiás;   Henrique Silva (Poetas goianos, 1901), comenta mais tarde repudiamos esse modo de ver. Cordovil devia ser carioca ou baiano."; o cónego Januário da Cunha Barbosa cita-o no Parnaso brasileiro (1829-1832); Silvio Romero trata-o como um "clássico enfezado" (História da literatura brasileira, vol. n, p. 533); a Enciclopédia brasileira mérito diz que nasceu em data ignorada e morreu no Rio de Janeiro em 1810 (cp. col. 6. s. v. Cordovil); e Waldir Castro Quinta, que tem um belo trabalho inédito sobre este poeta, informa que a "supressão da aula de Meia-Ponte se explicava pelo falecimento de seu titular, ocorrido em 1800, no caso Bartolomeu António Cordovil"; e, finalmente, Victor de Carvalho Ramos, em trabalho também inédito, afirma que o poeta era fluminense.

       6    As informações entre colchetes foram acrescentadas por Rodolfo Garcia, na edição consultada.

       7    Respeitou-se a ortografia na fonte mencionada.

       8    Não deve haver ponto. Evidente descuido de transcrição.

 

 

 


 

 

 

 
 
 
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