POR QUE LER HILDA HILST?
Breve resenha
de Antonio Miranda
sobre o livro:
PÉCORA, Alcir. Por que ler Hilda Hilst. São Paulo: Editora Globo, 2010. 116 p. IBSN 978-85-250-4845-4
"Em geral, nos escritos de Hilda Hilst, a expectativa mística não se realiza senão como estigma, dor e vazio. Maldade e vileza são os atributos divinos mais palpáveis". ALCIR PÉCORA
Hilda Hilst é mais famosa do que lida, estigmatizada por sua fama de maldita e obscena.
Alcir Pécora organizou um guia de leitura da autora paulista, falecida em 2004, que vem despertando o interesse das novas gerações, notadamente entre os jovens. Autora de mais de quarenta títulos, começou pelos de poesia e derivou para textos intergenérios que incluem o teatro, a crônica, o romance e relatos de todo o tipo que, no entanto, mantêm o que Pécora intitula "prosa poética". E justifica: "Certa discursividade anárquica desordena a narrativa, que se compõe sucessivamente como romance memorialístico; diálogos soltos (...)"
Hilda seria desconhecida do grande público, que sabe dela por referências truncadas e sensacionalistas, mas já passam de 46 as dissertações de mestrado sobre a autora e suas obras estão sendo relançadas no mercado, fantástico para uma escritora que publicava, em vida, à margem das grande s editoras: "a publicação de quase toda a obra em edições artesanais, em geral muito bonitas, produzidas por artistas amigos, mas sem qualquer alcance de distribuição", informa o pesquisador. Só depois de sua morte é que a celebridade ganhou contornos públicos, considerada "mulher ousada, original, avançada para a sua época, louca refinada e explosiva etc", continua. E arremata: "Não é difícil imaginar hipóteses para esse quadro em que a imagem pública da artista como tipo excêntrico predominou sobre o conhecimento da obra." Daí a intenção do livro sobre a autora.
Alcir Pécora disserta sobre a questão da obscenidade e a pornografia nos textos de Hilda, em que defende a tese de que ela escapa das intenções da literatura pornográfica de consumo comercial. Para Pécora, "há certamente erotismo na produção poética de registro mais elevado, na qual Hilda faz imitação deliberada da maneira antiga. O seu movimento estilístico, que tende ao sublime, ainda que contraposto a traços de rebaixamento, estabelece as balizas de um desejo de aspiração metafísica, que emula modelos poéticos de erotismo a lo divino, à imitação da poesia mística seiscentista da península ibérica, nas quais o amante é tomado como análogo de um desejo de transcendência. Mas não há como propor erotismo, a não ser como redefinição radical do termo, na tetralogia obscena."(p. 19). E defende: "Acontece que os textos de Hilda Hilst ditos pornográficos simplesmente contrariam a regra de ouro da pornografia banal, que é a simulação realista." (p.20)
O livro inclui também os textos de Luisa Destri e Cristiano Diniz ("Um retrato da artista" e "Cronologia")e o "Ensaio de Leitura" de Sonia Purceno, além da seção "Estante", por esta última, em que arrola as obras de e alguma fortuna crítica sobre Hilda.
Como o nosso foco é a poesia, cabe finalizar com uma declaração de Luisa Destri e Cristiano Diniz sobre a forma de composição de Hilda Hilst (p. 42-43):
" Para Hilda havia uma enorme diferença entre o processo de criação da poesia e o da prosa de ficção. O primeiro era definido como um estado febril que inesperadamente a tomava por dias consecutivos. A autora começava anotando um verso aqui, uma frase ali. O processo se intensificava e os poemas tomavam forma.
Sua mesa de trabalho começava a encher-se de papéis. Não importava o dia, a hora ou o que estivesse fazendo; poderia estar lendo, tomando banho ou assistindo à televisão (o que se tornaria um de seus passatempos favoritos, especialmente quando acompanhado de doses de uísque), os versos "vinham", "eram recebidos" a qualquer momento enquanto ela se encontrava neste "estado poético". Assim, em sua opinião, não adiantava se
sentar e se propor a escrever um poema se não estivesse nesta condição. O "receber", entretanto, não era obra apenas de centelhas divinas. Hilda reconhecia que leituras, estudos e, principalmente, questionamentos
precediam esse momento "imprevisto" de criação poética. A partir da preparação, portanto, é que a poesia se tornava possível, embora o estudo não parecesse suficiente para explicar a origem da intuição." |