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SIMPÓSIO DE CRÍTICA DA POESIA POESIA E GÊNERO 2008
POETAS OU POETISAS?
por Elga Pérez-Laborde, "Caro Doutor: sempre ouvi falar em "poetisa", mas acredito que o certo seria "a poeta". Estou certo?" Gilson Sousa PrPocurando uma Caro Gilson: o feminino de poeta sempre tinha sido poetisa; contudo, essa forma adquiriu uma conotação pejorativa, por lembrar aquele tipo de senhora que se veste espalhafatosamente e participa das reuniões dessas dezenas de "academias femininas de letras" que brotaram como flores silvestres por todo o território nacional na primeira metade do século XX. Na sua santa ingenuidade, ao criarem essas instituições femininas paralelas, estavam simplesmente reforçando a crença chauvinista de que as "verdadeiras" academias eram privilégio dos homens. Por causa disso, alguns críticos e intelectuais, ao falar de alguém do quilate de uma Cecília Meirelles, por exemplo, começaram a dizer: "É uma grande poeta!". A moda pegou no meio literário e acadêmico: o vocábulo passou a ser usado por muitos como se fosse um comum de dois (aqueles substantivos como atleta, artista, estudante, jovem, etc., que têm uma só forma para os dois gêneros, mas se distinguem pelo artigo). Hoje, portanto, podemos escolher entre as duas formas de feminino: ou usamos poetisa, ou simplesmente poeta. Abraço. Prof. Moreno http://www.sualingua.com.br/01/01_poetisa.htm
Procurando uma definição que explique a diferença entre as palavras poetisa e poeta, encontramos a antes citada, que corrobora uma situação bastante espalhada em toda América Latina. Alguns ainda usam com soltura a palavra poetisa para se referir a mulheres que escrevem poesia. Outros já incorporaram o sentido pejorativo do termo e muitas autoras se sentem discriminadas e ofendidas. Na língua espanhola o sufixo isa é de comum uso para dar caráter pejorativo às palavras. Curiosamente, nos links visitados e referidos à poesia de autoria feminina só se fala de poetas. Enfim, a confusão semântica me permite introduzir algumas reflexões genéricas. A partir dessas divagações, já colocadas pelos estudos feministas, inicio algumas questões para responder ao desafio de entrar no tema sobre poesia e gênero. Por exemplo: tem sexo a escrita? Tem sexo a poesia? Confesso que até o momento de receber essa missão só me ocupei da poesia sem pensar no sexo, nem na nacionalidade nem na ideologia do poeta. Não por desconhecer a importância do discurso de autoria feminina como forma de resistência à dominação de sistema patriarcal. Nem por subestimar o discurso político, sempre presente na literatura, nem o engajamento dos escritores com sua época e suas contingências.Tenho consciência de que o discurso nunca é neutro. E que sempre existe algum mecanismo de controle dos meios de representação. Aliás, acredito na afirmação de Michel Foucault que considera o discurso não simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo pelo qual, e com o qual se luta. Embora, também acredito que a excessiva preocupação de utilizar a arte e a literatura como instrumentos de convicções de qualquer tendência, que não seja a de autêntica expressão da alma e da caça da verdade num âmbito da estética e dentro do conceito da dialética, “na floresta encantada da Linguagem”, emulando as palavras de Paul Valéry, mata e de fato matou quase sempre os grandes enigmas da criação. Dificilmente foram superados até agora Brecht e Sartre. Falando de estéticas e políticas do signo genérico, o debate em torno à mulher e criação –ativo em vários contextos artísticos internacionais – ocupa-se de precisar a diferença entre “estética feminina” e “estética feminista”. A definição de estética feminina refere-se habitualmente, a uma arte que expressa à mulher tomada como um dado natural na sua essência e não como categoria simbólico-discursiva, formada e deformada pelos sistemas de representação cultural. Arte feminina seria a arte representativa de uma feminilidade universal ou de uma essência do feminino que ilustra o universo dos valores e sentidos (sensibilidade, sensualidade, corporalidade, afetividade, sexualidade, etc.), que o reparto masculino-feminino tem lhe reservado tradicionalmente à mulher. Seria aquela arte para o qual o feminino é o rasgo de distintivo e de complementaridade que alterna com o masculino, sem colocar em questão a filosofia da identidade que tenta regimentar a desigualdade da relação mulher como natureza e do homem como cultura, história, sociedade, sancionada pela ideologia sexual dominante. A “estética feminista” seria aquela outra estética, que postula a mulher como signo envolvido num elo de opressões e repressões patriarcais, que deve ser quebrado mediante a tomada de consciência de como exercer e combater a suposta superioridade masculina. Arte feminista seria a arte que busca corrigir as imagens estereotipadas do feminino, que o masculino hegemônico rebaixou e puniu ao longo de séculos. Vejamos alguns exemplos no âmbito da literatura, não isentos de humor vistos à luz da contemporaneidade: “A mulher dá ao marido dois dias de felicidade: o da boda e o de seu enterro”, Hiponacte, poeta satírico grego (570-520 antes de Cristo). “Os melhores enfeites de uma mulher são o silêncio e a modéstia”. Eurípides, dramaturgo grego (480-406 antes de Cristo). E que tal o pensamento de Aristóteles: “Da mulher pode-se dizer que é um homem inferior” ou “A natureza só faz mulheres quando não pode fazer homens”. Dando alguns saltos no tempo, Shopenhauer escreveu que a mulher “é uma espécie de meio-termo entre a criança e o homem, que é o verdadeiro ser humano”. Baudelaire afirmou que “em toda mulher letrada há um homem fracassado” (Loi, 1983).
Retornando ao sério, a arte feminista justifica-se como uma arte motivada, em seus conteúdos e formas, por uma crítica à ideologia sexual dominante. E mais complexamente: uma arte que intervém na cultura geral desde um ponto de vista de como os códigos da identidade e do poder estruturam a representação da diferença sexual em prol da masculinidade hegemônica. Neste território estamos diante de questões de poder, de dominação e de classes sociais, cujo nervo central são as ideologias imperantes. As marcas de gêneros –masculino versus feminino – são parte da trama de categorias e símbolos que a cultura articula e manipula em favor de certas representações de poder. A crítica cultural busca desvendar os jogos de valores e significações que servem ao controle partidário dessas representações de autoridade, encobertas pelo falso suposto da neutralidade das formas. Essa crítica ao establishment procura também promover, no campo de batalha dos signos, intervenções teóricas e práticas que desorganizem suas hierarquias de discurso e identidade. Em suma, a teoria feminista aparece como um instrumento radical do qual dispõe a crítica cultural para colocar em questão a ideologia do sujeito que a cultura oficial consagrou em representação da masculinidade hegemônica. Pode se explicar a evolução do feminismo a partir dos anos 70, passando pelas fases “feminina”, “feminista” e “fêmea” classificação de Elaine Showalter (Lobo, 1999:41) e que hoje tomou corpo nas lutas da mulher para conseguir uma participação mais dialógica dentro da sociedade. Hoje, segundo Luiza Lobo, reivindica-se “visibilidade” para o discurso feminista e o feminismo pode ser percebido não apenas em atos externos da sociedade, mas também na superfície do texto, na realização objetiva da escrita. Acredita que por oposição ao discurso feminista, que busca a afirmação no plano do simbólico, o discurso feminino caracteriza-se pela sua inserção apenas no plano do imaginário.
Na verdade, há uma oscilação entre os dois. Para a écriture femme, proposta pelas psicanalistas francesas, o imaginário é um traço inerente, essencial, do feminino; diz respeito ao seu eu interior, à esfera do imaginativo, em oposição ao plano do simbólico, o qual implica a troca entre o eu e os valores e discursos do mundo externo, ou seja, a aquisição, o uso e a troca da linguagem em geral (Idem. 42).
Na concepção psicanalítica de Lacan o “imaginário” (que forma parte das três instâncias ou registros essenciais do campo psicanalítico junto como real e o simbólico) é marcado por uma predominância da relação com a imagem do semelhante – na teoria do espelho, a formação do eu pela própria imagem, o eu especular -. O eixo do semelhante, do isomórfico, do intersubjetivo, do auto-erótico, do narcisismo, da especularidade preside todas as relações de tipo imaginário, que implica uma certa coalescência entre significante e significado. Por outro lado, o simbólico “designa a ordem dos fenômenos estruturados como linguagem”, que se baseia no caráter fundador da palavra. Para o feminismo, a palavra seria o principal veículo, real o fictício, para a mulher expressar sua revolta, dominar o meio ambiente ou atingir seus objetivos amorosos ou de poder. O salto de imaginário/subjetivo ao simbólico/público é fundamental para a crescente penetração da mulher no espaço público. (idem 43) Em oposição ao feminismo, o feminino ficou enclausurado no universo do imaginário, uma dimensão identificada ao tradicional e puramente plano do subjetivo (idem 47). Dentro dessa abordagem a poesia feminista apela à figura feminina, incitando na mulher a busca pela atuação no espaço público sempre vetado às mulheres e à luta por seu lugar de sujeito na sociedade ao lado dos homens. Partindo desse pressuposto compreende-se, desse modo, a importância da poesia e o papel fundamental que exerce, historicamente, na luta pela libertação da mulher. Pode se comprovar desde que se registra a aparição da primeira poeta latino-americana, no século XVII, Sor Juana Inés de la Cruz, também considerada pela crítica a primeira feminista do continente. Sua revolta aparece no espaço público numa época em que a figura da mulher estava suprimida pelos dogmas clericais e sua poesia se volta justamente para a delicada questão da libertação feminina dos laços da submissão patriarcal. Na década de 80, como bandeira feminista da pós-modernidade, reivindicam sua luta a cineasta feminista argentina María Luisa Bemberg no filme Yo, la peor de todas, baseando-se no livro de Octavio Paz: Sor Juana Inés de la Cruz o Las trampas de la fe (1982). Duas leituras da poeta barroca hispano-americana, que me permitem obter um antecedente histórico do feminismo na literatura novohispana e lhe render uma homenagem nesta mesa sobre poesia e gênero. Octavio Paz observa em sua obra:
Minoritaria, docta, acadêmica, profundamente religiosa pero no en un sentido creador sino dogmático y, finalmente, hermética y aristocrática la literatura novohispana fue escrita por hombres y leída por ellos. Hubo, naturalmente, excepciones y se conservan, por ejemplo, discretos poemas de María Estrada de Medinilla (1640). De ahí que sea realmente extraordinario que el escritor más importante de Nueva España haya sido una mujer: sor Juana Inés de la Cruz. (1999: 69).
O poeta mexicano acrescenta que o caráter acentuadamente masculino da cultura novohispana é um fato ao que a maioria dos biógrafos de sor Juana não tem dado sua verdadeira significação. Nem a universidade nem os colégios de ensino superior estavam abertos às mulheres. A única possibilidade que as mulheres tinham de penetrar no mundo fechado da cultura masculina era deslizar-se pela porta entreaberta da corte e da igreja. “Ainda que pareça surpreendente, os locais em que os dois sexos podiam se unir com propósitos de comunicação intelectual e estética eram o locutório do convento e os estrados do palácio. Sor Juana combinou ambos os modos, o religioso e o da corte” (idem). Entrar no âmbito da religiosa mexicana permite também colocar em prática a crítica feminista como uma possibilidade de desconstrução de leituras consagradas, como processo revisionista da historiografia literária. É o que fizeram Paz e Bemberg, cada um em seu código. Com eles e através deles, podemos constatar o que afirma Elódia Xavier (1999: 16) que o feminismo instaurou um modo particular de ver o mundo, que revela o princípio arbitrário, não natural da realidade. Masculino e feminino em sua historicidade dinâmica, passam a ser identidades sociais, configuradas ao longo de processos de significado. O estudo das relações de gênero não só desvela o arbitrário desta construção, como também aponta para a hegemonia de um gênero sobre outro. Para ilustrar sua idéia cita Bila Sorj:
Diferentemente do sexo, o gênero é um produto social, aprendido, representado, institucionalizado e transmitido ao longo das gerações. E, segundo, envolve a noção de que o poder é distribuído de maneira desigual entre os sexos, cabendo às mulheres uma posição subalterna na organização da vida social. (idem. apud. Sorj).
A citação de Sorj me permite abrir uma brecha para o conceito oriental do masculino-feminino, representado pelo símbolo das forças opostas, do ying e do yang, que habitam a cada individuo e pela figura que os encerra harmonicamente num só círculo. Cada um deles contêm a essência do outro. O povo mais antigo dos Andes, os aymaras, sobre o mesmo princípio fundamenta sua filosofia que confere a dualidade feminina-masculina a todas as coisas do universo: para eles as polaridades movem à existência e nada é uma coisa ou a outra, senão ambas coisas à vez. O sol é também a sol, o caminho é também a caminho, a lua é o lua, e assim por diante. Os conflitos de sor Juana entre ser mulher e ser escritora a levaram a tomar os hábitos da igreja. Octavio Paz conta que na época Juana Inês, antes de tomar o véu, vacilava e se perguntava se seriam compatíveis suas inclinações intelectuais com os deveres religiosos. O escritor reproduz um fragmento do texto que sor Juana dirige a Filotea de la Cruz, em relação à sua iniciação e no qual revela sua reticência ao matrimônio, única via de salvação social para a mulher da época:
Entréme religiosa porque, aunque conocía que tenía el estado cosas (de las accesorias hablo, no de la formales) muchas repugnantes a mi genio, con todo, para la total negación que tenía al matrimonio, era lo menos desproporcionado y lo más decente que podía elegir en materia de la seguridad que deseaba de mi salvación; a cuyo primer respeto (como al fin más importante) cedieron y sujetaron la cerviz todas las impertinencillas de mi genio, que eran de querer vivir sola; de no querer tener ocupación obligatoria que embarazase la libertad de mi estudio, ni rumor de comunidad que impidiese el sosegado silencio de mis libros (1999: 156).
Octavio Paz nos adverte que para uma cabal inteligência dessa declaração se devem ter em conta duas circunstâncias: trata-se de uma freira que escreve, e que escreve a um bispo. A decisão de sor Juana de professar o voto está subordinado a sua negação ao estado matrimonial. Não tem a menor alusão ao chamado de Deus nem à vocação espiritual. Com extraordinária franqueza, expõe uma decisão racional: como não deseja se casar, o convento é o menos desproporcionado e o mais decente para assegurar sua salvação. Pensar que ela sentia uma clara aversão pelos homens e uma igualmente clara afeição pelas mulheres lhe parece descabelado. A negação ao matrimonio estava mais ligada a seu amor ao saber.
No quiere casarse porque quiere saber. El proceso de masculinización se confunde con el del aprendizaje: para saber hay que ser hombre, cortarse el cabello, y en fin, neutralizar su sexualidad bajo el hábito monjil, son sublimaciones o, mejor, traducciones de su deseo: quiere apoderarse de los valores masculinos porque quiere ser como un hombre. Ese como es el puente y, simultáneamente, el signo de la distancia insalvable. Por eso, en un segundo momento del proceso rompe el puente, se vuelve contra los hombres, defiende a las mujeres y anticipa el feminismo moderno (1999: 159).
O mais famoso de seus poemas mostra essa revolta: Hombres necios que acusais a la mujer sin razón, sin ver que sois la ocasión de lo mismo que culpáis:
si con ansia sin igual solicitais su desdén ¿por qué quereis que obren bien si las incitais al mal...
Para Octavio Paz, desde o ponto de vista psicosomático a “masculinidade” de sor Juana lhe parece uma fantasia de alguns críticos modernos. Mas não desde o ponto de vista psicológico, social e histórico. Os valores do seu mundo eram valores masculinos. “Menina se disfarçava de homem para se apoderar deles; mulher extremou a divisão platônica entre alma e corpo para afirmar que a primeira é neutral. O estado religioso foi a neutralização de sua sexualidade corporal e a liberação e transmutação de sua libido” (idem). Negação ao matrimonio, amor ao saber, masculinização, neutralização: tudo isso se resolve, na reflexão de Octavio Paz, numa palavra não menos poderosa: solidão. Em 1669 o convento lhe parecia como a solução a seu dilema: se em seu destino estavam as letras, não podia ser nem letrada casada nem letrada solteira. Podia sim, ser freira letrada. Resulta curioso constatar que a poesia abriu quase sempre uma porta de saída de um outro que habita a cada ser humano. Um outro que vai além da aparência, que tem mais bem que ver com a essência. Bachelard o afirma de outro modo: “as mulheres são homens ocultos, uma vez que têm elementos masculinos no interior” (1994: 376). Por isso não surpreende que Gabriela Mistral, por exemplo, com um perfil bastante masculino e cuja verdadeira natureza sexual hoje já não é mais um mistério, escrevesse uma poesia tão maternal, cheia de ternura pela infância, com uma postura vanguardista clara diante de suas convicções políticas social-cristãs e seu repúdio pelas burguesias latino-americanas. Também não surpreende que um poeta como Pierre Louys, assumisse, humanizando e personificando, as vozes das antigas deusas e civilizações, como Afrodite e Bilitis, para cantar a sensualidade e os secretos prazeres do amor profano. Emulando a afirmação de Bachelard podemos aplicar o mesmo princípio para os homens. Assim como confundem as alegorias da alma numa linguagem da mais devota paixão entre a esposa e o esposo do Cântico espiritual de San Juan de la Cruz. E mais próximas da nossa realidade, as mulheres/personagens de Chico Buarque, que expressam com propriedade poética o coração, a paixão e o desejo da fêmea nas suas insuperáveis canções. Outras mulheres poetas da América Latina contemporânea, como Olga Orozco (1920-1999) e Giconda Belli (1948), projetam essa ambigüidade genérica em suas obras. Podemos nos perguntar que entidade fala no verso seguinte de Olga Orozco?: Me clausuran en mi.Me dividen en dos. Me engendran cada día en la paciencia y en un negro organismo que ruge como el mar. Me recortan después con las tijereas de la pesadilla y caigo en este mundo con media sangre vuelta a cada lado: una cara labrada desde el fondo por los colmillos de la furia a solas, y otra que se disuelve entre la niebla de las grandes manadas. No consigo saber quién es el amo aquí. Cambio bajo mi piel de perro a lobo. (“Entre perro y lobo”, Obra Poética, 1991:110).
O título de uma das obras da nicaragüense Gioconda Belli - De la costilla de Eva – já anuncia sua postura pelo avesso da mensagem bíblica. Dessa costela, que a história oficial se empenha em ignorar, surge o amor, a sensualidade, a reflexão e o espírito revolucionário de um compromisso com a autenticidade do ser. Esse compromisso que impregna sua poesia onde ela, Dulcinea, é ao mesmo tempo Quijote: Yo hubiera querido inventar la magia de hacerte crecer un ramo de begonia en medio del pecho... ...Hubiera querido, quisiera despertarte Adán frente a la única Eva posible del mundo... ...Y por querer lo que quiero ando soñando dulcinea mujer quijote sopladora de molinos de viento sin redención para el amor, amando sin brújulas ni instrumentos que detengan mi rumbo de pájara enamorada del sonoro dulce, huracán de tu palabra. (“Magias para descansar”, 1986: 51)
Às perguntas feministas apresentadas por Nelly Richard em suas Intervenções críticas “o que faz, de uma escrita uma escrita feminina? E é possível que uma escrita seja feminina? É a escrita feminina uma categorização válida?, entre outras questões, prefiro a resposta de Josefina Ludmer “a escrita feminina não existe como categoria, porque toda escrita é assexual, bissexual, unissexual”.
Ela (Ludmer) alude a uma subjetividade criativa, que combina várias marcas de identidade em um processo flutuante de significação, desordenando os pertencimentos de gênero, sendo a escrita aquela região na qual se ampliam e se diversificam os traçados de subjetivação e identificação simbólica. Para Ludmer, voltar a enquadrar a linguagem na chave monosexual –definir o texto como univocamente masculino ou feminino – seria restringir o potencial transimbólico (transgenérico) da criação, como fluxo e transbordamento da identidade e do sentido. Relaciono esta afirmação de Ludmer com as teorias de Julia Kristeva, ao afirmar que, para além dos condicionamentos biológico-sexuais e psicossociais que influenciam o comportamento do autor ou da autora frente à literatura, a escrita coloca em funcionamento o cruzamento interdialético da várias formas de subjetivação (Richard, 2002: 132).
Então minha conclusão, por agora, é que a poesia contém na sua essência essa dualidade que somos, independente de nossa etnia, ideologia e identidade sexual. E isso não invalida a nossa luta pelas reivindicações feministas que até hoje sustentam muitos homens e mulheres pelo mundo.
Bibliografia BELLI, Gioconda. De la costilla de Eva. Managua: Editorial Nueva Nicaragua, 1986. LOBO, Luiza. “A dimensão histórica do feminismo atual”. In: Literatura e feminismo. Propostas teóricas e reflexões críticas. (org. Christina Ramalho). Rio de Janeiro: Elo Editora, 1999. LOUYS, Pierre. Las canciones de Bilitis.Buenos Aires: Editorial TOR, 1942. LOI, Isidoro. A mulher. São Paulo: Editora Jabuti, 1988. OROZCO, Olga. Obra poética. Buenos Aires: Ediciones Corregidor, 1991. PAZ, Octavio. Sor Juana Inés de la Cruz o Las trampas de la fe. México: Fondo de Cultura Económica, 1999. RICHARD Nelly. Masculino/Femenino: Prácticas de la diferencia y cultura democrática.Santiago: Francisco Zegers Editor, 1989. SIERRA, Malú. Donde todo es altar. Aymaras los hijos del sol. Santiago: Editorial Persona, 1991. XAVIER, Elódia. “Para além do cânone”. In: Literatura e feminismo. Propostas teóricas e reflexões críticas. (org. Christina Ramalho). Rio de Janeiro: ELO Editora, 1999.
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