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POESIA NEOBARROCA NA ACEPÇÃO DE CLAUDIO DANIEL


         Existem muitas digressões teóricas sobre a poesia neobarroca, definida quase sempre a partir dos exemplos disponíveis. É o que eu chamo de "definição consuetudinária", consumada a partir do "as it is", embora corra o risco de cair no pântano das disparidades. Mexicanos, argentinos, brasileiros têm suas concepções e ilustram com textos ao seu alcance.

         Claudio Daniel é um dos que acompanham estas manifestações da novíssima poesia brasileira, sem perder de vista os modelos e exemplos que estão estampados em revistas e páginas web que veiculam os autores da corrente neobarroca. Que, como todo movimento, tem sua paideuma em autores tão díspares como Lezama Lima e o Haroldo de Campos tardio de Galáxias e Crisantempo. Cláudio Daniel acredita que o neobarroco propagou-se a partir de 1970, principalmente na América Latina, por autores exponenciais como o cubano José Kozer, o argentino Nestor Perlongher e o uruguaio Roberto Echewarren, a cuja lista acrescentou os brasileiros Wilson Bueno, Horácio Costa, Josely Vianna Baptista e o Leminsky do Catatau. Panorama criativo bastante eclético, influenciando autores mais recentes como a paulista Adriana Zapparoli e o cearente Eduardo Jorge. 

         E chega a afirmar que "a diccção neobarroca ou hermética é uma das respostas possíveis à crise do verso", onde coloca neobarroco como sinônimo de hermético. E conclui:

"O neobarroco não é uma escola; não tem princípios normativos como o verso livre ou as "palavras em liberdade". Podemos caracterizá-lo, em termos gerais, como uma estética da miscigenação, da quebra de fronteiras entre repertórios culturais, mesclando o erudito ao popular, o neologismo ao arcaísmo, o ocidental ao oriental, o poético ao prosaico, num deliberado hibridismo, que incorpora ainda a tradição do Século de Ouro (com a sua rica imagética e proliferação de metáforas) e da vanguarda internacional.",

diz-nos Cláudio Daniel no posfácio da antologia Todo começo é involuntário (ver).  Poesia Neobarroca como uma espécie de x-tudo, amálgama de diferentes insumos de vária procedência. Nada contra, nem a favor, muito pelo contrário.

(A. M., janeiro 2011)

 

CLAUDIO DANIEL publicou este artigo em que amplia e organiza melhor as ideias citadas acima

 

04/06/2009 10:32:00

Releituras do barroco na modernidade

 

Por Claudio Daniel

         

     As releituras do barroco na modernidade abriram novas perspectivas para a criação poética, colocando em primeiro plano vetores estéticos e conceituais como o hibridismo, a assimetria e a miscigenação de códigos lingüísticos e culturais. O novo barroco, que tem como fundadores históricos o cubano Lezama Lima e o brasileiro Haroldo de Campos, conforme avaliação de José Kozer, é regido pelo signo da ambigüidade, que define mundo e linguagem como realidades plurívocas, instáveis, contraditórias, em permanente estado de mutação. Conforme diz o verbete de dicionário, ambigüidade significa a qualidade daquilo que pode tomar mais de um sentido; é também sinônimo de incerteza, imprecisão, equívoco. O texto literário concebido sob a influência desse demiurgo não tem uma única rota de leitura: em vez da clareza, equilíbrio e contenção de uma obra clássica, que obedece a noções lineares de tempo, espaço e movimento, a escritura barroquizante autoriza diferentes vias interpretativas, aproximando-se do princípio da indeterminação de Werner Heisenberg, para quem “o que estabelecemos matematicamente só em pequena parte é um fato objetivo; em sua maior parte, é uma visão de conjunto sobre possibilidades” (Campos, 1977: 16).

     A escritura barroquizante, sendo ambígua, aproxima-se do conceito deobra de arte aberta, formulado pelo italiano Umberto Eco, que coloca em xeque as noções tradicionais de “continuidade, de lei universal, de relação causal, de previsibilidade dos fenômenos” (Eco, 1976: 205-206), em favor de uma inseminação de múltiplos significados. Conforme diz o cubano José Kozer, “somos densos, assimétricos, mais dodecafônicos do que clássicos, sem um centro específico mas antes envolvidos com uma proliferação de centros”. (KOZER, 2004)

     Já o poeta uruguaio Roberto Echavarren afirma que “A arte barroca repudia as formas que sugerem o inerte ou o permanente, cúmulo do engano. Enfatiza o movimento e o perpétuo jogo das diferenças, dinâmica de forças figurada em fenômenos. (...) Não é espelho da realidade, mas a atravessa, órbita elíptica em relação a outros fenômenos. Por último, a escritura barroca altera o sentido de um fim. Não se trata de encontrar um remate cabal e necessário para uma história única. A escritura barroca obedece à noção de processo indefinido, senão infinito”. (DANIEL, 2004: 252-253)

     No poema Shakti, de Reynaldo Jiménez, por exemplo, encontramos versos como estes: “porque adorna uma deusa, o peregrino da espécie deserta. / soletra, como a lepra do paria, uma espera intraluzente, muda / a marca de ofícios e penares em ondas aturdindo, turba ao acudir / interior de um mercado zahorí, palustre o espírito sob os tules, morada iguana” (JIMÉNEZ, 2006: 32). Nessa composição, o autor argentino desconsidera fronteiras históricas e culturais, fazendo uma colagem de termos de origem árabe, indiana, européia, numa sintaxe difícil, mais analógica do que gramatical, não raro diluindo as fronteiras entre poesia e prosa e alterando a função e o sentido das palavras. Seu léxico é inusitado, incluindo neologismos, arcaísmos, termos sânscritos, mesclados a expressões por vezes chulas, de um deliberado feísmo. Longe de buscar uma dicção elevada, sublime, Jiménez investe no contraste, no conflito, no claro-escuro, desmanchando a narrativa poética numa sucessão aparentemente caótica de quadros e cenas. Recurso similar é empregado pelo poeta uruguaio Roberto Echavarren no poema O Napoleão de Ingres, que faz uma colagem de signos de diferentes épocas e culturas para compor um retrato alegórico do soberano francês: “A cor da seda, sua textura / são quase metálicos: um zepelim pelo céu / azul-da-prússia, um dragão chinês / voando em seu troar de metais” (DANIEL, 2004: 197). Esta mescla de elementos de diferentes territórios, longe de ser arbitrária, corresponde, de maneira icônica, ao próprio tempo em que vivemos: um tempo em que as fronteiras culturais se diluem, com a aproximação cada vez mais acelerada entre o popular e o erudito, o ocidental e o oriental, a herança do passado e as inovações de um presente acelerado, caótico, multiforme. Neste sentido, o neobarroco vai além da estética e afirma uma visão da história e do mundo não como uma linha evolutiva linear, sujeito às leis de qualquer determinismo, mas como um processo híbrido, contraditório, impuro.

     A dissolução das fronteiras entre os códigos culturais corresponde a uma outra ruptura, simbólica, no campo da sexualidade: a superação das dicotomias entre o feminino e o masculino, numa deliberada androginia, presente, por exemplo, na imagem do travesti, enfocado pelo cubano Severo Sarduy. Já a poesia de José Kozer coloca em primeiro plano sujeitos sociais antes desvalorizados como sapateiros, costureiras, lavadeiras, ao lado de místicos como Jacob Boheme, de filósofos como Nietzsche e referências à cabala ou ao budismo. Esta quebra de hierarquias pode ser buscada já no barroco histórico, por exemplo no poeta baiano Gregório de Matos, que incorporou termos africanos, indígenas e castelhanos em seus retratos satíricos da vida colonial brasileira do século XVII, em que comparecem padres devassos, mulatas faceiras e cobradores de impostos. Porém, a poesia neobarroca não é uma retomada epigonal da arte do Século de Ouro, com a sua métrica e a sua metafísica, impregnada pelo espírito da Contra-Reforma. Conforme diz Roberto Echavarren, “A poesia barroca e a neobarroca não partilham necessariamente os mesmos procedimentos, ainda que certos traços possam ser considerados, por seus efeitos, equivalentes. O que partilham é uma tendência ao conceito singular, não geral, a admissão da dúvida e de uma necessidade de ir além das adequações preconcebidas entre a linguagem do poema e as expectativas supostas do leitor, o desdobrar de experiências além de qualquer limite” (DANIEL, 2004: 255).

     Podemos identificar pontos convergentes como a ênfase na imagem, na metáfora; a construção labiríntica da sintaxe; a riqueza semântica; o conflito entre o significante e o significado; o uso de recursos como a anáfora e a hipérbole; porém, estamos diante de uma escritura ainda mais movediça, lodosa, que não propõe uma poética, mas uma pluralidade de poéticas,deslizando “de um estilo a outro sem tornar-se prisioneiros de uma posição ou procedimento”, no dizer do poeta uruguaio. O neobarroco é essencialmente uma arte paródica, que se apropria de gêneros consolidados como o romance, a novela, o soneto, perturbando-os. A esse respeito, diz José Kozer: “Um sumário da poesia neobarroca incluiria noções tais como dispersão, a reapropriação de estilos formais, estilos que movem-se em paisagens bárbaras, onde as ruínas são reunidas, uma escrita onde o trobar clus e o hermético proliferam, onde há grande turbulência, misturas não-naturais, uma alegria engrenada para combinar linguagens, a dissolução do sentido unidirecional, sem aplauso para o self ou o ego ou o eu: polifonia, polivalência e versatilidade, utilização dos estilos anteriores de forma a desconstruí-los, criando uma verdadeira explosão de diferentes formas de escrita, um terreno de materiais, uma assinatura em direção ao feio, ao sórdido, ao reciclável, tudo aquilo caracteriza o neobarroco” (KOZER, 2004).

     Estes elementos conceituais e estilísticos podem ser encontrados em autores contemporâneos de língua espanhola como o dominicano León Félix Batista, a mexicana Coral Bracho, o uruguaio Victor Sosa, o peruano Rodolfo Hinostroza ou o chileno Raúl Zurita, e ainda em autores brasileiros jovens, como o cearense Eduardo Jorge, numa linha que vai do Caribe ao Cone Sul do continente, da década de 1970 aos dias de hoje. Não por acaso Nestor Perlongher propôs o termo neobarroso, alterando o termo que indicava uma aparente dependência da estética européia por um outro que denota a própria geografia do Rio da Prata, linha divisória entre a Argentina e o Uruguai, indicando assim uma outra dimensão conceitual. Conforme diz o poeta uruguaio Eduardo Milán, “Neobarroso é o nome idôneo para a empresa poética destinada, para Perlongher, a fazer baixar de estatura a grandiloqüência proveniente da Europa, de toda sorte de Europas” (MILÁN, 2006). Nesse mesmo texto, Milán reivindica para o poema neobarroso uma “contra-imagem permanente ou uma permanente crítica à imagem do mundo”, e ainda

a proposição no poema de uma zona franca de valores, a tentativa de validação de um estado permanente de ‘coisas do mundo’ variáveis e sem solução ou sem constituição sólida aparente. Para isso os ‘neobarrosos’ lançaram mão de um recurso utilizado pela vanguarda mas anterior a ela mesma: a criação de sentidos por ‘contágio’ de significantes (Idem).

     Neste sentido, podemos afirmar que o neobarroco, ou neobarroso, é uma crítica não apenas da linguagem, essa máquina procriadora de formas de representação, mas também da própria imagem do mundo; é o espelho alucinado, mutável, ambíguo, do caos labiríntico, insano e cada vez mais perigoso em que estamos inseridos. 

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

  CAMPOS, Haroldo de. A arte no horizonte do provável. São Paulo: Perspectiva, 1976.

  ECO, Umberto. Obra aberta. São Paulo: ed. Perspectiva, 1976.

  KOZER, José. O neobarroco: um convergente na poesia latino-americana, in revista Zunái, www.revistazunai.com.br, 2004.

  DANIEL, Claudio. Jardim de camaleões, A poesia neobarroca na América Latina. São Paulo: Iluminuras, 2004.

  JIMÉNEZ, Reynaldo. Shakti. São Paulo: Lumme Editor, 2006.

  MILÁN, Eduardo. Neobarrosos, in revista Zunái, www.revistazunai.com.br, 2006.

 

 

 Extraído de: http://cronopios.com.br/site/ensaios.asp?id=4021, acessado em 26/12/2014.

 

 


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