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POESIA MARGINAL: SUJEITOS INSTÁVEIS,
ESTÉTICA DESAJUSTADA

 

                por SUELI DUNCK DIDONET


Professora aposentada pela Universidade Federal de
Mato Grosso/Campus de Rondonópolis

 

Texto extraído de
REVISTA UFG – Universidade Federal de Goiás – Junho 2009 -  Ano XI – No. 6, p. 208-212

 

 

Livro: Que poesia é essa?! Poesia marginal: sujeitos instáveis, estética desajustada Autora:Teresa Cabanas Editora da UFG Goiânia, 2009

 

 

            O trecho epigrafado é parte do texto de apresentação de Que poesia é essa?!... Poesia marginal: sujeitos instáveis, estética desajustada e, como se pode ver, é uma advertência para o que o leitor poderia encontrar na obra, não tivesse a autora enfrentado com "maestria analítica" as questões que envolvem o tema e seus corolários - a poesia marginal, nos idos dos anos 90. Mas o que ele encontra são "sobretudo as características históricas e literárias [dessa] poesia e de seu quadro epistemológico", como escreve Heloísa Buarque de Hollanda, no texto que preparou para a orelha do livro.

            Heloísa, professora de teoria crítica da cultura - e também escritora e edi­tora - participou da banca que examinou o trabalho de Teresa, certamente em função de seu interesse pelo que chama de "produção de periferia" e de "nova literatura marginal". E sobre este texto, Heloísa lembra que tanto para a imprensa quanto para a academia o ponto em questão era saber se aquilo (a poesia dita marginal) "era ou não era literatura". Para ela, a insistência com que se colocava tal pergunta passou a interessar-lhe mais do que as respostas possíveis, porque se tratava de pôr "em cena uma pergunta cuja pertinência, no quadro referencial pós-moderno, era inquestionável".

         Que poesia é essa?!... é o segundo livro de Teresa Cabanas publicado pela Editora da UFG. O primeiro, A poética da inversão: representação e simulacro na poesia concreta (2000), resultou de sua dissertação de mestrado pela Unicamp, em que a autora faz uma leitura e análise dos poemas concretos da chamada "fase ortodoxa". Este segundo, de 2009, é produto de sua tese de doutorado pela mesma universidade e, diante da advertência inicial sobre a acolhida do trabalho, a própria autora diz no texto de apresentação:"longe de querer te fazer gostar do que te apresenta, este filho meu tenciona o entendimento de uma percepção estética que, se diferente da tua, existe tão viva como aquela em que por acaso te compraz". Por fim, no mesmo texto, informa sobre o desfecho daquela recepção a princípio tão negativa: "Ah! E se por acaso ficaste por mim preocupado, sossega leitor, que saí doutora do percalço.Afinal, de incoerências a academia também se faz".

         Pois bem, com tais citações - quer as de Heloísa Buarque, quer as de Teresa Cabanas -, anuncia-se o conteúdo tratado na obra em questão, cujo estudo está voltado para a produção dos poetas que, de certa forma, se alinham às propostas da contracultura com traços próprios e contingenciais.

Cinco partes constituem o texto. Na primeira, intitulada "No universo das diver­gências", Teresa Cabanãs chama a atenção do leitor para a maneira como a poesia, procurando seguir junto com as grandes mudanças ocorridas após a Segunda Guerra Mundial, envereda para o que chama de "armadilha vagarosamente articulada pela própria sociedade na qual ela precisa se inscrever". Segundo a autora, tendo a poesia moderna ensaiado, ao longo do século,formas alternativas de expressão, estas acabaram se tornando muito diversas, inaugurando-se uma trilha de aproximação entre a "poesia do universo sem mistério" e o "homem urbano médio". Dessa experiência resultou uma palavra de "contornos inéditos, desenhados à sombra do vasto mundo da prosa, que logo não demora em se aproximar da expressão corriqueira, do tom coloquial, do recorte balbuciante do aparentemente trivial e cotidiano" (p. 12-13).

          Para explicar esse panorama.Teresa Cabanãs vale-se de autores como Hamburger, Sanguineti, Chaui, Haber-mas, Paz, dentre outros.Afirma ter sido João Cabral de Melo Neto (1998) a desenhar "as coordenadas do que se poderia denominar atualização do habitus de leitura no contexto brasileiro", dado o "aparecimento de um público leitor forjado na demanda de realidades estéticas diversas daquelas afirmadas pela modernidade do cânone poético" (p. 21).

         Assim, de um lado, vê-se um Cacaso, por exemplo, com o poema "Estilos de época", que satiriza o panorama contemporâneo da literatura brasileira (racionalização, planificação, controle) e, de outro, um Vinícius Dantas (1986), com acusações de que "os poetas de 1970 teriam instaurado uma verdadeira 'barbárie poética', responsável pela diluição de uma herança poética sólida, levando à instalação de um estado de absoluto marasmo e ao esvaziamento de propostas inteligentes" (p. 24). O mesmo Dantas, continua a autora, assina, junto com lumna Simon, o artigo intitulado "Poesia ruim, sociedade pior" (1985), apontando o aspecto agressivo que teria a poesia dessa década.

         Na segunda parte -"Intermezzo necessário" - Teresa Cabanas inicia  retomando Vinícius Dantas, dessa vez, aludindo ao artigo "A nova poesia brasileira e a poesia". Aqui ela destaca que o autor, quanto ao quadro de soluções estéticas "desenhado pelas correntes marginais, estaria explicitando os sintomas que'denunciam o amplo espectro da crise da pós-modernidade que aqui já faz as suas misérias'" (p. 50). E para falar do caminho percorrido pela pós-modernidade, ela se ocupa de apresentar o que a crítica elucidou sobre a época. Para tanto, menciona Leslie Fiedler e lhab Hassan, que na década de 1960 cunharam o termo pós-modernismo, denominado "pós-industrial", por Ernest Mandel Bell.Também refere Frederic Jameson (1986), segundo o qual o pós-modernismo passou a ser estudado como a "lógica cultural do capitalismo tardio", decretando um "corte radical" na tradição moderna (p. 51). Finalizando essa parte, Cabanas convida o leitor a fazer "um tour por este solo diferenciado, que não pou¬cas vezes exigirá [...] a prática, por momentos árdua, de um olhar também particular e o ajuste de [...] lentes de apreciação axiológica, focalizadas para a visualização de um outro conceito do literário" (p. 58).

         Na terceira parte - "Que poesia é essa?" - Teresa Cabanas toma de empréstimo o dístico "Estou a salvo: / a poesia não é tudo", de Nicolas Behr, para referir-se ao fenómeno da perenidade supostamente existente na poética da época. O sugestivo título dado por Behr a um de seus poemas - "Iogurte com farinha. Leia antes que azede" - é um exemplo dessa perenidade. Na visão de Cabanas (p. 61), esta é "uma iguaria não apenas repugnante, como sujeita à deterioração".

 Para Cabanas, a poética marginal procede a uma opera¬ção de desarticulação, a uma desconstrução que, pela via da negação, dilui funções, conceitos e representações tidos como exemplares. E o que se vê nos seguintes versos de Chacal:"chegou a hora / nem que seja para agitar a água / mexer a sujeira que descansa há tanto tempo" (p. 66).

         Nessa parte do texto, Cabanas menciona poetas como Cacaso, Chacal, Behr, Leminski, Salomão, João Carlos Pádua, Ângela Melin, Miccolis, para uma bem- elaborada contextualização de seu objeto de estudo. Ao final dessa parte, a autora refere que, pela técnica da descontração, esses poetas se valem de uma"tática, séria e grave, de sobrevivência: de sujeito e de criação a que ele dá vida" (p. 148).

         Na quarta parte do texto -"O desajuste" -, o primeiro dos quatro intertítulos que a compõem denomina-se"Uma poética da instabilidade", em que, para tratar da estética da sociedade tardo-moderna, Cabanas se reporta aVattimo,detendo-se no estabelecimento, feito por este, de uma interessante analogia entre os conceitos de shock, de Benjamin, e stoss, de Heidegger, para explicar essa nova experiência do Ser, cuja consciência de existir dentro de um corpo finito dá origem à angústia, à mortalidade.

Numa altura de sua análise (p. 173), a autora refere-se ao que chama de resíduos literários da época, os quais, para ela, encontram-se carregados de significados e interessam não somente ao pesquisador, mas, sobretudo, ao homem que se aproveita deles criativamente. Lembra Cabanãs, numa alusão a Cacaso, que Mattoso, em certa ocasião, teria afirmado encarar a poesia como uma maneira de passar o tempo e de se ocupar, apontando aí uma das possibilidades de encaixe dessa poética.

         "E parodiando continuamos" é o intertítulo no qual Teresa desenvolve brilhante explanação sobre o ato de criar, na poesia. Ela cita uma crítica que consideraria qualquer procedimento imitativo uma"canibalização ao acaso", uma'literatura social de recheio': uma manobra de engenharia social que ajuda a reprimir nossas angústias e em virtude da qual essa literatura até seria bem-vista pelo establishment" (p. 170). Esse é um dos pontos levantados por Cabanas para alinhavar as reflexões acerca do que é tomado como imediatismo, escassa elaboração pragmática, caráter dispersivo e espontâneo, desorganização e desorientação que parecem orientar a poética, em síntese, uma espécie de "geleia real".

         Cabanas afirma ter sido Heloísa Buarque a lhe dar a deixa para encontrar respostas diante da expressão (meio pergunta, meio resposta) "que poesia é essa?!",referindo-se à poesia marginal. E aí diz:"marginalidade literária do grupo [que] tem origem - e acredito que se explique, em última análise - na forma como esses poetas percebem, reagem e encaram a vivência cotidiana através de modos nem sempre necessariamente conscientes" (p. 176). Nesse ponto Cabanas vale-se de Laclau para tratar, principalmente, de "representatividade", termo que caracteriza o modo de proceder da sociedade moderna, de Scarpit,a propósito dos momentos de crise que as vanguardas desvelam, e ainda de Vattimo, com a chamada "astúcia tática", uma atitude que responde à transformação das condições de vida com o advento da sociedade de consumo massificada.

         Continuando sua análise, com autores como Hall, Mattoso, Certeau, Plaza, Hollanda e Pereira, Miccolis, dentre outros, Cabanas aponta as razões "do abandono, por parte des¬sas manifestações [marginais], da conhecida programática totalizante, tradicionalmente projetada para atingir as altas esferas detentoras do poder, dentro do que, sem dúvida, mostra-se como uma ação estratégica, isto é, de longo alcance e duração" (p. 183).

         Na quinta e última parte - "E agora?" -, Cabanas propõe uma aproximação com manifestações estéticas como a poesia marginal, para realizar, como ela mesma diz,"um exercício de confronto com práticas que formalizam um outro conceito estético" (p. 198). Para ela, essa atitude é o que permite colocar-se perante a existência de outras comunidades, sensibilidades e imaginários. E conclui: "Isto significa pôr em prática a experiência de autorreconhecimento das nossas especificidades grupais, como reconhecimento da multiplicidade de modelos existentes" (p. 199-200), como ilustram os poemas citados a seguir (p. 135, 152, 180 e 184, respectivamente):

 

não chore meu amor não chore

que amanhã não será outro dia

(Cacaso)

 

Deus está morto

Marx está morto
eu estou morto

 

Vou enterrar os três Depois de amanhã
(Behr)

 

O operário não tem nada com a minha dor
bebemos a mesma cachaça por uma questão de gosto
(Charles)

 

E proibido pisar na grama
o jeito é deitar e rolar (Chacal)

 

 

 

 

DIDONET, Sueli Dunck.  Poesia marginal: sujeitos instáveis, estética desajustada. In.          PORTAL DE POESIA IBERO-AMERICANA. Ano 17 –
No. 64 – Outubro – Dezembro, 2020. ISSN 2447-1178


 

 

 

 
 
 
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