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POESIA E MEIO-AMBIENTE – I


         3 crônicas de
         José Fernandes

 

 

Desde a mais remota antiguidade que o homem procura viver em natureza. Sem entender determinados fenômenos, tinha-os como deuses. A veneração às águas fez os egípcios criarem a mais antiga noção de deus de que se tem noticia: o deus Nun, representado com o hieróglifo em forma de ondas do mar. Depois, a criação do hino ao sol, também chamado Áton, por Akhenaton, uma das primeiras criações poéticas da humanidade. Ainda na antiguidade, os gregos, através do poeta Teócrito (310-260 a. C.), utilizaram a expressão lámpo póleos, fugir da cidade, pois a natureza é, inclusive, capaz de comparticipar dos sofrimentos humanos, enquanto a cidade, não: Mas ele encontrou o remédio/ e sentado nas altas rochas,/olhando para o mar, cantava tais coisas (Idílio XI,).

         O latino Virgilio (70 a. C.), influenciado por Teócrito, traduziu em sua primeira Bucólica a expressão grega por fugere urbem e intertextualizou o poema do poeta grego, em situação semelhante: Somente vinha com assiduidade para o meio/ das faias espessas, de umbrosos cumes;/ ali, solitário, lançava aos montes e aos bosques estas coisas/ desordenadas, com vão empenho. Com espírito de natureza, Teócrito canta-lhe as riquezas, imprescindíveis à existência até mesmo na cidade: Ó alva Galatéia, por que repeles aquele que te ama,/mais alva de se ver que um queijo cremoso,/ mais macia que um carneiro,/mais teimosa que uma novilha/ e mais lustrosa que uma acre uva verde?/E vais, indo-te rapidamente, quando o doce sono me toma,/e foges como uma ovelha que vê um lobo cinzento?(Idílio XI). Para se captar o verdadeiro sentido do poema e sua inteira relação com natureza, tem-se de considerar que Galatéia é uma ninfa do mar que se apaixona pelo pastor Ácis. Quando estes estavam se amando, o ciclope Polifemo, que amava Galatéia, flagrou-os. Ácis começou a fugir, mas o ciclope o esmagou. A ninfa transforma o sangue do amado no rio Ácis.

         As correlações do discurso virgiliano com o de Teócrito é tamanha que também nas Bucólicas semelhante paixão acontece entre Galatéia e o pastor Alexis, como lemos nos seguintes versos, em que a ninfa se dirige ao amado: Ó cruel Alexis, não te importas com meus cantos?/Não tens compaixão de nós? Acabarás me constrangendo a morrer. Essa relação, a despeito de se passar no imaginário, materializa a necessária e imprescindível interação entre homem e natureza, a ponto de um ser a complementação do outro.

         Quando o pastor se apaixonava por alguma ninfa, era comum oferecer-lhe presentes ou mostrar suas posses, todas de natureza e em natureza, a fim de amolecer-lhe as resistências, como vemos neste excerto dos Idílios: Eu sei, querida jovem, por que razão tu me foges: é porque uma só sobrancelha grande e peluda se estende em toda minha fronte... Mas, mesmo sendo assim desse jeito, eu estou a criar mil reses e, depois de ordenhá-las, bebo o melhor leite. Queijo não me falta, nem no verão, nem no outono, nem no auge do inverno... Também eu posso tocar flauta, como nenhum dos Ciclopes... (Idílio XI).

         – Professor, o senhor está me enrolando com estes gregos e latinos. Por que não fala logo da poluição, dos desmatamentos, que estão destruindo a natureza e, pelo que anda acontecendo, deixando-a furiosa?

         – Calma, seu Ângelo, o homem contemporâneo precisa saber que a consciência de natureza não é uma postura de humano recente; mas uma percepção do inexorável que vem de longe. Tanto é verdade que o embate intercultural travado entre os Idílios e as Bucólicas prossegue. Veja como os dois textos tão distantes no tempo dialogam, sempre a demonstrar a importância das riquezas proporcionadas pela natureza: Ó Ciclope, Ciclope, para onde voou teu juízo? Se te fosse possível começar as cestas de queijo e com trabalho mais leve colher gravetos para levar aos carneiros, muito mais senso terias. Ordenha aquela que está mais próxima; por que persegues aquela que te foge? Encontrarás uma outra Galatéia mais bonita, quem sabe. (Idílio XI).

Ah! Coridão, Coridão, que loucura se apossou de ti? Meio podada tens no frondoso olmeiro a tua vide. Por que antes não procuras ao menos tecer, como vimes e junco flexível, algum objeto dos que têm utilidade? Um outro Alexis acharás, se este de ti desdenha.   

          – O problema, professor, é que o homem moderno é pior que o Alexis: está sempre desdenhando a natureza. Um dia, ela se revolta e sabe Deus o que pode acontecer!

         – O senhor é muito apressadinho, seu Ângelo! Quer saber o final da história sem passar por toda a trama! Na semana que vem, nós continuaremos! Por hoje, Veni Creator Spiritus, mentes hominum modernorum visita e lhe incuta apenas o significado de moderado, impresso ao modernus

 

 

 

 

POESIA E MEIO-AMBIENTE – II

 

 

            – Pois é, seu Ângelo, para atender à sua pressa, daremos um salto de mil e quinhentos anos. No Renascimento, os poetas retomaram a literatura greco-latina e, com ela, o culto à natureza, à Grande Mãe, que alguns filhos desnaturados matam todos os dias. Os poetas chamados árcades, com aquele mesmo espírito do fugere urbem, de Virgilio, intertextuazalizaram gregos e latinos, através do velho recurso da imitação dos modelos, já preconizado por Aristóteles, e imprimiram à poesia aquela mesma simplicidade das ninfas e pastores. Assim, Dirceu, sem se referir à Grande Mãe que a tudo provê, desde que devidamente acarinhada pelos filhos, diz claramente à sua amada: Eu, Marília, não fui nenhum Vaqueiro,/ Fui honrado Pastor da tua aldeia;/ Vestia finas lãs, e tinha sempre/A minha choça do preciso cheia.     

– Agora entendo a sua mensagem. Primeiro, gostei da expressão filhos desnaturados, porque acredito que devêssemos tratar a natureza como o ser lírico a define na Lira XIX, da primeira parte do poema: Enquanto pasta alegre o manso gado,/ Minha bela Marília, nos sentemos/À sombra deste cedro levantado./Um pouco meditemos/ Na regular beleza,/Que  em tudo quanto vive, nos descobre/A sábia natureza. Segundo...

– Eh! Seu Ângelo, o homem contemporâneo anda embrutecido. Acha que este modo de versejar está obsoleto e que esta maneira de ver a natureza já era!

– Esta é a desgraça da humanidade. Deve ser por isso que o Cristo disse Venham a mim as criancinhas, porque elas enxergam o simples e o complexo de que o adulto se esqueceu! Veja o encanto que o ser lírico percebe na simplicidade dos animais: Atende, como aquela vaca preta/O novilhinho seu dos mais separa,/E o lambe, enquanto chupa a lisa teta./Atende mais, ó cara,/Como a ruiva cadela/Suporta que lhe morda o filho o corpo,/ E salte em cima dela.//Repara, como cheia de ternura/ Entre as asas ao filho essa ave aquenta,/Como aquela esgravata a terra dura,/E os seus assim sustenta;/Como se encoleriza,/E salta sem receio a todo o vulto,/Que junto deles pisa.

– Engraçado, seu Ângelo, é que o poeta fala primeiro da relação dos animais com os filhos para, depois, falar do homem! Que gosto não terá a esposa amante,/ Quando der ao filhinho o peito brando,/E refletir então no seu semblante!/Quando, Marília, quando/Disser consigo: “É esta/“De teu querido pai a mesma barba,/“A mesma boca, e testa.”//Que gosto não terá a mãe, que toca,/Quando o tem nos seus braços, c’o dedinho/Nas faces graciosas, e na boca/Do inocente filhinho!/Quando, Marília bela,/O tenro infante já com risos mudos/Começa a conhecê-la! Não deveria ser o contrário: falar primeiro do homem?

– Às vezes, o amor entre os animais é mais tocante que entre os humanos. Ademais, a necessidade de maior aconchego entre homem e natureza era tão evidente àquela época, que a lira se fecha mostrando uma inteira inter-relação do homem com a natureza, quase inexistente nos nossos dias de homem matéria: Que prazer não terão os pais ao verem/Com as mães um dos filhos abraçados;/Jogar outros luta, outros correrem/Nos cordeiros montados!/Que estado de ventura!/Que até naquilo, que de peso serve,/Inspira Amor, doçura.

– No romantismo, notadamente nas descrições feitas por José de Alencar, a conjunção do homem com a natureza, mormente através da arte, se torna intensa, uma vez que ele constituía uma extensão dela. Assim, ao falar da escada de lajedo que dá acesso à casa de Dom Antônio de Mariz, diz que metade fora construída pela natureza e metade pela arte, pois nessa paisagem a indústria do homem tinha aproveitado habilmente a natureza para criar os meios de segurança e defesa. A integração é inteira: havia uma coisa que chamaremos jardim, e de fato era uma imitação graciosa de toda a natureza, rica, vigorosa e esplêndida, que a vista abraçava do alto do rochedo. Nos aposentos de Ceci parecia que a natureza havia se feito menina, e seu quarto, decorado com aves, animais e pedras preciosas, é apresentado como ninho da inocência ou como a atmosfera do paraíso que uma fada habitava. É prosa poética pura!

– Pois é, seu Ângelo, para mostrar que o sentimento de natureza é um sentimento de humanidade, o poema Canção de Mignon, de Goethe, fecha o pensar a Grande Mãe, hoje: Conheces tu a terra, onde os limoeiros florescem,/Onde no meio da escura folhagem as laranjas douradas brilham,/Do céu azul uma brisa suave sopra,/Onde silencioso o mirto e alto o loureiro ficam?/Conhece-la bem?/Aí! Aí/Eu gostaria de ir contigo, minha amada.//Conheces tu a casa? Sobre colunas assenta o seu telhado./Brilha o salão, brilha o aposento,/Erguem-se figuras de mármore e olham para mim:/O que te fizeram, pobre criança?/Conhece-la bem?/Ai, aí/Eu gostaria de ir contigo, meu protetor.// Conheces tu a montanha e o seu caminho perdido nas nuvens?/O mar procura na bruma o seu caminho;/Nas cavernas reside a velha geração dos dragões;/As rochas precipitam-se e sobre elas a corrente!/Conhece-la bem?/Aí! Aí/Fica o nosso caminho! Ó pai, deixa-nos ir!

– Eh, se o homem acabar com a natureza, será a tragédia das tragédias! O pior é que ele sequer precisa consultar os oráculos para saber o destino que lhe reserva! Todos os dias a Grande Mãe lhe dá umas palmadas; mas ele insiste em ignorá-las! Veni Creator Spiritus, mentes hominum asinorum visita!

 

 

 

POESIA E MEIO AMBIENTE – III

 

            – Eh! Professor, nestes dias em que se comemoram os dias nacional e internacional da Poesia, e estamos mostrando as relações dela com o meio ambiente, parece que a natureza está se aproveitando das nossas reflexões e materializando nosso pensamento em atos e ações devastadores, para mostrar que ela é a Grande Mãe de quem tudo depende!

         – Pois é, seu Ângelo, aquela visão disseminada do espaço dos sonhos do romantismo de Goethe, recriado por inúmeros poetas, principalmente no modernismo, está, cada vez mais, se colocando no nível de onírico, à medida que, hoje, se tem de guerrear para salvar a Grande Mãe. Se houve guerras de destruição, hoje elas têm de ser guerras de salvação. Ou se cuida da Mãe Terra, ou ela chicoteia em todas as direções e em todos os lugares. Os filhos de hoje não sabem mais ler os símbolos do olhar! Precisam sofrer a dor do castigo. Oxalá, os homens vissem a Mãe Grande, como o poeta português Eugênio de Andrade a vê no poema Natureza morta com frutos: 1. O sangue matinal das framboesas/escolhe a brancura do linho para amar. 2. A manhã cheia de brilhos e doçura/debruça o rosto puro na maçã. 3. Na laranja o sol e a lua/dormem de mãos dadas. 4. Cada bago de uva sabe de cor/o nome dos dias todos do verão. 5. Nas romãs eu amo/o repouso no coração do lume.

         Note que o título do poema constitui um proposital paradoxo, a fim de causar no leitor aquele estranhamento necessário às mudanças de hábito. Não sem razao, outros poetas, na segunda metade do século passado, falaram das transformaçoes impostas à natureza pelo homem. O poema Mato Grosso de Goiás, de Gilberto Mendonça Teles, por exemplo, se revela ecologicamente singular pela visualizaçao das etapas por que as matas brasileiras passaram desde o descobrimento até agora. Em sua primeira parte, nomes de árvores, todas madeira de lei, tampando todo o espaço, a fim de materializar as florestas. Na segunda parte, escaceam-se as árvores e começam a aparecer nomes de madeira branca, sem valor. Na terceira, elas quase nao existem; apenas plantações de soja e outros cereais. Mas, o final do poema, em que as palavras materializam em linguagem de olhar e pegar apenas coivaras, transforma o poetico em coisa, em objeto de advertência, pois  destruírem-se as árvores, mormente as espécies nobres, não é eliminar parte da natureza, é extinguir também os elementos que a compõem e a sustentam, como a água , o ar, o fogo e a terra. O ritmo visual do poema, ao materializar a devastação e a incineração das árvores, está transportando para um estado de imagem-coisa as imagens existentes no imaginário poético. O poema, deste modo é a matéria semiótica e lingüística de uma substância ideológica e, na esteira de Henri Meschonnic, uma obra de arte in se e per se, porque é um equilíbrio de forças, de formas, de valores, de idéias, de signos, de linhas, de imagens.   

          – Professor, há até uma versão cruelmente satírica da Canção do exilio feita por Caulus. Tão cruel que chega a ser apocalíptica. Um sabiá cheio de fuligem voando sobre flores espectrais, decorrância de uma espécie de fumaça atômica, já seria suficiente para se pensar na Grande Mãe. Todavia, o humorista, em meio à paisagem inteiramente morta, coloca um toco de uma palmeira que materializa um caos, sem possibilidade de se tornar cosmos e afirma com o sorriso do pranto: Eu era a palmeira.

– É por isso, seu Ângelo, que um outro poeta escreveu este poema desesperançado: Quando os sinos tocarem os funerais de minha vida,/eu já terei sido menino, moço, adulto, velho e morto,/se tiver a chance de assistir correr meus anos/
da hora de nascer curto e espremido/ como um choro à hora de partir/ longo e doído como um sopro
.

– Professor, se continuarmos no ritmo de irresponsabilidade própria de filhos desnaturados com relação à Grande Mãe, estaremos condenados ao exílio definitivo da morte e, em conseqüência, ao extermínio da vida na Terra. Estamos antecipando a condenação que carregamos conosco desde o mito de origem, pois O exílio nos acompanha. A nós, homens e mulheres da humanidade, expulsos que fomos do paraíso, pela temeridade ancestral de nossos pais míticos – Adão e Eva – que se entregaram à sedução do conhecimento sem limites e geraram, para sempre em nossa cultura, este sentimento inalienável de perda metafísica.

         – Engraçado é, seu Ângelo, que começamos esta conversa há três semanas, para mostrarmos a importância da poesia, desde os tempos remotos, e a natureza resolveu fazer coro ao nosso diálogo. A Grande Mãe, dessa vez, bateu de palmatória. E forte. Será que os filhos burrinhos vão entender?

         – Sei não! Logo encontrarão uma explicação pseudo-científica para estas chicotadas, e a advertência passa ao esquecimento. Nem ao Divino Espírito Santo estão ouvindo. De qualquer modo, continuaremos rezando: Veni Creator Spiritus, mentes hominum stultorum visita!

         – Que a poesia continue sua missão de revelar a verdade do Homem ao homem, que se exila de si mesmo e se condena, antecipadamente, ao próprio nada! Homines stulti ubicunque sunt locorum, sed...     

 

 

Página publicada em outubro de 2011

 

 

 

 
 
 
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