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II SIMPÓSIO DE CRÍTICA DE POESIA
Universidade de Brasília -
8, 9,10 novembro de 2010


Mesa 3: Rodrigo Garcia Lopes (palestrante), Sergio Leo (Mediador)
 e Antonio Miranda (palestrante).

 

POESIA CONTEMPORÂNEA:  O LUGAR EDITORIAL

Por Antonio Miranda  


1. Introdução

         Não existe um estudo sistemático, nem quantitativo nem qualitativo, do fenômeno editorial da poesia no Brasil contemporâneo, muito menos que aborde toda a cadeia produtiva do livro desde a sua criação até a distribuição e repercussão nos meios de difusão cultural e educacional,  e das instâncias de crítica e impacto social. O que temos são testemunhos e opiniões esparsas em revistas literárias impressas e eletrônicas, de caráter impressionista embora de grande interesse para a sua compreensão.  Quando nos referimos à "poesia no Brasil contemporâneo" estamos compreendendo  tanto a poesia contemporânea quanto a reedição de autores nacionais e estrangeiros clássicos e consagrados, também as novas produções literárias do gênero poético que entram no mercado editorial e livreiro, ou que circulam de forma alternativa ou até clandestina pelo território nacional, fora de um controle bibliográfico sistêmico.

         Controle bibliográfico é o termo biblioteconômico cunhado pela Unesco em meados do século 20 para designar o esforço de um controle universal de publicações bibliográficas pelos países membros da ONU visando dar a conhecer a produção registrada do conhecimento em forma impressa e/ou por outras mídias de publicação e divulgação e que, àquela época, era ainda majoritariamente impressa sobre papel. O programa da Unesco convocava as bibliotecas nacionais (ou que liderassem o processo de captação, processamento técnico e preservação do patrimônio editorial de cada país) a empreenderem e reavivarem este ideal iluminista  de registrar e divulgar, em nível planetário, um tal  inventário, de forma cooperativa e solidária.

         A base principal deste empreendimento seria a Lei do Depósito Legal que garante a cada nação receber no mínimo dois exemplares dos livros publicados em seu território para a biblioteca nacional e também para bibliotecas estaduais e até municipais dependendo da abrangência da referida lei e de sua forma de captação e guarda do material. No caso do Brasil são dois exemplares que devem ser enviados à Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro pelas editoras compulsoriamente, cabendo instrumentos legais para exigir o seu cumprimento.  Na prática, esse dispositivo incentiva efetivamente o envio de livros à nossa bicentenária instituição mater de nossa bibliografia, mas de forma mais espontânea que obrigatória, por falta de mecanismos de cobrança e acompanhamento da produção, mesmo das grandes editoras. Situação mais grave é a de pequenas editoras municipais, e sobretudo da enorme quantidade de edições particulares e institucionais fora de mercado, principalmente as que nem chegam a requerer o ISBN (que também é um privilégio da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro).

         Houve um tempo em que o IBGE fazia um inventário sistemático das edições de livros, município por município, em cooperação com o Instituto Nacional do Livro (extinto no governo Collor), mas hoje as estatísticas de nossa produção editorial são incompletas.


2. Situação atual da edição e distribuição de livros no Brasil

         O BNDES, em 2004, encomendou um estudo ao Instituto de Economia da UFRJ, e apontou, como os principais obstáculos para sua difusão, a pouca ou inexistente capacidade de aquisição das bibliotecas (que em muitos países chega a representar mais de 20% das compras nas editoras, viabilizando muitas edições)(*1) e a "limitadíssima capacidade de absorção do consumidor individual" (*2), para o que concorrem muitos problemas, dentre os quais se destacam o custo alto de produção, preços elevados de distribuição, a existência de poucas livrarias fora dos grandes centros urbanos. " No país, havia, àquela época (2004)  aproximadamente 3.000 editoras e 15.000 gráficas. No setor de distribuição há aproximadamente 1.500 livrarias, sendo 350 pertencentes a 15 redes." E conclui que “a maior parte dos livros não proporcionará retorno ao editor” e que o mercado está sob o domínio de oligopólios, sobretudo no setor de distribuição.

         Como afirma Lau Siqueira (*1), "A bibliografia acerca da aparente contradição poesia x mercado, praticamente inexiste. As referências, os poucos ensaios e textos disponíveis existem em quantidade insignificante. Portanto, sempre que a relação da poesia com o mercado entra em pauta, temos uma suave sensação de “retomada” de um assunto nunca abordado e uma nova esperança transborda as nossas melhores utopias".  Mas Lau Siqueira é otimista e acredita numa virada, se houver uma estratégia adequada, pois "A poesia, pela sua popularidade, pode ser o foco inicial de uma grande virada do mercado editorial.", voltada para a poesia, tradução e ensaios sobre poesia.

        "Poesia pois é poesia" é o emblemático título de um livro de Décio Pignatari, em que o poeta pergunta e responde ao mesmo tempo. Mas, afinal, quem lê poesia no Brasil?

         Nós já abordamos este assunto em editorial de nosso Portal de Poesia Iberoamericana (*3). Segundo o Instituto Proler, no relatório "Retratos da Leitura no Brasil" (2008)* de uma pesquisa quantitativa encomendada ao Ibope Inteligência, com o objetivo "de diagnosticar e medir o comportamento  leitor da população, especialmente com relação aos livros", quem mais lê poesia no Brasil são os jovens. A primeira grande e animadora conclusão, comparando os dados com a pesquisa anterior de 2000, é que os índices de leitura vêm crescendo entre nós, sobretudo em virtude da universalização do ensino no país, apesar das precariedades de seu nível de desempenho e do fato de a leitura não ser socialmente valorizada no Brasil. No entanto, é surpreendente que nossos compatriotas (55% são mulheres) usem 35% de seu tempo em atividades de leitura, seja por motivos profissionalizantes e de atualização profissional, seja pelo prazer e diversão .

         Vale destacar que a Poesia é o quinto gênero na preferência dos leitores, com 28%, inferior apenas à  leitura da Bíblia, dos Livros Didáticos, do Romance e da Literatura Infantil, embora tais interesses sejam também concomitantes. As mulheres lêem mais Poesia (32%) do que os homens (22%). Mas devemos atentar para o fato que a maior faixa de leitores se situa entre os estudantes de 5a. a 8a. séries (35%) enquanto que o nível mais baixo (21%) corresponde aos de nível superior, o que pode levar a crer que se deve às atividades literárias em sala de aula(**).

         Os dados mais reveladores correspondem aos jovens e adolescentes entre 11 e 17 anos de idade que têm a Poesia como o gênero mais lido, enquanto que o percentual mais baixo (15%) está entre os leitores de 50 a 59, havendo uma ligeira recuperação (30%) dos 60 aos 69 anos. Ou seja, a Poesia é majoritariamente uma atividade dos jovens. Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade foram espontaneamente lembrados entre os sexto e sétimo autores brasileiros mais populares...

         Sérgio Alcides, na revista eletrônica Zunai, discutindo " O que poderia ser feito para ampliar o número de leitores de poesia no Brasil?" (http://www.revistazunai.com/depoimentos_debates/numero_leitores_poesia_Brasil.htm), contrapõe a torrente de edições de poesia no Brasil e a falta de um mercado ativo para seu consumo, seja por problemas de educação, poder aquisitivo ou falta de políticas públicas e empreendorismo empresarial para ganhar os espaços possíveis.  A matéria inclui comentários de especialistas como Linaldo Guedes, Ricardo Coutinho, Lau Siqueira, Ademir Demarchi, Marcelo Montenegro, além de Sérgio Alcides, na tentativa de uma análise do problema e apontar estratégia para reverter a situação.

3.  Espaço editorial e de consumo dos livros de e sobre Poesia

         Ainda existem os desconsolados e os pessimistas... Os que afirmam que não se publica poesia... Falso. As nossas edições são numerosas e são de alta qualidade, superior em quantidade e qualidade de conteúdo e do padrão gráfico ao de outras nações.  Afirmam que não temos editoras. Falso. Aí estão os casos da 7Letras, da AnnaBlume, da Ateliê, da Nephlibata, da Galo Branco, Thesaurus, Nankin, Anome, Escrituras,  da Massao Ohno (cujo pioneiro nos deixou muita saudade...) e tantas outras em diversos estados do país, e até de editoras comerciais como a Global, a Rocco, a Bertrand Brasil, etc, tem suas linhas editoriais exclusivas ou como segmentos específicos, enquanto muitas das boas livrarias têm estantes especiais para a venda desses livros. O fato de que a maioria dos títulos são patrocinados pelos autores não é novidade. Sempre foi assim, no mundo inteiro. Mas há exceções. Uma delas é a Editora Landy, através da coleção Alguidar, coordenada pelo poeta Frederico Barbosa, exemplo raro de editora que assume todos os custos de edição de suas obras em catálogo.

        
"Concebemos a empreitada editorial da Éblis como um gesto político afirmativo da possibilidade de se publicar poesia no Brasil", afirma Ronaldo Machado, um dos empreendedores da Editora Éblis (in http://suplemento.revista.criterio.nom.br/?cat=4) mas existem muitos outros exemplos em estados como o Ceará, Pernambuco, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, entre tantos, que animam a cena editorial brasileira de livros de poesia.

         Também é certo que as editoras universitárias costumam evitar as edições de poesia contemporânea, incluindo a da Universidade de Brasília, por considerar que não existe ainda  um mercado que justifique o investimento, ou por ignorância desse mercado.

         Outro expediente tem sido o das editoras que publicam livros coletivos e individuais (*4) - muitas vezes valendo-se do expediente dos "concursos literários", depois cobrando quotas dos poetas na edição das obras, sem muito ou nenhum critério de seleção, no afã de lucro, embora é justo reconhecer que muitas das iniciativas tiram poetas do anonimato e criam espaços de difusão.  Estão aí os exemplos da editora Tmaisoito, grupo editorial Scortecci, Editora Livre Expressão, Editora Aberta, e tantos outros, além do uso de incentivos fiscais e de fomento cultural de programas de editoração e publicação de livros em muitas cidades brasileiras, como é o caso do FAC da Secretaria de Cultura do Governo do Distrito Federal.  Além de instituições de porte como o Centro Cultural Itaú e o Instituto Moreira Salles, responsáveis por edições de poesia e de crítica de poesia, como exemplos dignos de citação e admiração.

         Mas existem, sem dúvida, problemas nas relações do autores com os editores . Embora a lei do direito autoral estipule 60% do lucro para o autor e 40% para a editora, quando o escritor paga seu livro, é importante ter atenção na hora de assinar um contrato.  "  É obrigação do autor ler corretamente e ver o que será incluído no serviço", orienta Renato Nalini, presidente da Academia Paulista de Letras (*4).

         O volume de vendas de livros pela Internet vem crescendo, e sebos virtuais oferecem livros de poesia em seções específicas, onde alguns autores (entre eles os concretistas e os da poesia marginal dos anos 70) atingem preços elevados, no nível das obras raras. Sítios como a  Estante Virtual, Sebo do Messias, e outros congregam  mais de 2000 sebos por todo o Brasil e têm seções próprias para os interessados em livros de poesia.

         E é tão salutar que os autores vendam suas obras em lançamentos e que façam doações a bibliotecas e aos amigos, e os disponibilizem gratuitamente na web. Melhor do que viver da poesia, é viver com poesia.

 

4. Em busca de soluções

         Heloisa Buarque de Hollanda, que estudou a questão da poesia marginal no Brasil a partir dos anos 70 do século passado, afirma que " ao lado destes diagnósticos pessimistas, o que se vê é uma nova produção quantitativamente significativa, ocupando um espaço razoável na grande imprensa, marcada pelo lançamento de novas revistas especializadas em vários pontos do país e pela proliferação de eventos bastante profissionais para a leitura de poesia, caracterizando, portanto, um “acontecimento cultural” expressivo", a partir dos anos 90.  Chama a atenção para os lançamentos de livros em diversos espaços que animam o mercado do livro de poesia entre nós.  E conclama para uma reflexão sobre o impacto das novas tecnologias digitais na produção e difusão de poesia no presente estadio de evolução de nossa poesia (http://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/?p=623).

         Um outro fator que vem promovendo a leitura e a escritura da Poesia no Brasil é a realização, em escala crescente, de oficinas e grupos de discussão. Assim funciona em outros países, como na Argentina, para citar um exemplo próximo de nós. Poetas e especialistas são convidados a levar sua experiência e métodos de trabalho criativo para um público que experimenta e cria seus próprios poemas. Sejam eles haikais, sonetos, cordel ou, agora, os chamados poemas de 140 toques para o celular. E também aprendem a editar seus poemas textuais ou videopoemas no Youtube ou em blogues pessoais e coletivos. E até exercitam criações coletivas como os poemas visuais e as rengas, graças à participação em redes sociais.

         "O mundo virtual tem cumprido um papel de descompressão de uma grande produção literária"diz  Ronald Augusto, um dos editores da Éblis, em entrevista: Ronald Augusto e Ronaldo Machado conversam sobre a editora Eblis (in
http://suplemento.revista.criterio.nom.br/?cat=4). 

          Alexandre Tambelli apela aos poetas para que comprem livros de poesia para aquecer o mercado... e reclama que as livrarias não colocam os livros de poesia em evidência, ao contrário, estão como-que escondidos em estantes de difícil localização e de difícil manuseio.

         Mas não é leviano afirmar, em conclusão, que é raro o poeta que vive exclusivamente de sua poesia. Poderíamos citar dois ou três, complementando com outras fontes de renda.  Ironicamente, alguns herdeiros é que auferem lucros de pais ou parentes notáveis que deixaram seus direitos autorais ainda fora do domínio público, que no Brasil pode atingir a quase um século de vigência, embora a lei enganosamente afirme ser de 70 anos...

         A cena editorial da poesia no Brasil é, não obstante, animadora. Edições de arte, artesanais e comerciais animam um comércio importante e a tendência é de crescimento, em nichos específicos, apesar do anúncio de que a internet estaria inibindo a edição de livros. Nada garante isso, até agora. A tal paperless society preconizada nos anos 60 pelo cientista da informação Lancaster, não se confirmou. O que parece crescer é o número de edições impressas e de e-books numa competição sem vencedores. Perdão, com a vitoria dos leitores que têm opções que antes eram inimagináveis.

          A gente enxerga o que quer enxergar. É aquela velha figura do copo meio vazio e  meio cheio... Há quem veja o lado vazio, há quem veja o lado cheio...

 

 

NOTAS


(*1) Na China a participação do Estado na aquisição de livros chega a 57%, para distribuição a bibliotecas e estudantes, típico de uma sociedade (ainda) não plenamente capitalista.

 

(*2) SIQUEIRA, Lau.  Poesia contemporânea e mercado editorial.  Revista Eletrônica do Instituto de Humanidades, Vol. IV,  Núm. XIV ,   Junho  -  Agosto 2005.   In:

http://www.unigranrio.br/unidades_acad/ihm/graduacao/letras/revista/numero14/textolau.html

(*3) MIRANDA, Antonio. "Quem lê poesia no Brasil?". In:
http://www.antoniomiranda.com.br/editorial/quem_le_poesia_no_brasil.html

(*4)  Jovem escritor: quer publicar um livro? In:  http://www.universia.com.br/universitario/materia.jsp?materia=16347

"  O mercado é melhor para quem edita, não para quem escreve", explica Scortecci:  
http://www.universia.com.br/universitario/materia.jsp?materia=16347
Ver também:
http://www.sobresites.com/poesia/  e Editora Éblis: http://editoraeblis.blogspot.com
GASPARETTO, Agenor. O livro e seu mercado no país. In:b
http://www.vialitterarum.com.br/cronicas_agenor.htm

 

VEJA MAIS:


GASPARETTO, Agenor. O livro e seu mercado no país. In:b
http://www.vialitterarum.com.br/cronicas_agenor.htm

ONDE estão os novos poetas? Revista Bravo On-line, Editora Abril (url: http://bravonline.abril.com.br/conteudo/assunto/assuntos_348907.shtml)

TAMBELLI, Alexandre.  Por que não vende livros de poesia no Brasil.  In:
http://recantodasletras.uol.com.br/cronicas/1663856

GASPARETTO, Agenor.  O livro e seu mercado no Brasil. Inb
http://www.vialitterarum.com.br/cronicas_agenor.htm

 

 

 
 
 
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