A NOVA POESIA ARGENTINA
Ronaldo Cagiano (*)
País que deu ao mundo uma safra de grandes escritores, entre os quais Jorge Luís Borges, Julio Cortazar, Ernesto Sábato, Horácio Quiroga, Bioy Casares, Juan José Saer, Juan Gelman, Raúl Rivero, Luis Gusmán, Antonio di Benedetto, Silvina Ocampo, Edgardo Cozarinski, Roberto Arlt, Rodolfo Alonso e outros, vê surgir, principalmente em províncias mais distantes da Capital, nomes que vão compondo o painel de uma nova e promissora literatura.
Se determinados autores ainda não caíram devidamente no conhecimento dos leitores, apesar da qualidade de seu trabalho, isto se deve tão-somente ao fato de residirem longe dos grandes centros, distantes do hegemônico o cento econômico-cultural de Buenos Aires, fenômeno semelhante ao que ocorre com os escritores brasileiros que vivem longe do monopolista eixo Rio-São Paulo. Suas obras, inegavelmente, competem em igualdade de condições, com a mesma qualidade de autores que vivem na capital portenha, e que, por razões lógicas de mercado e mídia, publicam pelas grandes editoras e são resenhados nos principais jornais, portanto mais visíveis da crítica.
Em duas ocasiões, tive a oportunidade conhecer na província de Catamarca, distante quase 1300 Km a noroeste da capital, alguns poetas e ficcionistas, entre os quais Arturo Herrera, Claudio Sesín, Cesar Augusto Vera Ance e Alejandro Acosta, cujas obras não só impressionaram-me, como também confirmaram a prospecção de uma pujante literatura, com trabalhos de variado matiz. Desde inflexões líricas à reflexão existencial, à crítica política e social, o ofício desses autores está sintonizado com as emergências estéticas da arte, as questões éticas e as demandas culturais de seu país. A poesia dos jovens autores Arturo Herrera e Claudio Sesín caudatárias dessas preocupações, exemplificam o universo da produção literária atual, oferecendo uma arte poética do mais alto padrão.
Em “Dones de la vigília”, obra premiada pela Secretaria de Cultura de Catamarca, Herrera traz-nos, além de um viés lírico, uma dimensão filosófica e dialética, fruto de sua aguda percepção crítica. Professor de literatura e latim na universidade local, há em sua confecção literária um diálogo profundo entre a poesia, a história e a filosofia, fruto de suas influências e de uma sólida formação humanista e lingüística. No poema “Casa sola”, reflete sobre o lirismo e da solidão da vida doméstica: “Siesta./ Todas las voces están ausentes./ La casa es un hueco grande./ En el pátio,/ el tiempo pasa como um canto tímido de pájaros./ Uniforme es el polvo de los muebles./ Em la penumbra, el olmo de los libros./ Voces difusas, imágenes lejanas;/ la soledad es tan amplia.../ crece y me oprime.,/ cresce y me desplaza./ El pensamiento me suspende com alas de ensueño.”
No artesanato poético de Claudio Sesín, depara-se com uma escritura que transita entre o estranhamento e o onírico, tendo a barbárie (social, política, econômica e humana) uma espécie de metaforização da própria condição humana. Sesín denúncia, eu seu livro “La Barbárie”, os eternos conflitos quotidianos da civilização moderna, que experimenta suas dicotomias. Em versos candentes, verdadeira catarse dos dilemas vigentes, explícito no canto XVII, temos um grito submerso e hemorrágico: “Pena y más pena/ sobre la inmensidad de los desiertos,/ sobre el desierto de los muertos,/ sobre los vivos/ que ha partir de entonces habitan el desierto./ Pena y más pena, y una sola lágrima./ El oro de la nada envenena los árboles/ con ecos del infierno meditado./ Las farsas adquirieron transparencias siniestras/ y la rabia nació, como el amor más puro,/ salvaje y fiera./ Quien quiera puede verla/ montar el viento norte por las tardes.”
Arturo Herrera e Claudio Sesín reverberam a força da nova poesia argentina, que brota na longínqua, mas profícua Catamarca, feito um facho de luz que clareia os ermos territórios da alma e nos aponta um caminho seguro. Eis uma arte engajada, com suas vozes a dissecar a realidade, com seu sopro humanista, seu farol e suas lições.
(*) Escritor, reside em São Paulo.
Página publicada em junho de 2011.
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