GONÇALVES DIAS NA CONTRAMÃO
MARQUES, Wilton José. Gonçalves Dias, o poeta na contramão ( Literatura & Escravidão no Romantismo Brasileiro ). São Carlos, SP: EduFSCar, 2010. 279 p. ISBN 978-85-7600-174-4
Resenha, por Antonio Miranda
Antônio Gonçalves Dias (1823-1864) é o poeta romântico que consagrou o indianismo em nossa poesia. Não é o poeta do abolicionismo, coroa que corresponde ao outro Antonio: Castro Alves (1847-1871). Mas é atribuído ao poeta maranhense ter sido o primeiro a dar o grito contra a escravidão, numa época em que havia um acordo silencioso que tirava este tema de pauta na produção literária brasileira. Wilton José Marques estranha que pouco foi estudado sobre o pioneirismo de Gonçalves Dias na denúncia da escravidão e também porque a sua narrativa "Meditação" (obra inconclusa, publicada na imprensa da época à moda dos folhetins) nunca mereceu um estudo aprofundado, como prova, que desvendasse sua valia na confirmação da tese.
O livro de Wilton José Marques é, pois, uma enorme contribuição para o estudo da biografia do maior poeta brasileiro do século XIX, ampliando a visão de sua temática e política. Mesmo sendo um beneficiário do sistema escravocrata, na condição de funcionário público, não deixou de expressar livremente sua opinião sobre o tema, quando seus colegas estariam pactuando, segundo a norma vigente das relações de favor, numa espécie de pacto com as oligarquias no poder.
"Gonçalves Dias, o poeta na contramão" não é uma pesquisa sobre a poesia do autor de "Os timbiras" (1857) e "I-Juca-Pirama" (1851) mas inclui um breve e elucidativo texto sobre "A polêmica d´A Confederação dos Tamaios" (1856) [p. 53-56), de Gonçalves de Magalhães. No Segundo Império, a obra estava sendo cunhada como o "definitivo" poema nacional, com a simpatia do Imperador Pedro II. O escritor José de Alencar refutou veementemente tal assertiva, gerando a supra-citada polêmica. O Imperador enviou à Europa um exemplar, onde residia Gonçalves Dias como pesquisador a soldo do governo, para ouvir-lhe uma opinião... A resposta foi cuidadosa, mas sem evasão: "Achei a versificação frouxa, de quando em quando imagens pouco felizes, a linguagem por vezes menos graves, menos própria de tal gênero de composições, e o que entre esses não é para mim menor defeito, o tamoio não tem muito de real nem de ideal". Para bom entendedor... Wilton argumenta que José de Alencar havia feito a apologia da poesia de Gonçalves Dias e o autor aspiraria ao reconhecimento de "autêntico" poeta de seu tempo... E justifica Wilton sua suposição: "a crítica de Gonçalves Dias revela não somente mais um indício de sua "independência crítica" em relação ao Imperador como também, ao mesmo tempo, indica o desejo de ser, ele próprio, o reconhecido como o principal poeta nacional, tanto que, nessa mesma carta, além de informar que Alexandre Herculano não gostou do poema de Magalhães, "mandando-me que matasse ao meu colega", o poeta afirma que o reencontro como vate luso o inspirou a finalizar o seu poema épico: "Estou com mais medo, mas também com mais vontade de o [Os Timbiras] acabar"".
Wilton José Marques, ao longo do estudo, ressalta que Domingos José Gonçalves de Magalhães, introdutor do romantismo no Brasil, em "Suspiros poéticos e saudades" (1836) já fazia uma denúncia da situação do negro ("Quantas vezes do mísero Africano/ Te regaram as lágrimas saudosas").
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