A SÉTIMA PARTITURA POÉTICA DE
JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO
O poeta José Inácio Vieira de Melo está com um novo livro. Trata-se do emblemático Sete. A obra, que acaba de ser publicada pela editora 7Letras, está dividida em sete capítulos, que, por sua vez, estão divididos em sete segmentos. Como se não bastasse a cabalística do sétimo trabalho de JIVM em torno do número sete, o livro tem ainda três capas diferentes, assinadas pela artista plástica pernambucana Hallina Beltrão, e conta com apresentação do escritor e dramaturgo Ronaldo Correia de Brito, do poeta e compositor Salgado Maranhão e de Thiago de Mello, poeta amazonense que afirma ser José Inácio Vieira de Melo “uma voz que vem atravessar o tempo, cantando no caminho da Poesia brasileira”. Dando continuidade à mística em torno do “7”, esta entrevista foi feita por sete escritores e compositores brasileiros, que indagam JIVM sobre sertão e Sertão, poesia e literatura, misticismo e erotismo, influências e processo de criação.
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Rubens Jardim – Sua trajetória poética já mostrou que você é irrequieto e está em permanente romaria. Nesse processo de travessia, seus poemas já se defrontaram com “leopardos sertânicos”, com “o sapateiro celeste”, com “a sombra das algarobeiras”, com “o galope do centauro”, com “legiões de vaqueiros”, com “fantasmas de barro” e um infindável número de imagens e passagens desconcertantes, originais e inaugurantes. No livro A infância do centauro, você confessa que a sua metafísica é “galopar na infância”. Tudo sob o signo da Pedra Só, “chã que se abre ao cavaleiro deslumbrado”. Neste novo livro, Sete, dividido em sete partes, você parece manter-se absolutamente fiel ao universo de origem, à terra onde nasceu e foi criado. Na primeira parte, “O pianista selvagem”, seus pianos pelejam, mugem sonatas, você agarra a sétima partitura, espalha a seiva do som e deixa ‘”sete cavalos tocando sete pianos alazões”. Claro que tudo isso faz parte da sua intimidade com o mundo rural e ao sentimento manifesto de “ser possuído pela estrada”. Por isso, minha pergunta associa você ao Guimarães Rosa: Lá dentro você também carrega um Sertão? O que acha da ideia da poeta Dora Ferreira da Silva de que poesia não é literatura, é uma outra coisa, pois o poema só acontece com você dentro dele?
José Inácio Vieira de Melo – Eu vivo no mundo e transito por ele como qualquer outra pessoa. Mas, como todo ser, tenho peculiaridades, idiossincrasias, vontades e preferências. E o mundo, para mim, precisa ser vasto, aberto, imenso, verde. De dia tem que ter Sol, para esquentar o quengo, para tostar a pele, para me fazer delirar, para fazer o lajedo virar tacho de assar calango. E, à noite, tem que ter Lua, com um ‘L’ bem maiúsculo! Lua de prata! Lua laranja! Lua dente de alho, Lua sorriso, Lua parêntese abrindo, Lua parêntese fechando. Ou então, uma roça de estrelas bem farta, um reluzente latifúndio sem fim. Não gosto de formigueiro de gente, não gosto de colmeia de motocicletas, não gosto de manadas de carros. Estas coisas me deixam agoniado. Na literatura, nas escolhas temáticas e estéticas, sinto-me aparentado de João Guimarães Rosa, Jorge de Lima, Gerardo Mello Mourão, João Cabral de Melo Neto, Ariano Suassuna. E sou mesmo da família de Elomar Figueira Mello, Patativa do Assaré, Ronaldo Correia de Brito e Salgado Maranhão, pelo menos é assim que me sinto. O Elomar, gênio da nossa música, fala de um Sertão profundo, que não existe geograficamente, uma vez que é idealizado e projeta o espírito de quem o cria e o sente. Para todo lugar que olho, só enxergo o Sertão! Em entrevista que dei ao escritor Maurício Melo Junior, no saudoso programa Leituras, falei da minha experiência de ter vivido na cidade grande, do desconforto que sempre sentia ao olhar para os quatro cantos e só enxergar concreto. Nessas situações, fechava os olhos e me deparava logo com o Sertão, porque é algo que está dentro de mim, bem enraizado. Só consigo alçar voo para a existência se tiver, como referência e apoio, um ponto da Natureza, um sítio no Sertão, de onde possa impulsionar o meu ser e sair por aí, descobrindo coisas e inventado outras.
Dora Ferreira da Silva é uma poeta da minha admiração. Gosto muito da sua obra poética, desde suas Andanças iniciais, passando pelos Retratos da origem, até chegar aos Poemas em Fuga. De fato, “o poema só acontece com você dentro dele”, e não poderia ser diferente. E esta assertiva não se aplica apenas ao criador, ao poeta propriamente dito, mas a qualquer pessoa que se aproxime do texto dito poético. A magia da poesia só se realiza se o leitor desembaçar o vitral da sua emoção e caminhar em direção ao Cosmo do poema, até se perder – ou se encontrar – dentro dele. Quanto a questão da poesia ser literatura ou não, isso não me desperta o interesse. Acredito, na verdade, que a poesia é literatura e é, também, outra coisa. A princípio, a poesia, no sentido mais amplo, pode ser toda e qualquer coisa.
Cineas Santos – Murilo Mendes afirmava que a poesia, como o vento, sopra onde quer. Você acredita nisso?
JIVM – Eu só acredito nisso. A Poesia é uma musa exigente e extremada. Aparece sem avisar. E se você não largar tudo para segui-la, ela desparece num átimo. E não adianta implorar a Deus e aos deuses para que ela retorne, pois isso só ocorrerá quando ela bem quiser e entender. Há por aí, neste momento, nas grandes urbes ou em reclusos conventos, doutores e monges debruçados nas telas dos computadores ou tangendo suas liras em nome da Poesia. E, na maioria destes casos, ela está bem longe dos abnegados pretendentes. É bem mais provável que esteja em outra paragem, escancarando a porta de algum desacreditado e se desnudando para ele (pode surgir justamente no momento em que seu escolhido escova os dentes). A poesia é uma serpente cujo veneno é a hóstia que ressuscita a beleza nas gentes.
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Livia Natália – Escrever é “uma revolta por dentro,/ um espetáculo trágico,/ um grande acontecimento”. Esta sua definição é uma das mais belas formas de dizer deste nosso ingrato ofício que já vi. Mas escrever é também “tatuar epifanias”, em sendo um acontecimento, mesmo que grande, escreve-se contra o tempo, contra o esquecimento, uma vez que o acontecimento carrega em si o imperioso esgarçamento do seu lugar, do seu existir: o acontecimento cessa. Clarice Lispector disse que quando não escrevia, estava morta. Quintana disse que os poemas são como pássaros, que pousam no livro que lemos. Guimarães Rosa nos ensinou que o papel é fiel, Cabral e Drummond nos disseram da impossibilidade de escrever e, finalmente, Orides Fontela afirma: “toda palavra é crueldade”. Cabe-me agora, como poeta provocada, provocar o poeta: com e contra o que você escreve? Pensando ser este um livro especial, o sétimo, que ratifica a grandiloquência de sua poesia, pergunto também: Há na sua escrita o medo de que, “um dia, ao acordar, o espelho vai dizer que não te conhece”?
JIVM – O grande acontecimento marca. É uma tatuagem que se desdobra no Tempo e pelos tempos. O grande acontecimento pode ter um motivo nacional, pode ser um fenômeno planetário, pode ser o surgimento de supernovas, que estão muito além da nossa frágil condição de meros animais efêmeros. Mas pode ser, também, o pairar do bem-te-vi, tão aguardado pelas lentes de Ricardo Prado, nos lajedos da Pedra Só. O grande acontecimento, para mim, é quando a Lua Cheia começa a aparecer atrás da serra do Alagadiço de Cinzas, por volta das cinco horas da tarde, e traz para a minha varanda o poeta Garcia Lorca, para dizer, no seu idioma gitano, o cancioneiro que me transporta para além dos acontecimentos e de todas as minhas limitações – eis uma epifania tatuada em mim e no Cosmo.
Eu escrevo com meu ser, com cada partícula, cada célula, cada átomo que compõe essa estrutura mutante que, aos limites dos olhos humanos, adquire a conformação de uma criatura que consegue se expressar. Então, busco atingir o máximo grau de expressão através da minha escritura. Mas isso não me basta, preciso gritar os meus versos para a imensidão. É por isso que os guardo na memória, para que possa entoá-los às pessoas e às estrelas. Busco sempre escrever em harmonia com a melodia dos ventos. Não tenho vontade de escrever contra, mas estou sempre a me guarnecer das inúmeras pedradas que vêm de todas as direções. Como diria o poeta Francisco Carvalho, “ser poeta e ter o corpo marcado pelo vitiligo”. E eu sinto o estigma dessas tatuagens.
Quando cheguei à Bahia, em 1988, aos 20 anos de idade, fui morar na fazenda Cerca de Pedra. Vivia praticamente sozinho e isolado da civilização. Morava em um lugar que não tinha luz elétrica nem água encanada nem automóveis. Morava sozinho em uma velha casa da fazenda. Nos primeiros meses, quando chegava a noite, eu sentia medo. E esse medo foi se intensificando. E eu passei a sentir muito medo, mas tanto medo, que chegou a um ponto que não tinha como ter mais medo. Então, fui me acostumando com o medo. E o Medo, que cresceu tanto, passou a ser meu companheiro. Sempre estava ali, nos arrepios, ao contemplar as estrelas e sentir o pasmo da existência, na coisa mínima que é o ser diante do Cosmo. Como é bom saber dominar o medo e tê-lo como aliado!
Eu ia me esquecendo do esquecimento. Mas vamos lá! O espelho todo santo dia diz para mim: “Quem é você?” E na sua própria moldura vão surgindo os contornos atualizados de um eu que se reinventa e que se impulsiona para o futuro, sonhando com o infinito, mas que, ao caminhar, se aproxima, cada vez mais, do ponto final, do esquecimento. Para mim, esse processo é a coisa mais natural. Por isso, uso artifícios, por isso, fiz da arte meu ofício e compreendo que dentro do esquecimento talvez esteja guardada a melhor lembrança.
Thiago Amud – Zé Inácio, em Sete, a mística e o erotismo estão geminados. Uma ânsia pelo Sagrado e pelo Feminino faz com que seus “cavalos de vento”, logo de saída, lambam as vulvas das loucas e inaugurem evangelhos. Estará certo o leitor que supuser que a união desses dois elementos é a força motriz de sua poesia e, especificamente, de Sete?
JIVM – Outro dia, uma parenta minha fez um comentário me alertando que eu falava muito da carne, dos desejos corporais, em detrimento das coisas sagradas. E mais, aconselhou-me a escrever um livro que falasse da alma, pois certamente eu faria muito sucesso. O impacto que tive, logo de cara, foi que a minha poesia não havia alcançado aquela leitora, pois em toda minha produção, não tenho feito outra coisa que não seja louvar o Sagrado. E o Sagrado, para mim, é indissociável do Erótico – a energia cósmica fertilizadora que vive a parir astros que brilham muito além da minha condição precária de ser humano. Mas, como me ensinou o Zé Ramalho, “O pensamento se consome aonde a estrela não vai”. Então, dentro da complexidade energética geradora do meu ser, saio por aí inventando mundos e dando evasão às forças que regem o meu sentimento. Deixo-me levar pelos meus instintos e pelos meus desejos até certo ponto, porque não me causa regozijo nem êxtase ver meu próximo padecer por conta de uma vontade minha. Mas não me prendo a dogmas nem a tabus para realizar a minha escritura que está intrinsecamente ligada à minha caminhada. “Eu não sei sequer o caminho”, mas saio por aí buscando, inventando, com meu corpo, com meu ser, tentando, ao máximo, viver bem, sentir alegrias, sentir prazer, apesar de toda a angústia que a existência, como um todo, desperta na criatura que para e pensa. O que tenho é o corpo e a consciência, e me pergunto: “Mas está Deus, onde pode,/ senão no Cosmo e no corpo?”. O grande sucesso, para mim, minha prima, meus amigos, é estar vivo e com saúde. A força motriz do Sete – e de toda minha poesia – é a vida com todas as suas possibilidades. “A virgem universal do reino do sétimo filho” é a mulher, é minha mãe, é Nossa Senhora, é Iemanjá, é a Terra, é o Cosmo. Eu sou apenas o Cavalo que inventa concertos enquanto galopa.
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Joãozinho Gomes – Vejo a sua poesia cruzando um Sertão infinito, feito a égua encantada – absolutamente indomável – de um cavaleiro errante, divino e perenal, rumo ao longe; que para mim, "é um lugar que não existe". Em qual tempo e em qual espaço a sua poesia galopassa, agora SETE vezes mais irrequieta e decidida a percorrer seus Sete Cosmos por toda a eternidade... me diga?
JIVM – Já faz tempo que eu tenho açoitado a égua Poesia pela imensidão dos lugares que não existem, buscando alargar a fronteira do pensamento para expandir a minha paisagem estética. Ao contrário do que se espera de um poeta que se aproxima do cinquentenário de nascimento, quando a vida já lhe confere uma suposta experiência e os ânimos começam a se arrefecerem, o que tem acontecido comigo é a multiplicação da inquietude. Sinto-me, cada vez mais, tomado por uma inquietação que tem me afastado muito das coisas ordinárias e me aproximado do mundo imaginário, fazendo com que o perscrute de todas as formas que alcanço, o que tem me levado a descobrir, conhecer e inventar situações e regiões inusitadas, para mim. Quando penso nas cifras de tempo que tem o Universo, dou risada da minha condição, que é a condição humana. E acho completamente sem graça, essa luta desesperada por poder, que se tornou sistemática e que tem condicionado as pessoas, desde o nascedouro, em detrimento da conquista da expansão do sentimento, que é o que me interessa, realmente. De fato, Joãozinho Gomes, meu galope passa, que nem a tua flecha de índio cósmico, inventando um ritmo que se distingue, ao tempo que é uma individualidade, aos olhares mais agudos, mas que busca, de alguma forma, assentar-se numa planície e ser apenas parte de uma paisagem de encantamento, como penso ser esse também o alvo da tua flecha. Mas, curiosamente, o galope permanece num contínuo movimento que se eterniza no Tempo e pelos tempos, como tua flecha que passa agora, e continua, a cada instante, a passar, ad infinitum... Em verdade, estou perdido no tempo/espaço onde tudo se confunde. Tento apenas arrumar a casa, como nos ensina o poeta menor/enorme Manuel Bandeira. Casa que é nave e é asa para o voo rápido e curto que é a vida.
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Jandira Zanchi – As três primeiras partes de Sete trazem, imersos nessa tua poesia tão fecunda e intensa, alguns conceitos que procuram explicá-la. Um dos mais interessantes é a correlação da imagem da virgem com a morte. Ocorreu-me que, de fato, a morte deve ter sido a principal impulsionadora, na mente da humanidade, da surpreendente ideia de virgindade, visto que em um mundo natural o sexo é parte do humano e da vida (parte importante, aliás). Então, seguindo essa linha de pensamento, a virgindade é um preparo da morte, da inevitável decomposição física e psíquica dos seres, pois os que vivem nesse estado fazem cessar um pouco da vida em si. Na tua cosmogonia a virgem é a sétima irmã, traz no ventre os grandes patriarcas e incendeia os fogos, transmutando-os em cores, em jogos. Você acredita que essa aparição da virgem é condição para a construção do paraíso ou, antes, que é a condição e a restrição da poesia – a quem caberia carregar a chama do prazer e do instinto – em sua constante imersão dionisíaca?
JIVM – Quão necessário e vital são o acasalamento, a reprodução, o amor! Quem vive ligado à Natureza e observa desde um pé de palma até uma algarobeira, desde a seriema até a vaca, pode sentir esses mistérios com mais intensidade, desde que dê uma real importância para essas “pequenas coisas”. É impressionante como tudo tem uma ânsia absurda por viver! Basta cair os primeiros pingos de chuva no Sertão que a terra começa a fervilhar de vidas, começa a brotar tudo que é tipo de mato, de capim, tudo que é tipo de criatura começa a surgir da mãe Terra. Se, durante o dia, os pássaros fazem seu concerto e os cavalos galopam desembestados, como se estivessem tocando o “Frevo mulher”, no carnaval de Olinda; à noite, os sapos, grilos e rãs executam a mais profunda sinfonia – e como essa orquestra da Natureza me remete à “Nona Sinfonia” de Beethoven! Mas todo esse turbilhão de vidas, obedece a um curto ciclo de existência, que culmina, inevitavelmente, com a morte. Nem os milenares baobás escapam dessa fatalidade.
No poema em questão, “A virgem universal do reino do sétimo filho”, a morte da qual se fala não é a natural. É aquela imposta pelo crime, seja por alguém que vem diretamente e tira a vida do outro, com um tiro ou com uma facada, seja por aqueles que, através de suas ações determinantes, de ‘políticas sociais’, acabam causando a morte de centenas, milhares e até de milhões de vidas. Repare que não falo apenas da vida humana. O nosso planeta tem uma biodiversidade extraordinária. A virgem aparece como o contraponto desse mal, o oposto. Louvar a virgem é respeitar as forças da Natureza e apostar na beleza da vida, que culmina com uma passagem natural para alguma dimensão, nem que seja para se tornar adubo de uma flor silvestre.
Como você enfatiza na sua pergunta, “em um mundo natural o sexo é parte do humano e da vida”, e é nisso que acredito. Por isso mesmo, a virgem do meu poema é vestida e revestida de fertilidade, é dionisíaca. Num sentido mais amplo e, provavelmente, de uma maneira até ingênua, a virgem do meu poema tenta representar a pureza de sentimento, mas em nenhum momento se afasta do prazer, da alegria, da busca da conquista de ser uma estrela. Não havia parado para pensar nisso, mas a virgem do poema pode ser o próprio poeta, o louco de Deus que carrega o fogo sagrado do prazer para tatuar sua luz nas gentes.
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Antonio Miranda – Já escrevi um texto sobre a leitura de um de seus recentes poemas do livro Sete expressando a impressão e admiração por seus textos. Minha pergunta está dirigida à sua forma de inscrição, que entendo estar na dimensão que alguns teóricos dizem ser somática, ou seja, "a presença efetiva, o engajamento, a energia e a sensibilidade do corpo para a produção de signos", como afirma Pierre Lévy. Mas ele adverte que o registro é sempre único, embora ligado às tradições ou linhagens (vale dizer, aos estilos adotados pelo autor, ou seja, suas preferências estéticas). No seu caso, quais as influências de escolas literárias, de autores de sua preferência sobre a sua arquitextura e onde você encontra a sua originalidade, sua marca pessoal? Como afirma o mesmo Lévy, "Segundo a circunstância e o ajuste de suas intenções, o produtor da mensagem somática modula, adapta, faz variar continuamente o fluxo de signos do qual ele é a fonte." Lévy não é um crítico literário, é um estudioso da criação no campo da Comunicação... Em resumo, como você cria e formula seus poemas?
JIVM – Não tenho um processo de criação específico, rígido, rigoroso. Na maioria das vezes, a minha poesia surge do acaso, de um estalo, de um insight. Já aconteceu de estar na cancela do curral, lá na Pedra Só, contando o gado que saia para o campo, e de repente chegar um verso e logo em seguida outro. E eu larguei tudo e disparei meu cavalo para a casa, pois precisava anotar aquilo urgentemente, antes que a Musa fosse embora. Os vaqueiros ficaram sem entender nada! É por isso que hoje não me aparto do meu gravador. Quando a poesia chega, saco o gravador do bolso e pronto! Gosto de escrever deitado em uma rede, numa velha agenda com capa de couro, que troco o miolo uma vez por ano. Mas, ultimamente, de uns dois anos para cá, tenho feito boa parte de meus poemas enquanto cavalgo. O cavalo correndo e, dentro daquele ritmo, vou inventado meus versos. É por isso que o Sete tem um ritmo galopante.
Gostei do conceito de inscrição somática, do qual fala Pierre Lévy, teórico que estudei um pouco na Facom (Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia). De fato, quando estou envolvido na criação de um poema, ou mesmo depois, quando já tenho um conjunto de poemas e começo a pensar na estrutura do livro, sinto-me completamente empenhado em encontrar soluções para realizar a obra. O livro, para mim, não é apenas um amontoado de poemas que eu possa entregar à editora e cruze os braços e fique aguardando tranquilamente pelo resultado. Interfiro na criação de meus livros até o momento de entregar à gráfica. Penso cada etapa. Escolho o ilustrador, buscando sempre um artista cujo traço esteja de acordo com a minha proposta. Mas percebo também que, a partir de Roseiral (2010), meus livros passaram a ter uma certa uniformidade enquanto objetos. Na verdade, sempre pensei o livro não como um mero suporte para os poemas, mas como um objeto de arte que interage com seu conteúdo.
Ultimamente, tenho preferido autores cujas obras me causem uma certa estranheza, pelo simples fato de despertarem uma inquietação estética em mim. Como já disse, ao responder a primeira pergunta desta entrevista, sinto-me membro de uma certa família de poetas, por conta das afinidades temáticas e estéticas, mesmo que junte à ‘minha família’ poetas díspares como João Cabral de Melo Neto e Jorge de Lima, ou mesmo Gerardo Mello Mourão e Herberto Helder. Estão na minha árvore genealógica os poetas românticos e os árcades, com a mesma intensidade que estão os cantores nordestinos que surgiram no início da década de 1970. Refiro-me aos cearenses Fagner, Ednardo e Belchior, aos pernambucanos Alceu Valença e Geraldo Azevedo, ao paraibano Zé Ramalho e ao alagoano Djavan, meu conterrâneo. A música é tão importante para a minha criação quanto a literatura. Então, João Guimarães Rosa e Elomar Figueira Mello estão no mesmo panteon, assim como Luiz Gonzaga e Luiz Vaz de Camões, Maria Bethânia e Cecília Meireles, Joaquín Rodrigo e Federico García Lorca, Paco de Lucia e Gabriel García Márquez, Beethoven e Cervantes, Ígor Stravinski e Sierguéi Iessiênin, Patricia Bastos e Mariana Ianelli, Led Zeppelin e Salgado Maranhão. Destas referências e, sobretudo, da vida, manancial inesgotável, é que surge a minha identidade poética, a minha marca pessoal.
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Rubens Jardim é poeta e jornalista paulista. Nasceu na cidade de São Paulo (SP). Foi redator chefe Gazeta da Lapa e trabalhou no Diário Popular, Editora Abril e Gazeta Mercantil. Participou de várias antologias e é autor de três livros de poemas: Ultimatum (1966), Espelho riscado (1978) e Cantares da paixão (2008).
Cineas Santos é poeta, professor, editor e produtor cultural . Nasceu em Campo Formoso, Sertão do Caracol (PI). Vive em Teresina desde 1965. É diretor da Oficina da Palavra e coordenador do Projeto A Cara Alegre do Piauí. Escreveu, entre outros, Pétalas (poemas), Ciranda desafinada (infantil), Cacos de mim (crônicas) e A matriarca dos loucos (biografia).
Livia Natália é poeta e professora. Nasceu em Salvador (BA). É Doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal da Bahia e ensina Teoria da Literatura na mesma instituição. Seu livro de estreia, Água Negra, foi o vencedor do Projeto de Arte e Cultura do Banco Capital, ano X.
Thiago Amud é cantor, compositor, arranjador e violinista. Nasceu na cidade do Rio de Janeiro (RJ). Gravou os cds Sacradança (2010) e De ponta a ponta tudo é praia palma (2013), disco que chamou a atenção de parte significativa da crítica e entrou na lista dos 10 melhores álbuns de 2013 do jornal O Globo.
Joãozinho Gomes é poeta e compositor. Nasceu na cidade de Belém do Pará. Mora em Macapá (AP) desde 1991. É integrante do Grupo Senzalas, com o qual gravou o cd Tambores do meio do mundo. Em 2009, gravou o cd Amazônica Elegância, em parceria com o cantor e compositor Enrico Di Miceli. Em 2013, publicou A flecha passa e poemas diversos, seu livro de estreia na poesia.
Jandira Zanchi é poeta e professora. Reside na cidade de Curitiba (PR), onde nasceu. Licenciada em Matemática pela Universidade Federal do Paraná, profissional de magistério em faculdades, colégios e cursos por mais de 30 anos. Publicou os livros Balão de ensaio (2007), A Janela dos ventos (2012) e Gume da gueixa (2013). É colunista da revista virtual Letras et cetera e blogueira consumada.
Antonio Miranda é poeta, professor emérito da Universidade de Brasília e atual diretor da Biblioteca Nacional de Brasília. Nasceu em Bacabal (MA). Reside em Brasília (DF). É Autor de mais de 50 livros de e sobre poesia, romance, crônica e conto, além de obras científicas na área de Comunicação e Ciência da Informação. Mantém na internet desde 2003 o repositório de poesia brasileira (em diversas línguas) e ibero-americana, além da africana de língua portuguesa: www.antoniomiranda.com.br
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