| A SÉTIMA PARTITURA POÉTICA DE 
 JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO
     O  poeta José Inácio Vieira de Melo está com um novo livro. Trata-se do  emblemático Sete. A obra, que acaba de ser publicada pela editora 7Letras, está  dividida em sete capítulos, que, por sua vez, estão divididos em sete  segmentos. Como se não bastasse a cabalística do sétimo trabalho de JIVM em  torno do número sete, o livro tem ainda três capas diferentes, assinadas pela  artista plástica pernambucana Hallina Beltrão, e conta com apresentação do  escritor e dramaturgo Ronaldo Correia de Brito, do poeta e compositor Salgado  Maranhão e de Thiago de Mello, poeta amazonense que afirma ser José Inácio  Vieira de Melo “uma voz que vem atravessar o tempo, cantando no caminho da  Poesia brasileira”. Dando continuidade à mística em torno do “7”, esta  entrevista foi feita por sete escritores e compositores brasileiros, que  indagam  JIVM sobre sertão e Sertão,  poesia e literatura, misticismo e erotismo, influências e processo de criação.  
 
 
                    
                      | .jpg) |    Rubens  Jardim – Sua trajetória poética já mostrou que você é irrequieto e está em  permanente romaria. Nesse processo de travessia, seus poemas já se defrontaram  com “leopardos sertânicos”, com “o sapateiro celeste”, com “a sombra das  algarobeiras”, com “o galope do centauro”, com “legiões de vaqueiros”, com  “fantasmas de barro” e um infindável número de imagens e passagens  desconcertantes, originais e inaugurantes. No livro A infância do centauro,  você confessa que a sua metafísica é “galopar na infância”. Tudo sob o signo da  Pedra Só, “chã que se abre ao cavaleiro deslumbrado”. Neste novo livro, Sete,  dividido em sete partes, você parece manter-se absolutamente fiel ao universo  de origem, à terra onde nasceu e foi criado. Na primeira parte, “O pianista  selvagem”, seus pianos pelejam, mugem sonatas, você agarra a sétima partitura, espalha  a seiva do som e deixa ‘”sete cavalos tocando sete pianos alazões”. Claro que  tudo isso faz parte da sua intimidade com o mundo rural e ao sentimento  manifesto de “ser possuído pela estrada”. Por isso, minha pergunta associa você  ao Guimarães Rosa: Lá dentro você também carrega um Sertão? O que acha da ideia  da poeta Dora Ferreira da Silva de que poesia não é literatura, é uma outra  coisa, pois o poema só acontece com você dentro dele?   José  Inácio Vieira de Melo – Eu vivo no mundo e transito por ele como qualquer outra  pessoa. Mas, como todo ser, tenho peculiaridades, idiossincrasias, vontades e  preferências. E o mundo, para mim, precisa ser vasto, aberto, imenso, verde. De  dia tem que ter Sol, para esquentar o quengo, para tostar a pele, para me fazer  delirar, para fazer o lajedo virar tacho de assar calango. E, à noite, tem que  ter Lua, com um ‘L’ bem maiúsculo! Lua de prata! Lua laranja! Lua dente de  alho, Lua sorriso, Lua parêntese abrindo, Lua parêntese fechando. Ou então, uma  roça de estrelas bem farta, um reluzente latifúndio sem fim. Não gosto de  formigueiro de gente, não gosto de colmeia de motocicletas, não gosto de  manadas de carros. Estas coisas me deixam agoniado. Na literatura, nas escolhas  temáticas e estéticas, sinto-me aparentado de João Guimarães Rosa, Jorge de  Lima, Gerardo Mello Mourão, João Cabral de Melo Neto, Ariano Suassuna. E sou  mesmo da família de Elomar Figueira Mello, Patativa do Assaré, Ronaldo Correia  de Brito e Salgado Maranhão, pelo menos é assim que me sinto. O Elomar, gênio  da nossa música, fala de um Sertão profundo, que não existe geograficamente,  uma vez que é idealizado e projeta o espírito de quem o cria e o sente. Para  todo lugar que olho, só enxergo o Sertão! Em entrevista que dei ao escritor  Maurício Melo Junior, no saudoso programa Leituras, falei da minha experiência  de ter vivido na cidade grande, do desconforto que sempre sentia ao olhar para  os quatro cantos e só enxergar concreto. Nessas situações, fechava os olhos e  me deparava logo com o Sertão, porque é algo que está dentro de mim, bem  enraizado. Só consigo alçar voo para a existência se tiver, como referência e  apoio, um ponto da Natureza, um sítio no Sertão, de onde possa impulsionar o  meu ser e sair por aí, descobrindo coisas e inventado outras.
 
           Dora Ferreira da Silva é uma poeta da  minha admiração. Gosto muito da sua obra poética, desde suas Andanças iniciais,  passando pelos Retratos da origem, até chegar aos Poemas em Fuga. De fato, “o  poema só acontece com você dentro dele”, e não poderia ser diferente. E esta  assertiva não se aplica apenas ao criador, ao poeta propriamente dito, mas a  qualquer pessoa que se aproxime do texto dito poético. A magia da poesia só se  realiza se o leitor desembaçar o vitral da sua emoção e caminhar em direção ao  Cosmo do poema, até se perder – ou se encontrar – dentro dele. Quanto a questão  da poesia ser literatura ou não, isso não me desperta o interesse. Acredito, na  verdade, que a poesia é literatura e é, também, outra coisa. A princípio, a  poesia, no sentido mais amplo, pode ser toda e qualquer coisa.   
   Cineas  Santos – Murilo Mendes afirmava que a poesia, como o vento, sopra onde quer.  Você acredita nisso?   JIVM  – Eu só acredito nisso. A Poesia é uma musa exigente e extremada. Aparece sem  avisar. E se você não largar tudo para segui-la, ela desparece num átimo. E não  adianta implorar a Deus e aos deuses para que ela retorne, pois isso só  ocorrerá quando ela bem quiser e entender. Há por aí, neste momento, nas  grandes urbes ou em reclusos conventos, doutores e monges debruçados nas telas  dos computadores ou tangendo suas liras em nome da Poesia. E, na maioria destes  casos, ela está bem longe dos abnegados pretendentes.         É bem mais provável que esteja em outra paragem, escancarando  a porta de algum desacreditado e se desnudando para ele (pode surgir justamente  no momento em que seu escolhido escova os dentes). A poesia é uma serpente cujo  veneno é a hóstia que ressuscita a beleza nas gentes.   
 
                    
                      | .jpg) |    Livia  Natália – Escrever é “uma revolta por dentro,/ um espetáculo trágico,/ um  grande acontecimento”. Esta sua definição é uma das mais belas formas de dizer  deste nosso ingrato ofício que já vi. Mas escrever é também “tatuar epifanias”,  em sendo um acontecimento, mesmo que grande, escreve-se contra o tempo, contra  o esquecimento, uma vez que o acontecimento carrega em si o imperioso  esgarçamento do seu lugar, do seu existir: o acontecimento cessa. Clarice  Lispector disse que quando não escrevia, estava morta. Quintana disse que os  poemas são como pássaros, que pousam no livro que lemos. Guimarães Rosa nos  ensinou que o papel é fiel, Cabral e Drummond nos disseram da impossibilidade  de escrever e, finalmente, Orides Fontela afirma: “toda palavra é crueldade”.  Cabe-me agora, como poeta provocada, provocar o poeta: com e contra o que você  escreve? Pensando ser este um livro especial, o sétimo, que ratifica a  grandiloquência de sua poesia, pergunto também: Há na sua escrita o medo de  que, “um dia, ao acordar, o espelho vai dizer que não te conhece”?   JIVM  – O grande acontecimento marca. É uma tatuagem que se desdobra no Tempo e pelos  tempos. O grande acontecimento pode ter um motivo nacional, pode ser um  fenômeno planetário, pode ser o surgimento de supernovas, que estão muito além  da nossa frágil condição de meros animais efêmeros. Mas pode ser, também, o  pairar do bem-te-vi, tão aguardado pelas lentes de Ricardo Prado, nos lajedos  da Pedra Só. O grande acontecimento, para mim, é quando a Lua Cheia começa a  aparecer atrás da serra do Alagadiço de Cinzas, por volta das cinco horas da  tarde, e traz para a minha varanda o poeta Garcia Lorca, para dizer, no seu  idioma gitano, o cancioneiro que me transporta para além dos acontecimentos e  de todas as minhas limitações – eis uma epifania tatuada em mim e no Cosmo.
 
           Eu escrevo com meu ser, com cada  partícula, cada célula, cada átomo que compõe essa estrutura mutante que, aos  limites dos olhos humanos, adquire a conformação de uma criatura que consegue  se expressar. Então, busco atingir o máximo grau de expressão através da minha  escritura. Mas isso não me basta, preciso gritar os meus versos para a  imensidão.  É por isso que os guardo na  memória, para que possa entoá-los às pessoas e às estrelas. Busco sempre  escrever em harmonia com a melodia dos ventos. Não tenho vontade de escrever  contra, mas estou sempre a me guarnecer das inúmeras pedradas que vêm de todas  as direções. Como diria o poeta Francisco Carvalho, “ser poeta e ter o corpo  marcado pelo vitiligo”. E eu sinto o estigma dessas tatuagens. 
 
           Quando cheguei à Bahia, em 1988, aos  20 anos de idade, fui morar na fazenda Cerca de Pedra. Vivia praticamente  sozinho e isolado da civilização. Morava em um lugar que não tinha luz elétrica  nem água encanada nem automóveis. Morava sozinho em uma velha casa da fazenda.  Nos primeiros meses, quando chegava a noite, eu sentia medo. E esse medo foi se  intensificando. E eu passei a sentir muito medo, mas tanto medo, que chegou a  um ponto que não tinha como ter mais medo. Então, fui me acostumando com o  medo. E o Medo, que cresceu tanto, passou a ser meu companheiro. Sempre estava  ali, nos arrepios, ao contemplar as estrelas e sentir o pasmo da existência, na  coisa mínima que é o ser diante do Cosmo. Como é bom saber dominar o medo e  tê-lo como aliado! 
 
           Eu ia me esquecendo do esquecimento.  Mas vamos lá! O espelho todo santo dia diz para mim: “Quem é você?” E na sua  própria moldura vão surgindo os contornos atualizados de um eu que se reinventa  e que se impulsiona para o futuro, sonhando com o infinito, mas que, ao  caminhar, se aproxima, cada vez mais, do ponto final, do esquecimento. Para  mim, esse processo é a coisa mais natural. Por isso, uso artifícios, por isso,  fiz da arte meu ofício e compreendo que dentro do esquecimento talvez esteja  guardada a melhor lembrança.   
   Thiago  Amud – Zé Inácio, em Sete, a mística e o erotismo estão geminados. Uma ânsia  pelo Sagrado e pelo Feminino faz com que seus “cavalos de vento”, logo de  saída, lambam as vulvas das loucas e inaugurem evangelhos. Estará certo o  leitor que supuser que a união desses dois elementos é a força motriz de sua  poesia e, especificamente, de Sete?       JIVM  – Outro dia, uma parenta minha fez um comentário me alertando que eu falava  muito da carne, dos desejos corporais, em detrimento das coisas sagradas. E  mais, aconselhou-me a escrever um livro que falasse da alma, pois certamente eu  faria muito sucesso. O impacto que tive, logo de cara, foi que a minha poesia  não havia alcançado aquela leitora, pois em toda minha produção, não tenho  feito outra coisa que não seja louvar o Sagrado. E o Sagrado, para mim, é  indissociável do Erótico – a energia cósmica fertilizadora que vive a parir  astros que brilham muito além da minha condição precária de ser humano. Mas,  como me ensinou o Zé Ramalho, “O pensamento se consome aonde a estrela não  vai”. Então, dentro da complexidade energética geradora do meu ser, saio por aí  inventando mundos e dando evasão às forças que regem o meu sentimento. Deixo-me  levar pelos meus instintos e pelos meus desejos até certo ponto, porque não me  causa regozijo nem êxtase ver meu próximo padecer por conta de uma vontade  minha. Mas não me prendo a dogmas nem a tabus para realizar a minha escritura  que está intrinsecamente ligada à minha caminhada. “Eu não sei sequer o  caminho”, mas saio por aí buscando, inventando, com meu corpo, com meu ser,  tentando, ao máximo, viver bem, sentir alegrias, sentir prazer, apesar de toda  a angústia que a existência, como um todo, desperta na criatura que para e  pensa. O que tenho é o corpo e a consciência, e me pergunto: “Mas está Deus,  onde pode,/ senão no Cosmo e no corpo?”. O grande sucesso, para mim, minha  prima, meus amigos, é estar vivo e com saúde. A força motriz do Sete – e de  toda minha poesia – é a vida com todas as suas possibilidades. “A virgem  universal do reino do sétimo filho” é a mulher, é minha mãe, é Nossa Senhora, é  Iemanjá, é a Terra, é o Cosmo. Eu sou apenas o Cavalo que inventa concertos  enquanto galopa.   
 
                    
                      | .jpg) |    Joãozinho  Gomes – Vejo a sua poesia cruzando um Sertão infinito, feito a égua encantada –  absolutamente indomável – de um cavaleiro errante, divino e perenal, rumo ao  longe; que para mim, "é um lugar que não existe". Em qual tempo e em  qual espaço a sua poesia galopassa, agora SETE vezes mais irrequieta e decidida  a percorrer seus Sete Cosmos por toda a eternidade... me diga?   JIVM  – Já faz tempo que eu tenho açoitado a égua Poesia pela imensidão dos lugares  que não existem, buscando alargar a fronteira do pensamento para expandir a  minha paisagem estética. Ao contrário do que se espera de um poeta que se  aproxima do cinquentenário de nascimento, quando a vida já lhe confere uma  suposta experiência e os ânimos começam a se arrefecerem, o que tem acontecido  comigo é a multiplicação da inquietude. Sinto-me, cada vez mais, tomado por uma  inquietação que tem me afastado muito das coisas ordinárias e me aproximado do  mundo imaginário, fazendo com que o perscrute de todas as formas que alcanço, o  que tem me levado a descobrir, conhecer e inventar situações e regiões  inusitadas, para mim. Quando penso nas cifras de tempo que tem o Universo, dou  risada da minha condição, que é a condição humana. E acho completamente sem  graça, essa luta desesperada por poder, que se tornou sistemática e que tem  condicionado as pessoas, desde o nascedouro, em detrimento da conquista da  expansão do sentimento, que é o que me interessa, realmente. De fato, Joãozinho  Gomes, meu galope passa, que nem a tua flecha de índio cósmico, inventando um  ritmo que se distingue, ao tempo que é uma individualidade, aos olhares mais agudos,  mas que busca, de alguma forma, assentar-se numa planície e ser apenas parte de  uma paisagem de encantamento, como penso ser esse também o alvo da tua flecha.  Mas, curiosamente, o galope permanece num contínuo movimento que se eterniza no  Tempo e pelos tempos, como tua flecha que passa agora, e continua, a cada  instante, a passar, ad infinitum... Em verdade, estou perdido no tempo/espaço  onde tudo se confunde. Tento apenas arrumar a casa, como nos ensina o poeta  menor/enorme Manuel Bandeira. Casa que é nave e é asa para o voo rápido e curto  que é a vida.   
 
                    
                      | .jpg) |      Jandira  Zanchi – As três primeiras partes de Sete trazem, imersos nessa tua poesia tão  fecunda e intensa, alguns conceitos que procuram explicá-la. Um dos mais  interessantes é a correlação da imagem da virgem com a morte. Ocorreu-me que,  de fato, a morte deve ter sido a principal impulsionadora, na mente da  humanidade, da surpreendente ideia de virgindade, visto que em um mundo natural  o sexo é parte do humano e da vida (parte importante, aliás). Então, seguindo  essa linha de pensamento, a virgindade é um preparo da morte, da  inevitável  decomposição física e  psíquica dos seres, pois os que vivem nesse estado fazem cessar um pouco da  vida em si. Na tua cosmogonia a virgem é a sétima irmã, traz no ventre os  grandes patriarcas e incendeia os fogos, transmutando-os em cores, em  jogos.  Você acredita que essa aparição  da virgem é condição para a construção do paraíso ou, antes, que  é a condição   e a restrição da poesia – a quem caberia carregar a chama do prazer e do  instinto – em sua constante imersão dionisíaca?   JIVM  – Quão necessário e vital são o acasalamento, a reprodução, o amor! Quem vive  ligado à Natureza e observa desde um pé de palma até uma algarobeira, desde a  seriema até a vaca, pode sentir esses mistérios com mais intensidade, desde que  dê uma real importância para essas “pequenas coisas”. É impressionante como  tudo tem uma ânsia absurda por viver! Basta cair os primeiros pingos de chuva  no Sertão que a terra começa a fervilhar de vidas, começa a brotar tudo que é  tipo de mato, de capim, tudo que é tipo de criatura começa a surgir da mãe  Terra. Se, durante o dia, os pássaros fazem seu concerto e os cavalos galopam  desembestados, como se estivessem tocando o “Frevo mulher”, no carnaval de Olinda;  à noite, os sapos, grilos e rãs executam a mais profunda sinfonia – e como essa  orquestra da Natureza me remete à “Nona Sinfonia” de Beethoven! Mas todo esse  turbilhão de vidas, obedece a um curto ciclo de existência, que culmina,  inevitavelmente, com a morte. Nem os milenares baobás escapam dessa fatalidade. 
 
           No poema em questão, “A virgem  universal do reino do sétimo filho”, a morte da qual se fala não é a natural. É  aquela imposta pelo crime, seja por alguém que vem diretamente e tira a vida do  outro, com um tiro ou com uma facada, seja por aqueles que, através de suas  ações determinantes, de ‘políticas sociais’, acabam causando a morte de  centenas, milhares e até de milhões de vidas. Repare que não falo apenas da  vida humana. O nosso planeta tem uma biodiversidade extraordinária. A virgem  aparece como o contraponto desse mal, o oposto. Louvar a virgem é respeitar as  forças da Natureza e apostar na beleza da vida, que culmina com uma passagem  natural para alguma dimensão, nem que seja para se tornar adubo de uma flor  silvestre.
 
           Como você enfatiza na sua pergunta,  “em um mundo natural o sexo é parte do humano e da vida”, e é nisso que  acredito. Por isso mesmo, a virgem do meu poema é vestida e revestida de  fertilidade, é dionisíaca. Num sentido mais amplo e, provavelmente, de uma  maneira até ingênua, a virgem do meu poema tenta representar a pureza de  sentimento, mas em nenhum momento se afasta do prazer, da alegria, da busca da  conquista de ser uma estrela. Não havia parado para pensar nisso, mas a virgem  do poema pode ser o próprio poeta, o louco de Deus que carrega o fogo sagrado  do prazer para tatuar sua luz nas gentes.   
                    
                      | .jpg) |    Antonio  Miranda – Já escrevi um texto sobre a leitura de um de seus recentes poemas do  livro Sete expressando a impressão e admiração por seus textos. Minha pergunta  está dirigida à sua forma de inscrição, que entendo estar na dimensão que  alguns teóricos dizem ser somática, ou seja, "a presença efetiva, o  engajamento, a energia e a sensibilidade do corpo para a produção de  signos", como afirma Pierre Lévy. Mas ele adverte que o registro é sempre  único, embora ligado às tradições ou linhagens (vale dizer, aos estilos  adotados pelo autor, ou seja, suas preferências estéticas). No seu caso, quais  as influências de escolas literárias, de autores de sua preferência sobre a sua  arquitextura e onde você encontra a sua originalidade, sua marca pessoal? Como  afirma o mesmo Lévy, "Segundo a circunstância e o ajuste de suas  intenções, o produtor da mensagem somática modula, adapta, faz variar  continuamente o fluxo de signos do qual ele é a fonte." Lévy não é um  crítico literário, é um estudioso da criação no campo da Comunicação... Em  resumo, como você cria e formula seus poemas?   JIVM  – Não tenho um processo de criação específico, rígido, rigoroso. Na maioria das  vezes, a minha poesia surge do acaso, de um estalo, de um insight. Já aconteceu  de estar na cancela do curral, lá na Pedra Só, contando o gado que saia para o  campo, e de repente chegar um verso e logo em seguida outro. E eu larguei tudo  e disparei meu cavalo para a casa, pois precisava anotar aquilo urgentemente,  antes que a Musa fosse embora. Os vaqueiros ficaram sem entender nada! É por  isso que hoje não me aparto do meu gravador. Quando a poesia chega, saco o  gravador do bolso e pronto! Gosto de escrever deitado em uma rede, numa velha  agenda com capa de couro, que troco o miolo uma vez por ano. Mas, ultimamente,  de uns dois anos para cá, tenho feito boa parte de meus poemas enquanto  cavalgo. O cavalo correndo e, dentro daquele ritmo, vou inventado meus versos.  É por isso que o Sete tem um ritmo galopante.
 
           Gostei do conceito de inscrição  somática, do qual fala Pierre Lévy, teórico que estudei um pouco na Facom  (Faculdade de Comunicação da Universidade   Federal da Bahia). De fato, quando estou envolvido na criação de um  poema, ou mesmo depois, quando já tenho um conjunto de poemas e começo a pensar  na estrutura do livro, sinto-me completamente empenhado em encontrar soluções  para realizar a obra. O livro, para mim, não é apenas um amontoado de poemas  que eu possa entregar à editora e cruze os braços e fique aguardando  tranquilamente pelo resultado. Interfiro na criação de meus livros até o  momento de entregar à gráfica. Penso cada etapa. Escolho o ilustrador, buscando  sempre um artista cujo traço esteja de acordo com a minha proposta. Mas percebo  também que, a partir de Roseiral (2010), meus livros passaram a ter uma certa  uniformidade enquanto objetos. Na verdade, sempre pensei o livro não como um  mero suporte para os poemas, mas como um objeto de arte que interage com seu  conteúdo.
 
           Ultimamente, tenho preferido autores  cujas obras me causem uma certa estranheza, pelo simples fato de despertarem  uma inquietação estética em mim. Como já disse, ao responder a primeira  pergunta desta entrevista, sinto-me membro de uma certa família de poetas, por  conta das afinidades temáticas e estéticas, mesmo que junte à ‘minha família’  poetas díspares como João Cabral de Melo Neto e Jorge de Lima, ou mesmo Gerardo  Mello Mourão e Herberto Helder. Estão na minha árvore genealógica os poetas  românticos e os árcades, com a mesma intensidade que estão os cantores  nordestinos que surgiram no início da década de 1970. Refiro-me aos cearenses  Fagner, Ednardo e Belchior, aos pernambucanos Alceu Valença e Geraldo Azevedo,  ao paraibano Zé Ramalho e ao alagoano Djavan, meu conterrâneo. A música é tão  importante para a minha criação quanto a literatura. Então, João Guimarães Rosa  e Elomar Figueira Mello estão no mesmo panteon, assim como Luiz Gonzaga e Luiz Vaz  de Camões, Maria Bethânia e Cecília Meireles, Joaquín Rodrigo e Federico García  Lorca, Paco de Lucia e Gabriel García Márquez, Beethoven e Cervantes, Ígor  Stravinski e Sierguéi Iessiênin, Patricia Bastos e Mariana Ianelli, Led  Zeppelin e Salgado Maranhão. Destas referências e, sobretudo, da vida,  manancial inesgotável, é que surge a minha identidade poética, a minha marca  pessoal.    ***   Rubens  Jardim é poeta e jornalista paulista. Nasceu na cidade de São Paulo (SP). Foi  redator chefe Gazeta da Lapa e trabalhou no Diário Popular, Editora Abril e  Gazeta Mercantil. Participou de várias antologias e é autor de três livros de  poemas: Ultimatum (1966), Espelho riscado (1978) e Cantares da paixão (2008).   Cineas  Santos é poeta, professor, editor e produtor cultural . Nasceu em Campo  Formoso, Sertão do Caracol (PI). Vive em Teresina desde 1965. É diretor da  Oficina da Palavra e coordenador do Projeto A Cara Alegre do Piauí. Escreveu,  entre outros, Pétalas (poemas), Ciranda desafinada (infantil), Cacos de mim  (crônicas) e A matriarca dos loucos (biografia).   Livia  Natália é poeta e professora. Nasceu em Salvador (BA). É Doutora em Estudos  Literários pela Universidade Federal da Bahia e ensina Teoria da Literatura na  mesma instituição. Seu livro de estreia, Água Negra, foi o vencedor do Projeto  de Arte e Cultura do Banco Capital, ano X.   Thiago  Amud é cantor, compositor, arranjador e violinista.  Nasceu na cidade do Rio de Janeiro (RJ).  Gravou os cds Sacradança (2010) e De ponta a  ponta tudo é praia palma (2013), disco que chamou a atenção de parte  significativa da crítica e entrou na lista dos 10 melhores álbuns de 2013 do  jornal O Globo.   Joãozinho  Gomes é poeta e compositor. Nasceu na cidade de Belém do Pará. Mora em Macapá  (AP) desde 1991. É integrante do Grupo Senzalas, com o qual gravou o cd  Tambores do meio do mundo. Em 2009, gravou o cd Amazônica Elegância, em  parceria com o cantor e compositor Enrico Di Miceli. Em 2013, publicou A flecha  passa e poemas diversos, seu livro de estreia na poesia.    Jandira  Zanchi é poeta e professora. Reside na cidade de Curitiba (PR), onde nasceu.  Licenciada em Matemática pela Universidade Federal do Paraná, profissional de  magistério em faculdades, colégios e cursos por mais de 30 anos. Publicou os  livros Balão de ensaio (2007), A Janela dos ventos (2012) e Gume da gueixa  (2013). É colunista da revista virtual Letras et cetera e blogueira consumada.   Antonio  Miranda é poeta, professor emérito da Universidade de Brasília e atual diretor  da Biblioteca Nacional de Brasília. Nasceu em Bacabal (MA). Reside em Brasília  (DF). É Autor de mais de 50 livros de e sobre poesia, romance, crônica e conto,  além de obras científicas na área de Comunicação e Ciência da Informação.  Mantém na internet desde 2003 o repositório de poesia brasileira (em diversas  línguas) e ibero-americana, além da africana de língua portuguesa:  www.antoniomiranda.com.br       
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