DRUMMOND, TRADUTOR
Resenha por Antonio Miranda
Carlos Drummond de Andrade
POESIA TRADUZIDA
Organização e notas de Augusto Massi e Júlio Castañon Guimarães.
São Paulo: Cosac Naif, 2011.
(Coleção Ás de colete, 20) 448 p. ilus.
Drummond se considerava um tradutor bissexto, mas não era. Deixou um importante legado de versões e traduções do francês, do inglês e do espanhol, de peças de teatro, ficção e sobretudo de poesia, muitas vezes de fragmentos de poemas com que ilustrava suas crônicas para os jornais da época. Não era um tradutor profissional, raras vezes cobrava por esse ofício. Augusto Massi e Júlio Castañon Guimarães nos apresentam um volume de 448 páginas com as traduções do mestre de Itabira, de todos nós, com uma apresentação em que Júlio traça toda a trajetória do tradutor, seus despistamentos e as pistas para entender a sua visão do processo. Em certo momento chega a esboçar a possibilidade de classificar as traduções em duas categorias: as jornalísticas e as literárias, sem delimitar as fronteiras ou definir as diferenças entre elas. Traduções literárias e traduções não literárias. As últimas, “estariam relacionadas mais estreitamente com a própria produção do poeta, ou seja, seriam resultantes de sua escrita, seriam literatura, tal como seus textos”, entende Júlio Castañon Guimarães.
Drummond voltava às suas traduções e as aperfeiçoava, não raras vezes. Outras vezes achava ser a tradução uma traição, atividade que devia ser proibida como moeda falsa...
A tradução, no caso de Drummond, também cumpria a função de ir mais fundo na sua relação com as obras que lia e relia, para melhor entendê-las e incorporá-las à própria experiência, com um aprendizado em processo e aprofundamento. No reino das palavras: “Não sei o que mais padece neste jogo, se o pensamento do autor, se as palavras que o vestem”, desabafa.
Hoje em dia temos programas de tradução automática na web que apenas aproximam-nos dos textos, outras vezes o contradizem. Traduções mais pelo caminho gramatical, que são ainda piores quando aplicado ao texto poético. Uma nova geração de tradutores pretendem avançar no caminho da websemântica, abraçando o problema da etimologia e da polissemia, que se pretende seja eficiente para a tradução de textos científicos, como é o caso do Unicode da Biblioteca de Alexandria. Programas mais inteligentes, que incorporem soluções consolidadas no processo das traduções, memória como recurso. Na tradução feita por autores como Bandeira e Drummond, também existe o apelo à memória e à experiência coletiva, de forma mais intuitiva ou pretensamente metódica, para os tradutores mais profissionais. A tradução artesanal, a tal tradução literária que pretendia Drummond, é mesmo a tarefa do coautor, da recriação. Sem chegarmos às intratraduções e transtraduções pretendidas por Haroldo e Augusto de Campos, por Décio Pignatari e Júlio Plaza, sem querermos trazer de volta a polêmica de Bruno Tolentino em torno da tradução de um poema por um dos autores citados. Traduzir é sempre um risco, até mesmo de superar o texto original... Às vezes destroem o texto original...[ Alguns tradutores ao pé-da-letra chegam a barbaridades como uma que detectei em livro sobre a Revolução Industrial na Inglaterra: “general will”, referindo-se à vontade geral da população, foi “traduzido” como General William..]
Em boa hora temos em mãos a “Poesia traduzida” de Carlos Drmmond de Andrade, que vinha anunciando o projeto em várias ocasiões, agora numa versão, afortunadamente para nós, em formato bilíngue. Traduções do francês, do inglês e do espanhol, de poetas notáveis com Aleixandre, Apolinaire, Brecht, Césaire, Éluard, Léon Felipe, Guillén, Heine, Juan Ramón Jiménez, Lorca, Prévert, Salinas, Supervielle e alguns outros, menos conhecidos mas igualmente importantes. 44 poetas ao alcance dos leitores em nossa língua, por um poeta da dimensão de Carlos Drummond de Andrade, em cujos textos sempre será possível reconhecer as marcas do tradutor...
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