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                   DIALÉTICA — FORMA— CONTEÚDO 
                    
                  
                    
                      
                        Eduardo  Sucupira Filho 
                        Professor  universitário, escritor e jornalista 
                       
                     
                   
                    
                  A  subjetividade intranquila, ante representações sensíveis no esforço de criação  do ideal estético: a forma? E o conteúdo"? Forma e conteúdo na mesma  unidade. 
                    
                  A  matéria do ideal estético sempre foi objeto de discussão e controvérsias entre  as várias tendências ou escolas artísticas. Isso nos feriu a atenção, já nos  anos de 57, às aulas de filosofia estética ministradas por Gilda de Melo e  Sousa ao analisar o trabalho Filosofia da Arte (Vicente Licínio Cardoso): a  arte tem condicionamento social de determinada época. 
                    
                  Na  mesma linha de exame de ambas as categorias estéticas, o filósofo francês Henri  Lefebvre pergunta por que certas grandes obras de arte parece terem "algo  de inesgotável e um frémito intenso de vida." Que queria ele dizer com  isso? O exemplo nos serviu de curiosidade, quando fazíamos trabalho de  aproveitamento sobre o tema ilustrado por um exemplo: quando deparamos numa  paisagem com uma embarcação que se perde na linha do horizonte sensível, a  percepção sugere-nos um infinito real que não se manifesta senão no plano  finito do quadro pictórico. (1) 
                    
                  Não se  pode esquecer que as artes têm um conteúdo prático - a vida social - a refletir  um sentido de vida transfigurada pela sensibilidade do criador. Transfigura o  mundo sensível, configurando sob forma dramática a visão emocional do artista.  Eis o quadro "Os Retirantes", de Portinari a exprimir, não a  reprodução "realista" do cenário dramático dos nordestinos mas o  trágico captado por uma imagem saturada de significações de que resultará a  obra artística. 
                    
                  Estão  impressos nesse figurativo de dores o aspecto humano da vivência emocional e ao  mesmo tempo a atividade cognoscente do homem em face da realidade, que é o  público, seu destinatário. 
                  Já  nosso mestre, da cátedra de filosofia - ao que nos foi citado linhas atrás, é  notório o papel desempenhado pela forma em que "toda atividade adquire  expressão na forma. A esta cabe fazer com que os objetos sejam suscetíveis de  serem definidos. Contudo, a par dessa reativa independência valorativa do culto  à forma incidem os meios técnicos, de que é exemplo o quadro Impressionista  (efeitos de luz e sombra, de luz e cor) exceto o essencial: o conteúdo do qual  é refletido. Se é certo que a arte transfigura a realidade - como prisma  cartesiano transfigura o espectro solar - transfigura-se também a vivência  emocional do personagem. Já não vingam, como dantes, as elocubrações  surrealistas e outras tais abstracionistas dominadas pela subjetividade vagando  pelos caminhos do inconsciente. Faltaria incluir um alcance maior quando o tema  é investido em suas expressões particulares; o exemplo elucidativo - citado por  Lefebvre, a servir de paradigma: a obra de Balzac. Criador do realismo  literário, a refletir profundamente a sociedade francesa individualista de sua  época. Legitimista, católico, revelou-se um crítico cruel de personagens da  classe aristocrática de sua preferência política. Uma realidade do tempo que se  rebela em intrigante sensibilidade - um modus vivendi trágico de vicissitudes e  paixões indomáveis. 
                    
                  Por  essa visão, está à mostra que a produção artística se processa em condições  circunscritas histórico-sociais com suas técnicas e meios de realização,  evidenciando, assim, o desacordo entre a contradição ideal e a imperfeição das  coisas externas. 
                    
                  Outro  exemplo de virtude artística vem-nos do escritor irlandês Oscar Wilde,  sobretudo em sua obra mais discutida pelos cultores da arte: O Retrato de Dorian Gray, onde grava o  ideal de uma juventude perene num autorretrato de ator e criador travestis,  mutuamente, da roupagem que a filosofia das artes elegeu como padrão nos  monumentos históricos e artísticos: a arte perene e a brevidade da vida... 
                    
                  Nestas  linhas finais, detenho-me a contemplar em um quadro impressionista (?) do  pintor holandês Van Gogh - Promenade au  Soir: a visão crepuscular em um luar minguante, iluminado de um fulgor de  tons amarelos, impondo a presença de dois personagens sobressaindo das brumas  num indisfarçável elemento humano. Ali, a emoção artística de Van Gogh  transfere para o objeto - compósito forma-conteúdo, um realismo quase  transcendente. 
                    
                  1"Contribuition  à L' Esthetique" -Editions Sociales, Paris, 1953. 
                    
                  Extraído  de 
                    REVISTA DE LITERATURA BRASILEIRA – LB 47 – São Paulo, SP: 2007.  Direção:  Aluysio 
                  Mendonça Sampaio.   Ex. bibl. Antonio Miranda  
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