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BRASÍLIA NA POESIA BRASILEIRA

 

por Antonio Miranda

 

 

"Como ela surge ninguém sabe.

Sua génese noturna, sua forma agu-

da e modos de sair do chão redonda

e fina em gomos de erosão,

marmórea, límpida, onírica,

sua forma bem lavada

em barras de suor e aço em combustão".

AFFONSO ROMANO DE SANT-ANNA

 

 

          Reunir em livro poesia sobre uma determinada cidade, abrangendo os diferentes estilos, pode ser uma tarefa predestinada à monotonia. Pode cair na mesmice de frases adjetivadas e em interjeições embasbacantes. Trilhar um lirismo piegas, excessivamente descritivo ou derivar para abstrações auto-biográficas, sentimentalóides e intranscedentes.

 

          Carlos Drummond de Andrade, em célebre poema, já pedia aos poetas que deixassem em paz seu universo particular para um recitado

intimista, diante do espelho...

 

          Duas antologias, no entanto, pretendem realizar essa proeza com relação à Nova Capital: Os 21 de Brasília (Poemas) (105) — edição comemorativa dos 21 anos de inauguração da cidade e Brasília na poesia brasileira; antologia (67), com poemas selecionados por Joanyr de Oliveira. A primeira tem o mérito (e o defeito) de reunir os poetas da casa para revelar como eles vêm e interpretam o seu habitat; a outra é uma conjugação de testemunhos e impressões que levam algumas

assinaturas célebres do cenário literário nacional. Ambas enaltecem o espírito criativo e empreendedor de JK, descrevem o por do sol na Praça dos 3 Poderes, louvam o heroísmo do candango ao estilo dos enredos de escola-de-samba e não raro descambam para os lugares- comuns do tipo "Brasília flor do cerrado", "a lua beija o lago", "jóia engastada no Planalto de Goiás", "sinfonia arquitetônica" ou "apoteose de concreto armado"...

 

          Os 21 de Brasília vale pela ideia mas não sobrevive pelo seu conteúdo que é desigual. Salva-se um-que-outro verso esparso, um-que-outro poema, como é exemplo o vibrante e saltitante "Na Feira da Torre" (105 : 31) de Altamira Greenhalgh de Paiva, e a boa intenção — apesar do pálido resultado — de Elisete Soares Nascimento que chora "A morte do herói" JK. conclamando o povo a lutar "por progresso com liberdade, / por governo com Democracia" (105 : 95).

 

          Ao contrário, a antologia de Joanyr de Oliveira inclui poetas renomados, como Affonso Felix de Souza, Affonso Romano de Sant´Anna, Alphonsus de Guimarães Filho, Cassiano Nunes, Cassiano Ricardo, Henriqueta Lisboa, Homero Homem. João Cabral de Melo Neto, Moacyr Félix, Vinicius de Moraes, ao lado de vates estreantes ou conhecidos apenas regionalmente. Dentre esses últimos, Fernando Mendes Vianna compôs uma "Crónica Elegíaca de Brasília" utilizando o lugar comum como matéria prima, mas cujo resultado final é um longo e interessante poema, denso e evocativo, em que permeia a emoção:

 

"Ah, eras o ermo puro! Só as retorcidas árvores

de pele seca e nodosa, mãos crispadas

pedindo uma gota de chuva na longa seca,

                    só os bichos do cerrado e o capim aqui viviam"
67 :73).

 

          E prossegue, sem temer o tom grandiloquente e as imagens

marmóreas:

 

"(...) Era o coito bruto

dos teus homens a te cobrirem e fecundarem.

Não tinhas brotos e a secura era terrível:

tuas mulheres eram escassas como o verde" (67 : 74).

 

          Ao descrever a derrubada de barracos da Cidade Livre, onde

"reinava meio ano o pó meio ano a lama", relembra:

 

"E desapareceu a vermelha nuvem, tua auréola" (67 : 75).

 

Com o progresso, com a consolidação da cidade ela se banaliza

e se perfila ao lado das demais metrópoles do país:

 

"Depois aumentaram e aumentaram os automóveis,

e os asfaltes aumentaram, os desempregados aumentaram,

as televisões aumentaram, os preços aumentaram,

os burocratas aumentaram, os tédios aumentaram" (67 : 75).

 

E arremata, de forma simbolista:

 

"Hoje és matrona bem burguesa e bem gorda,

instalada frente a um aparelho de televisão" (67 : 76).

 

         Mas é o lirismo mais desinibido que caracteriza a antologia, como nos versos de H. Dobai:

 

 

"Por toda a tarde

uma canção de cigarra

persegue o verão.

Toda a tarde.

Canto chão". (67 : 86)

 

         E é o mestre João Cabral de Melo Neto quem reconhece o prolongamento de nossa brasilidade na solidão escultórica de Brasília:

 

"E as casas-grandes de engenho,
horizontais, escancaradas,

onde se existe em extensão

e a alma todo aberta se espraia.

 

Não se sabe se o arquiteto
as quiz símbolos ou ginástica:

símbolos do que chamou Vinícius

"imensos limites da pátria"

 

ou ginástica, para ensinar

quem for viver naquelas salas

um deixar-se, um deixar viver

de alma arejada, não fanática" (67 :91).

 

          Afinal, não se fala de que a arquitetura de Niemayer revigora o nosso barroquismo latente e prolonga o nosso espaço interior, a nossa herdade, a nossa idiossincrasia de povo múltiplo e miscigenado?

 

"No cimento de Brasília se resguarda

maneiras de casa antiga de fazenda,

de copiar, de casa grande de engenho" (67 : 92).

 

          E o poeta pernambucano não deixa lugar para a dúvida em sua dialética ditirâmbica:

 

"Com os palácios daqui (casas-grandes)

por isso a presença dela assim combina:

dela, que guarda no jeito o feminino

e o envolvimento de alpendre de Minas" (67 : 92).

 

          Aliás, sabe-se que esses palácios de Niemayer, têm

 

"(...) alpendres remansos,

alargando espaçoso o tempo do homem

de tempo atravancado e sem quandos" (67 : 93).

 

          Como imaginar melhor definição de espaço e de tempo compreendido na grandeza do agora da Praça dos Três Poderes, nas varandas abertas do Palácio da Alvorada?

 

"em seu tempo amplo de tempo, de Minas,

onde os alpendres espaçosos, de largo" (67 : 93).

 

          Somente um grande poeta como o autor de "Morte é Vida Severina" seria capaz de sintetizar, em palavras mágicas e simples, quase banais, a grandiosidade contida e depurada da arquitetura de Niemayer.

 

          Um poeta mineiro das novas gerações, José Maria Pereira, faz a "Antigênesis de Brasília":

 

"Antilendária a rosa

criou-se oficiosa

de cimento e solidão

 

A mão do homem no mapa

traçou o chão.

 

          Tropeiros com pompas.

          Um girassol

          frente ao palácio do sol.

Giram os estados em torno

como uma roda gigante" (67 : 103).

 

O próprio Joanyr é que nos fala dos "exilados das trevas e das superquadras simétricas", espreitando a "escuridão compacta" durante as invasões noturnas, levantando do chão o seu teto de esperança:

 

"§ Agora, Invasão.

Sonhos não há mais.

As horas da noite

mastigando o vazio

dolorido dos olhos.

ressequida esperança.

O candango degusta

carne das sombras,

bebe canto rubro

dos galos matutinos" (67:144).

 

É a noite dos invasores, na espreita do dia, de um futuro de falácias:

 

"Onde a lua e alvoradas?

E os tapumes dos sonhos?

Entre tábuas efêmeras

beija a concha das mãos

e ama os calos enfáticos" (67 : 145).

 

          Affonso Félix de Souza reconstrói a criação da cidade sobre a prancheta do urbanista e do arquiteto e a posse da cidade pelo homem,

ou pelo poeta:

 

"Da cartola da geometria

saltou a cruz no chão fixou-se

 

Por vias-sacras e profanas

veio meu ser crucificou-se" (67 : 31).

 

 exatamente ali

 

"Onde as retas nascem da régua

e as curvas de ternos compassos"

 

"Onde se elevam monumentos

a heroicos concretos armados" (67 : 31).

 

          Para esse morador de Brasília retratado pelo poeta, a cidade é "Cruz avião no chão deitada / em doce maneira de abraço", a quem ele apalpa "como a fêmea belíssima / sem macio e sabor de carne" (67:32).

 

          E continua no mesmo diapasão:

 

"Impossível falar da vida

quando ela não nutre um processo

 

Ai meu amor se alçou ao nível

de altas funções gratificadas

 

Minhas musas protocolares

soltas ao vento do Planalto

 

como encontrar-vos num desvio

nesta cidade feita a régua?

 

Como manter meu andar torto

em ruas não-ruas tão certas?" (67 : 36).

 

 

          São tantas as indagações do poeta diante da geometria intrigante dos urbanistas! Como ajustar o seu ser tortuoso por esses "rumos matemáticos" e acasalar seu espírito e seus sonhos "entre paredes de vidro"?!

 

OLIVEIRA, Joanyr de, org. Brasília na poesia brasileira. Rio de Janeiro: Livraria Editora Cátedra; Brasília: INL – Pró-Memória, 1982.  163 p. 
OS 21 DE BRASÍLIA. Pref. Jorge Kalume.  Brasíla: 1981.
189 p.

 

 

 

 


 

 

 

 
 
 
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