METAPOESIA DE JOÃO CABRAL
por FERNANDO PY
Texto extraído de
TRIBUNA DE PETRÓPOLIS, 15 de novembro 2013,
Caderno Lazer p. 4-5:
A singularidade da poesia de João Cabral tem sido estudada com frequência. Editou-se há pouco tempo novo ensaio a respeito: Metapoesia de João Cabral de Melo Neto,
de Antonio Miranda (Natal, RN, Sol Negro Edições, 2013).
Miranda focaliza a metapoesia de Cabral, pondo em relevo a enorme quantidade de poemas feitos sobre a poesia em geral. A análise de Miranda se faz com bastante perspicácia, desde o primeiro livro publicado por Cabral: Pedra do Sono (1942). No começo de sua obra, Cabral vai logo analisando a poesia que faz: "O poema inquieta / o papel e a sala. / Ante a face sonhada / o vazio da cala."
Assim, diz Miranda, "a convivência do poeta com sus poesia é sempre artesanal (...) Parece pintar em vez de escrever." (p. 9). Essa atitude frente à própria poesia se intensifica e se expande nos livros seguintes. De O engenheiro (1945). Miranda pinça alguns significativos. Em "O Poema", Cabral escreve: "... é no papel / que o verso rebenta." (p. 12); mais ainda: em "A Lição de Poesia", Cabral insiste na análise e Miranda afirma que ali "fica mais claro o sentido órfico do mundo cabralino, de sua obsessão pela página em branco, pela composição ou engenharia do poema." (p. 13); Mas é no livro seguinte, Psicologia da composição (1948), sque se forma mais sensível e consolidada a preocupação metapoética de Cabral, sobretudo nos versos finais do poema que dá título ao livro: "Saio do meu poema / como quem lava as mãos. / (...) alguma palavra / que desabrochei, como a um pássaro." (p. 14); Segundo Miranda, "a página em branco inquieta, suscita e incita a um versejar nítido e preciso, numa explosão verbal pelo texto." (A partir daí, o ensaio de Miranda mostra como Cabral, nos livros seguintes, vai diversificando o propósito da forma de sua poesia e analisando sempre a sua composição. Nessa composição, em que parece dirigir-se aos escritores mais variados — poetas ou não — Miranda diz que Cabal demonstra o parentesco, a enorme semelhança de seu verso com a pintura (principalmente a de Mondrian) e a escultura, não apenas nas imagens do poema como, acima de tudo, na polissemia da mensagem, carregada de relações ou movimentações anafóricas se metonímicas, onde sua linguagem, sempre desconcertante "desorienta e sugere mais do que explicita" (p. 18), quebrando sem concessões a tradição discursiva da poesia brasileira. Antonio Miranda é um excelente intérprete da poesia de João Cabral.
FERNANDO PY.
Página publicada no Portal de Poesia Ibero-americana, seção de ENSAIOS.
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