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EDITORIAL N. 47

 

PAÍS IMAGINÁRIO – POESIA DA AMERICA LATINA 1960-1979 – (I)
UMA VISÃO E DEMONSTRAÇÃO DOS RUMOS DE NOSSA POESIA

 

                                                         Editorial de ANTONIO MIRANDA

 

PAÍS IMAGINÁRIO. ESCRITURAS Y TRANSTEXTOS – POESIA EN AMÉRICA LATINA 1960-1979Selección y notas: Mario Arteca, Benito del Pliego, Maurizio Medo. Edición Maurizio Medo.  Madrid: Bolombolo, 2014.  631 p. (Colección Once)   ISBN 978-84-1614902-5  Inclui apenas dois poetas brasileiros: Virna Teixeira e Delmo Montenegro. 

 

         Na última viagem que fizemos à Espanha, em novembro de 2016, fomos à caça de livros de poesia nas livrarias de Madri. Deparamos com obras de muitos autores que escrevem em castelhano e com autores brasileiros traduzidos — destacando-se João Cabral de Melo Neto, Lêdo Ivo e Ferreira Gullar, incluídos com outros poetas verde-amarelos em antologias, com destaque para a VILLARREAL, José JavierPoesía brasileña, Antología esencial, organizadapor José Javier Villarreal, editada pela Visor Libros, em 2006.  587 p. (Colección La Estafeta del Viento, vol. 13). Inclui os poetas brasileiros Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, Jorge de Lima, Mário de Andrade, Murilo Mendes, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Mario Quintana, Vinicius de Moraes, Manoel de Barros, João Cabral de Melo Neto, Lêdo Ivo, José Paulo Paes, Haroldo de Campos, Ferreira Gullar, Adélia Prado, Roberto Piva, Armando Freitas Filho, Carlito Azevedo, Claudia Roquette-Pinto. 

         Eu mesmo (A.M.) estava trabalhando com Eduardo García (poeta español nascido em São Paulo e repatriado ainda na juventude), na elaboração de uma Antologia da Poesia brasileira contemporânea, com o apoio da Embaixada do Brasil na Espanha — à época em que estava ainda lá o diplomata e poeta Márcio Catunda — e da editora Visor, com a intermediação de Aurora Cuevas Cerveró, da Universidade Complutense de Madri, que é a Coordenadora da seção de poesia española do nosso Portal de Poesia Ibero-americana.

         Infelizmente, o projeto foi interrompido com o falecimento prematuro do poeta cordobês.

         Entre os libros adquiridos durante a estada na capital española destaca-se o volumoso País imaginário, com 638 páginas, ostentando um extenso (107 páginas!) e bem fundamentado prólogo (crítico) sobre o cenário poético do nosso continente.

         Vamos comentar aquí o conteúdo desse monumental prólogo, escrito por Maurizio Medo, Mario Arteca e Berilo del Pliego, que se apresentam também como os selecionadores e tradutores dos poetas antologados. Vamos, também, dividir estes nossos comentários em Editoriais, também em capítulos, dada a extensão dos textos em questão. Aquí vai a primeira entrega:

 

( I )

“DICOTOMIA INCRUENTA”

 

         Simbolicamente, transformaram em epígrafe do capítulo, seis versos do antipoeta chileno Nicanor Parra, sobre os elementos “imaginários” de nossa América Latina, que deram lugar ao título da antologia (“País imaginário”). Superando as classificações por eras ou etapas (ex. os poetas dos anos 60, dos anos 70 etc.) e escapando da uniformização de todos os poetas selecionados em um estilo latino-americano, preferiram cognominar o resultado da produção poética regional como “escrituras y transtextos”. Corretíssimo! Vamos tentar entender a proposta.
Reconhecem que a poesia do período é, se não de ruptura, de diversidade estilística ou formal, que “pouco a pouco viemos reconhecendo como poesia”. O humor, o “exteriorismo”, os versos da outridade ou alteridade, os versos operários, embora representando apenas um dos cenários da época, revelam o “descobrimento de sensações marginais” (citando Roberto Bolaño, p. 10).

         “As escrituras que reunimos pareciam querer romper com a origem e
o funcionamento da linguagem. Apresentam-se como montagens
anti-reflex, ou para dizê-lo mais adequadamente: eludem qualquer
tópico representativo
.”(p.10)

         Como já afirmamos aqui mesmo, nestes editoriais, a poesia do século 21 evita os “ismos”, o que já estava em gestação nas décadas finais do século passado estudadas pelos críticos em questão.
Não existe representação porque o espírito da metáfora foi banido.”
(…) ”Existem apenas textos em progressão metonímica” (p.10), querendo assinalar que “o bordado por fora do bordado”, ou seja, “um centrifugado de patchwork que reimprime a noção cega de uma sintaxe em plena revulsão” (p. 10), de irritação. Conclusão polêmica, com reações na academia (o “stablishment”) que condenou algumas de suas características: ruptura na ilação da frase e a sua “integridade do significante”, a semiotização dos vazios nos textos, o desaparecimento de palavras, às vezes superando os limites do texto. O principal alvo das críticas apontavam para os nossos “neobarrocos” da linha de Kozer, Echavarren etc, esgrimindo valores conservadores em “defesa” da poesia, contra uma suposta e inaceitável “desumanização”, contra “os discursos fragmentários, o irracionalismo como dogma e o abuso do artifício” (p. 11), que estariam condenando a poesia a um hermetismo, em poesia para poetas.        Arteca, Pliego e Medo evocam um determinado “nomadismo” na poesia daquela época, escapando da configuração geográfica abrangente, escapando também de uma suposta “aldeia poética determinada”(p. 12). Vale dizer, o lugar era então para uma escritura híbrida, multifacética e polifônica, que iria predominar nas décadas seguintes, como veremos.
Em verdade, a “Antología” que eles desenvolveram com tais critérios de seleção não está restrita à produção dos anos 60 e 70, como parece indicar o seu título; refere-se efetivamente aos textos poéticos  escritos por um grupo de autores nascidos entre 1960 e 1979, a maioria ainda em atividade, a um momento histórico vivido por eles em que a noção de identidade nacional transcendia sua “subjetividade local” (conforme Mazzotti, citado à p, 13): “a atitude que outorga a estas escrituras um registro de tensão e desencanto que nos revelam a um indivíduo escindido [ Del lat. scindĕre. 1. tr. Cortar , dividir , separar] e, consequentemente descentrado”(p. 13).
Surgem os happenings, os grafites, as performances no espaço já ocupado pelos punks, metaleiros e os da new wave, que predominaram na altura das décadas seguintes. Diríamos que, como aconteceu também, do início à metade do século 20, relativo ao futurismo, o cubismo, o dadaísmo e o surrealismo. Era então a vez de um Andy Wharol e outros antecedentes do pop e da contracultura.

         Ressaltam os nossos “prologuistas”, como se diz em castelhano, o discurso herdado dos anos 60, marginal, muitas vezes coloquial, “saturado pelo lugar-comum” (p.  19). Tentavam uma linguagem de mais fácil interpretação, supeditando-a aos compromissos políticos e à leitura por certas camadas sociais. Daí a reação neobarroca que, segundo Echevarren (citado à p. 19), “de acordo com ou mais comprometida, vale dizer, com o legitimado, para voltar à experimentação dos vanguardistas, mas sem apostar em um método único ou coerente de experimentação, nem reduzindo-se aos referentes macropolíticos da tomada de poder ou do combate contra a agressão imperialista”.

         Assinalaram a existência de autores “insulares”, em edições alternativas e artesanais, mas sem configurar uma “dicotomia de discursos” (p. 20). Conversacional x neobarroco?

         “A configuração dos fluxos conversacional/coloquial-neobarroco tornou-se notória desde o momento em que um livro como Poemas y antipoemas (1954) de Nicanor Parra” — portanto, um precursor — “contaminou o discurso herdado por Lezama Lima“ (p. 21), tendência também comprovada pela antologia “Medusario: Muestra de poesia latinoamericana”, dos editores Roberto Echevarran, José Kozer e Jacobo Sefami (México, Fondo de Cultura Econômica, 1996), amalgamando aquelas densidades textuais, tendência estética majoritária presente na antologia que estamos aqui apresentando, com “entrecruzamentos e interseções, alheias a todo tópico representativo, constituindo-a em fluxos geradores de novas camadas e sedimentos linguísticos, justapondo de um e de outro, até apagar a referência de suas origens.” (p. 22).

         Finalizando este primeiro capítulo, os autores se perguntam o que havia em comum entre estes poetas latino-americanos. Em primeiro lugar, por estarem participando do processo de globalização daquele período, na crise criada pelo “modus operandi neoliberal” (p. 22). Seria a consagração da “diversidade”, no entendimento de Fernando Chueca, citado pelos autores (p. 22). Na opinião de Eduardo Millán (p. 22-23) tratava-se de “fugir sempre para o passado em busca da terra firme” — como teriam feito os da nossa Geração 45, bem antes, mas guardadas as diferenças e alcances  — dialogando a partir da experiência acumulada e experimentada.  Daí a nova concepção de “intertextualidade”, de diálogo com autores diversos buscando uma identidade, além das estreitezas do sentido “autoral”. Qual a fórmula? Jacobo Sefami, comentando a antologia El decir y el vértigo. Panorama de la poesia hispano-americana reciente (1965-1979), trata-se de “uma transição que vai do neobarroco (poética predominante nos anos setenta e oitenta) ao objetivismo (como se autodenominaram alguns poetas argentinos), uma atitude sem freio (que rende homenagem à antipoesia de Nicanor Parra)” mesclando citações eruditas com expressões populares; certos maneirismos na linguagem à maneira de Vallejo; versos longos, acumulativos, mas sem os maneirismos neobarrocos. Vale dizer, o corpus da heterogeneidade, em que a poesia latino-americana “não conseguiu – por razões diversas — desenvolver plenamente suas propostas discursivas” (p.24), sem significar a recuperação dessas vanguardas.

         Apontam também as influências ideológicas e conceituais de Negri, Hardt, Deleuze, Guattari, Foucault, Baudrillard etc, alguns bem conhecidos dos acadêmicos brasileiros, influindo também na concepção linguística, de cruzamentos e idiomas híbridos.

         Nós poderíamos citar, no caso brasileiro, a nossa recorrência a Fenellosa, Mallarmé, mais recentemente a Michel Sèrres (forjando filosofia, ciência e letras) e Edgar Morin, o filósofo do pensamento complexo para quem “o futuro da poesia reside em sua própria fonte” e, para citar alguns brasileiros e portugueses, vale lembrar os exercícios criativos de Augusto de Campos com Julio Plaza, a “arteciência” proposta por Roland Azeredo Campos, além de pioneiros como Wlademir Dias-Pino, Mario Chamie, E. M. de Melo e Castro e tantos outros que vamos citar na sua relação com os hispano-americanos que constam da Antologia que estamos resenhando. Aguardem.



 
 
 
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