Antonio Miranda diante do painel do Monumento aos Pracinhas,
no Aterro do Flamengo, no Rio e Janeiro, em 1962
NÃO, NÃO, NÃO... SIM, SIM, SIM!
Por ANTONIO MIRANDA
Quando estávamos no início da década dos 60 do século passado, o Brasil vivia grandes transformações políticas e culturais. Eu morava no Rio de Janeiro, mas a capital do país já era Brasília, numa reorganização da federação brasileira que culminou com o golpe militar de 1964.
No campo da poesia, os modernistas sobreviventes — Drummond, Bandeira — ainda competiam com as mudanças de paradigmas estéticos. A Geração 45, que pregava uma volta às origens, já estava em declínio, mas onipresente. Os concretistas, neoconcretistas, os praticantes do poema-processo e da poesia práxis ainda estavam em plena atividade. A novidade era o poema-protesto, o surgimento da poesia marginal, hippie, do rock e, numa linha própria, o genial João Cabral de Melo Neto e, mais ao norte, o surgimento do movimento Armorial e a criatividade de Ariano Suassuna nos anos seguintes... Lógico, havia cordel à antiga, atualizado pelo surgimento do Violão de Rua, com a supremacia da MPB subindo o “morro” — evitando o pejorativo “favela” — e as letras de música, pela condução de grandes poetas como o Vinicius, ganhava o reconhecimento da academia.
Eu fui ao Palácio Capanema, antigo MEC, assistir ao ex-tenente Carlos Prestes, líder do marxismo mais ortodoxo — já estava em ação o PCdoB dos ativistas Amazonas e Grabois —, na época em que o referido MEC publicava cadernos didáticos revendo a história do Brasil, depois queimados em praça pública no governo estadual de Carlos Lacerda. Prestes afirmou que o povo brasileiro estava preparado para assumir o poder e implantar a “ditadura do proletariado”. Veio em seguida a Ditadura Militar de 1964 e uma imensa “procissão” de religiosos em apoio à derrocada do Comunismo no Brasil!
Eu me autoexilei na Venezuela em 1966. Perguntaram-me, então, de que lado eu estava. Na esquerda ou na direita? Não, não, não! Queriam saber se eu estava, então, no “centro”... Respondi: — nem esquerda nem direita, contra tudo, mais bem um “anarquista científico”... Nietzscheano.
Em seguida veio o emblemático ano de 1968, com a juventude manifestando nas ruas de Paris, depois na Califórnia, em todo o mundo, menos no Brasil, onde a contracultura foi para o teatro, a poesia, o jornalismo clandestino, sob a repressão e a censura oficial!
Foi quando eu escrevi, incluindo alguns poemas ainda do Rio de Janeiro, traduzidos, o texto do espetáculo poético-musical “Tu País está Feliz”*, criando com Carlos Giménez o Grupo Teatral Rajatabla, levando apresentações por todo o país e a outros países latino-americanos e à Europa, ganhando prêmios em festivais na Colômbia, Puerto Rico e Espanha nas décadas seguintes.
O crítico de literatura e arte Roberto Pontual, tempos depois, publicou um reconhecimento à minha poesia “poegoespacial”, visual, numa revista da época e manifestou seu estranhamento por eu ter “abandonado” a vanguarda poética verbivocovisual e reassumido uma poesia discursiva e política.
Sim, política, mas “ideológica” — afinal, política é sempre ideológica, mas havia a convicção de que ideológica era sempre uma posição de esquerda. “Não sou contra, nem a favor, aliás muito pelo contrário.” Estava eu imerso, naquele período, nos textos contestatários do filósofo Herbert Marcuse. E praticando o que sempre fiz, e continuo fazendo até hoje: poemas visuais, líricos, satíricos, esperpênticos, filosóficos, ensaísticos, antipoéticos e até sonetos! Assinando-os com meu próprio nome de batismo, mas também usando pseudônimos, heterônimo e até valendo-me do anonimato... Valha-me Deus, que sou ateu!
Fico com a denominação que o poeta Waly Salomão me atribuiu: Miranda é um oxímoro!
*Para ver uma das montagens de Tu País está Feliz: https://www.youtube.com/watch?v=-_X_Zy_-Ors
Brasília, 7 de setembro de 2017.
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