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DE MIM 

"Quem sou eu para mim? Só uma sensação minha".
FERNANDO PESSOA
Eu me pergunto: quem sou eu para os outros?

Não sei como as pessoas me vêem, o que vêem em mim. Entendo que têm uma imagem formada de mim ao longo de uma convivência de trabalho e estudo - no caso de alunos e colegas da universidade - ou de relacionamento nas atividades gerais - na rua, em casa, nos grupos de interesses comuns. Não sei o que há de comum nessas visões. Eu mesmo sinto uma diversidade enorme nessas minhas identidades e me surpreendo, nas minhas contradições, criticando-me ou reprovando-me por condutas e posturas, digamos, "localizadas", circunstanciais.As pessoas ficam surpresas com a diversidade de meus interesses - na pesquisa, na produção literária e artística, nos colecionamentos, nos negócios pessoais, nos entretenimentos preferidos, nas amizades mais íntimas. São interesses irregulares, parecem não encaixar uns com os outros mas convivem com uma certa harmonia.

A unidirecionalidade do ser é um absurdo, uma hipótese improvável, contra natura, embora algumas pessoas figurem-se-me tão regulares, tão convencionais, tão previsíveis, tão rotineiras. Não devem ser. Todo mundo é complexo, é vário.

Eu também tenho as minhas rotinas, no plural. Como os demais, só que presumivelmente dissimiles e contrastantes. Convivo comigo em situações tão variadas e percebo que as mudanças dão-se como que automaticamente, sem maior esforço ou conflito. Não sei em que se apóia a constância de meu temperamento exposto a tal diversidade. Faço muitas coisas ao mesmo tempo, leio vários livros de uma vez, escrevo vários textos simultaneamente. Vou deslizando por tudo com uma fluidez sem crises e sem choques. Vou do frio ao calor dos relacionamentos suavemente, num rito de passagem, sem sobressaltos.

Vêm-me à mente sempre aquela figura do ator das mil faces. Ou do mímico amoldando-se a novas facetas com certa naturalidade mesmo que vá irado ou exultante, do cômico ao trágico. Um continuum na diversidade.

Não sei que cara tenho na Internet. Devo ter a cara que construí mas sempre me surpreendo diante das mensagens que recebo. Nem sempre elas respondem aos estímulos previstos, dizem coisas que contradizem o meu prognóstico. É bom que seja assim. Manuel Mujica Láinez, o meu amigo Manucho, dizia que o escritor tem a personalidade de seus personagens, isto é, projeta-se de alguma maneira neles mesmo que sejam contraditórios e opostos à sua individualidade. Talvez porque ele se realiza com eles, desdobra-se, multiplica-se. É amado ou odiado na "pele" dessas figuras metahumanas que cria tanto à sua semelhança como à revelia de sua própria personalidade. Vá entender esses mistérios!

Brasília, novembro de 2004.




 

 

 
 
 
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