ANÁLISE “E/OU/X” CRÍTICA...
CONJECTURAS E REFUTAÇÕES, À MODA DE POPPER...*
Por Antonio Miranda
Pois é, crítica. É um campo que pratica sua própria polissemia. Não me refiro ao crítico como o profissional de carreira, mas ao aficionado que escapa ao campo disciplinar, embora seja justo reconhecer seu exercício nas trincheiras de uma disciplina, com seus instrumentos convencionais, consagrados pela prática, eleitos pela ecclesia.
Comparemos com as especialidades médicas... Mas a medicina trabalha com um corpus “natural”, tido como “exato”. Mas a ciência pós-cartesiana não fica nesta dimensão simplista... E a crítica contemporânea, tampouco.
Na dimensão do pensamento complexo atual (Morin), transdisciplinar, as fronteiras disciplinares se expandem.
É ótimo o “olhar” de uma área específica sobre um determinado fenômeno — imaginando-se que, no sentido oposto, uma holística plena seja impossível —: o “recorte” é válido para dar relevo aos aspectos numa constelação de possibilidades de análise.
A ilusão do cientista das áreas “naturais”, lidando com fenômenos delimitados — como no caso citado acima, tentando esgotar o ângulo físico, objetivo, as it is. Mas a análise é também metafísica, inclui ambiente, condições próprias dos indivíduos, genética, somatismo. Cada corpo é um corpus... Cada poema é um poema!!!
Estamos num território pantanoso, prismático, desdobrável, infinito, inalcançável, mas que exige, a priori, que se definam limites, desde que explicitados pela metodologia para facilitar e legitimar os propósitos e os resultados das análises, e os alcances da “crítica”.
Análise e crítica se interpenetram, são inter(dependentes). Sem pretender exigir do “crítico” que necessariamente emita “juízos de valor”: a hermenêutica é sempre um juízo sem impor “julgamento” como corolário do processo. O que me fascina no exercício da crítica é justamente esta pretensa objetividade analítica. Mas o resultado é sempre fátuo e viciado, ou biased, exige uma leitura final, do leitor, instrumentalizada. Aliás, o analista precisa sempre revelar o seu método para induzir ou orientar o seu leitor, mas sabemos que os alcances são sempre críticos, ou seja, em permanente crise, sujeitos às “conjecturas e refutações” que fazem parte da heurística de toda leitura. Refiro-me ao conceito do “pensamento objetivo” de Karl Popper, de algo sempre provisório, em formação, embora “objetivo”, externo ao crítico, sujeito sempre ao olhar de outrem. É fascinante este processo inesgotável, labiríntico da obra aberta.
Sou um cientista da informação, por formação. Entendo que nós trabalhamos com “conteúdos” e o produto do trabalho dos cientistas produz “informação sobre a informação”, que precede o “conhecimento”. (Outra área complexa!!!). Para fugir da subjetividade, do entendimento de que o conhecimento é individual e exige ser exteriorizado, publicado em algum suporte, para ser objetivo (“conhecimento objetivo”, coisificado).
Devo parar por aqui, pois é a hora dos filósofos buscarem refúgio na crítica da razão pura, e a minha formação em filosofia é incompleta...
“Crítica” vem do grego krinem, julgar, “conferir valor às coisas” (Massaud). Pois é...
“Análise” vem do grego analysis, etimologicamente associado à ideia de “decomposição, dissociação, resolução” (Massaud).
Há uma relação dialética entre crítica e análise. Não sei se esta relação também existe entre crítico e analista.
“Análise”, segundo Ferrater Mora, no sentido platônico do termo, é um “método de investigação da verdade que consiste em buscar algo buscado”, contrário ao que afirmei no final de meu editorial* ao referir-me a Picasso, que dizia que não buscava, que encontrava... A verdade é inalcançável, a menos que se confunda o encontrado como o verdadeiro... Funciona melhor na matemática do que na poesia. Na poiesofia, como na matemática, sempre há o risco do “paradoxo da análise”!
Tudo isto é para afirmar que Antonio Vicente Pietroforte e Marcos Siscar são dois excelentes analistas, muito bem equipados, muito acima da nossa crítica literária convencional.
*http://www.antoniomiranda.com.br/editorial/poesia_brasileira_em_que_dire%C3%A7%C3%A3o.html [POESIA BRASILEIRA EM QUE DIREÇÃO?]
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Texto de e-mail remetido ao crítico MARCOS PASCHE a partir de um questionamento feito por ele, intrigado, pedindo para eu explicar melhor o que pretendia dizer que um determinado ensaísta era mais analista do que crítico...
Publicado em setembro de 2011.
C O M E N T Á R I O S / Ok.
Uma sutil contribuição: Conhecimento = crença verdadeira justificada...
Grande abraço.
Zenilton Miranda - Em 30 de setembro de 2011
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