| EDITORIALPortal de Poesia  Ibero-americana
 Brasília, DF, Brasil. ANO 16 No. 61 –Outubro-Dezembro 2019
 ISSN 2447-1178
     AINDA SOBRE CRÍTICA LITERÁRIA   por: Ana Maria Bernardelli             “O diálogo das linguagens não é somente diálogo das  forças sociais na estática de suas coexistências, mas é também o diálogo dos  tempos, das épocas, dos dias, daquilo que morre, vive, nasce; [...]” - M. Bakhtin   Mesmo que se  tenha hoje um olhar menos prestigioso para o papel da crítica no universo  literário, é indiscutível que ela permaneça como um dos instrumentos fidedignos  de se definir o valor e a função das obras. Dificuldades em tecer uma  equilibrada avaliação desses aspectos sempre haverá, seja isso relacionado a  uma valorização indevida de autores pouco eficazes esteticamente, seja na  depreciação inoportuna daqueles que apresentam determinada qualidade literária.   É comum ouvir  que houve uma suposta perda de credibilidade da crítica literária o que não invalida  sua presença. A crítica é uma espécie de resposta à recepção do texto; são  comentários, processos de recriação de sentidos agregadores e que, de certo  modo, acompanham o ato de criação. O que não se deve fazer é minimizar a sua  importante amplitude antropológica em discussões acerca do espaço que ocupa em  jornais, colunas, universidades. Intrigante também é a abundante produção de  resenhas, elaboradas por jornalistas, por acadêmicos ou mesmo por leitores  comuns sem qualquer instrumento de análise. Vivencia-se uma  época de liberdade de expressão em que a livre manifestação é entendida por uma  ligação quase visceral entre o julgamento de valor e o sucesso comercial. Não é  raro o exibicionismo, o oportunismo, a autopromoção e o marketing constituírem-se características de um cenário  questionável em que distinguir talento, objetivamente, se tornou uma atividade  quase impossível.   Nesse viés,  Cláudia Nina, escritora, crítica literária e jornalista brasileira, descreve “o  esvaziamento das polêmicas em relação aos cadernos literários, a complacência,  o consenso e a superficialidade das polêmicas, o esvaziamento do debate, das  ideias e da ausência e coragem de analisar obras e julgá-las.” Acrescenta ainda  que as obras chegam aos leitores sem o juízo crítico, “apagando o efeito de  despertar leitores para os textos analisados e minimizando a capacidade de  suprir as necessidades de um leitor culto.” Lembrando Antonio Candido.   Em tempos de mainstream, “apresentar uma crítica  equilibrada, calcada não só no sentido de um contexto cultural, mas no estudo  do autor e sua integridade estética, sem dissociar história e estética, forma e  conteúdo, erudição e gosto, objetividade e apreciação como uma explicação tanto  quanto possível total é tarefa hercúlea e quase nunca atingida.” Novamente se  apropriando das ideias de Candido.   O crítico  precisa, pois, estar atento às tensões constantes das nuances do espírito e da  sensibilidade de um autor, da obra como objeto vivo a fim de fazer jus ao seu  trabalho de pesquisa, informação e esclarecimento. Porém, é necessário dizer  que o crítico passa, antes de uma avaliação que compreende reconhecimento e  definição de valor de uma obra, por estados de simples interesse, constatação,  reprovação, ampla intuição e ponderação das ideias desencadeados pelo texto.   Ao longo do  trabalho de análise, comparação, as impressões diminuem dando espaço a  objetividade e consolidando os aspectos da atividade crítica do esforço de  compreender, interpretar e explicar para que se tornem claros o perceber,  compreender e julgar. Segundo Hilda  G. D. Magalhães, há dois planos de avaliação da obra: “no plano sincrônico, a  avaliação se efetiva através do ato da leitura e das análises teóricas  propiciadas por técnicas e métodos analíticos diferenciados de época para época.  No plano diacrônico a avaliação resgata o desempenho estético da obra ao longo  do tempo, quando é submetida aos parâmetros estéticos que se sucederam à sua  criação enquanto artefato.”   Esse  posicionamento, no entanto, não se fecha em si mesmo, tendo em vista a  longevidade da obra enquanto artefato e o fato de ela se apresentar como um  estranhamento para futuras leituras.   Em sua obra  Formação da Literatura Brasileira – Momentos decisivos, Antonio Candido analisa  os elementos de compreensão de uma obra , o que será aqui exposto aqui de forma  sucinta, mas que situará bem o leitor interessado no processo de crítica  literária.   Afirma AC que  diante de uma obra há vários níveis de compreensão, segundo o ângulo em que se  situa o crítico: fatores externos – o tempo a que elase vincula; fator  individual – o autor da obra e finalmente o texto que contém os elementos  anteriores e outros específicos. Essas três realidades devem ser tratadas ao  mesmo tempo além do idioma e sua contribuição para o propósito da obra. Sendo uma  realidade autônoma, a obra tem também definido o seu valor a partir de como  foram forjadas as impressões, fatos, ideias que constituem o ato criador: nível  de eloquência dos sentimentos, força de observação, disposição das palavras,  invenção de imagens. Entenda-se, no entanto, que não se limita a esse  procedimento somente; analisa-se a visão que a obra tem do homem, o  posicionamento frente aos temas, as manifestações do espírito e da sociedade  enquanto capacidade de inventar uma realidade numa organização formal concebida  em inusitada imaginação.   
                    Dessa forma, para analisar uma obra literária é  preciso enformar texto e contexto, considerando o diálogo entre ambos, visto  que o social desempenha importante papel na construção do texto. Na crítica literária,  ao analisar a organização interna das obras, analisa-se também a externa, pois  nessa organização o meio social está presente, pelo motivo de o autor, durante  a criação de uma obra literária, levar em consideração e/ou ser influenciado  pelos aspectos sociais.       
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