Home
Sobre Antonio Miranda
Currículo Lattes
Grupo Renovación
Cuatro Tablas
Terra Brasilis
Em Destaque
Textos en Español
Xulio Formoso
Livro de Visitas
Colaboradores
Links Temáticos
Indique esta página
Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 





Na foto acima, Da Nirham Eros (Antonio Miranda) com
 mochila em viagem pela caatinga de Pernambuco (1963)



No final do ano de 1962, quando eu morava ainda numa ladeira da Tijuca,

no Rio de Janeiro, senti a necessidade “sair por aí...” Não era a primeira

vez que eu me aventurava pelas estradas pedindo carona, andando em

ônibus por estradas vicinais, de trem e barco, de avião sem um roteiro certo, para o

desespero de meus pais que, no entanto, acabavam me ajudando.

Queria conhecer lugares, “conversar com o meu povo”, escrever um diário de

viagem, escrever uns poemas, tirar umas fotografias... O relato parcial destas aventuras está no livro Manucho e o Labirinto

(ver http://www.antoniomiranda.com.br/Obras/Manucho.htm),

obra editada pela Global Editora de São Paulo.

A viagem acabou sendo uma verdadeira maratona, começando pelo estado

de Minas Gerais, passando por todo o Nordeste, indo até o Pará e as Guianas

Francesa e Holandesa, seguindo para Manaus, todo o Centro-Oeste e sul do

Brasil, concluindo no Rio de la Plata. Os poemas escritos durante aquela viagem

de quase um ano eram, estilisticamente, bem diferentes dos que produzira nas

viagens anteriores (do Rio a Porto Alegre, em 1959 e pela Argentina, em 1962).


Da Nirham Eros e o fotógrafo Werner embarcando no avião
 da FAB rumo ao arquipélado de Fernando de Noronha (1963
)

Nos textos das duas primeiras viagens, eu usava uma linguagem mais hermética, mais experimentalista, que ia do versilibrismo às construções verbivocovisuais. No périplo de 1962-1963, optei por uma linguagem mais narrativa, descritiva, com acentos de lirismo e denúncia social.   Como de costume, submeti o texto aos amigos para receber críticas. Daquela vez recorri ao  Roberto Pontual e ao Sérgio T. Roberto que não gostava deste tipo de poesia mas fez elogios. Sérgio foi muito severo. Cortou alguns versos, criticou o excesso de prosismo de outros, considerou alguns muito panfletários... Mas gostou do texto. Segui quase todas as indicações que ele julgou pertinentes.   Depois publiquei alguns dos poemas no jornal “A Classe Operária”, do Partido Comunista do Brasil e, por volta de 1967, saiu uma edição mimeografada na Venezuela, sob o título “Versos Itinerantes. Amazonia”. Sim, comecei a minha própria “geração mimeógrafo” ainda na década de 60, no Consulado do Brasil de Caracas e nas oficinas da Faculdade de Humanidades da Universidad Central de Venezuela.   Alguns dos poemas do folhetim foram depois usados na obra Tu País Está Feliz como textos dramáticos ou serviram como letras para as composições de Xulio Formoso que podem ser ouvidas aqui em http://www.antoniomiranda.com.br/Xulio/xulioindex.htm. Esta edição digital conta com algumas das fotografias em que apareço em diferentes pontos do Brasil e da Guiana Francesa, a título de ilustração. São muitas as fotos em preto-e-branco e umas diapositivas coloridas focalizando lugares, pessoas e o próprio Da Nirham nos lugares visitados.   O espaço não dá para mais. Quem sabe um dia publico um álbum com mais fotos. Elas foram restauradas pelo webmaster Juvenildo Barbosa Moreira, a partir de originais precários, com alguns recursos técnicos que mudaram  cores e deram um certo clima memorialista ao conjunto, daí o apelo ao tom sépia e a cores nem sempre realistas..   São versos de juventude. Por isso mantenho o pseudônimo que usava naquela época: Da Nirham Eros. Se não valem como literatura, que valham como testemunho.   Antonio Miranda  

(3 Janeiro 2006

 

 

EXÓRDIO

 

Reside um mundo em teus olhos:

um mundo por ver, por ser ouvido.

Teus olhos furtivos, marotos,

arcadas longas e esquivas.

 

Reside um mundo em teus olhos:

um mundo de que faço parte

quase ausente: teus olhos me afastam,

atraem, divertem-se comigo.

 

Reside um mundo em teus olhos:

contraditório, fugidio,

longas estradas poeirentas,

mochila de lona às intempéries,

bússola,

teus olhos.

 

 

PROPÓSITO

 

Viajar as terras-glebas,

secas, casebres de palha,

calhas rangentes, tangentes de luz:

sol aberto, desertos de luz em teus olhos.

 

Medir dorso de canoas,

proas de navios, rios navegar.

 

Os trens vociferantes,

asfaltos escaldantes.

 

Há um mundo para os teus olhos,

para o celulóide dos filmes, mais:

por ouvir e compreender,

mundo de escombros, rombos,

de tortura e de fome.

 

Há um mundo de fausto

e de miséria, profundo claustro

e artérias, túmidas, sangue nas ruas

e o pão defendido a baionetas!

  

 

APELO

 

A caatinga aos céus

clama nos mandacarus:

círios para o alto,

a água mesma evaporando.

 

Sobe a caatinga em poeira

protestando nos espinhos:

teus olhos de fuga,

teu medo da luta.

 

Há um mundo por construir,

um mundo por transformar,

um mundo por destruir.

 

  

MOTIVO

 

Chuva,

cheiro quente da terra,

sol

pousado nas poças de agora.

 

Chuvas do Recife,

sol ardente em Jequié

brilhos olhos choram

na criança sem pão

pisando poças de agora.

 

Reflete a poça um céu injusto e mau,

céu dos homens que esperam,

prometem e esperam

a salvação divina:

espraia a poça a criança.

 

Porque a fome é de graça

no Nordeste,

seja ela uma oferta divina

ou imposta pelos homens.

 

Porque racham os pés

como racha a terra

à ausência das chuvas:

quando a morte é sobrevivência

o latifúndio assa os ossos do colono

e cerca com eles sua propriedade.

 

Para o nordestino

a morte é prioritária:

vem mesmo em domingo

e nunca falha:

vem subnutrindo. 

 

 

INSTRUMENTOS

 

Hoje, amor, senti

que o acompanhava

e que estava só:

não afináramos os instrumentos.

 

Faltou-me coragem

para brandir o metal das palavras.

 

Teus pés não são os pés do operário

que pisa o mundo que ele mesmo constrói.

 

Teus pés não são os pés do camponês

que abre sulcos para as sementes

e planta uma revolução.

 

(O latifúndio abre fendas

na terra como a erosão

e são covas para as vítimas.

O camponês abre trincheiras.)

 

Andas na terra

como num campo minado:

contornando-a.

  

 

MEDITAR

 

Há um mundo por compreender:

jegues de Amargosa

transportando a miséria

de uns para a fortuna de outros;

mendigos em Salvador,

sem salvação

contemplando o ouro de São Francisco;

a frieza das estatísticas do Nordeste,

a carência de alimentos

— fome,

o excesso de lucros;

meninas amanteigadas do Recife,

no Internacional, no Clube Português;

a “alta renda per capita” de Itabuna

para o ufanismo de uns poucos

como se a divisão fosse eqüitativa.

 

  

O CORPO E A LUTA

 

Dormes. Guardo teu corpo adormecido.

Sinto que teu corpo não basta,

Não basta contempla-lo.

 

Dormes. Teus olhos

cerrados, excluem.

 

Teu corpo não basta:

é um chassis, um

um vagão abandonado.

Guardas teu corpo,

exibes teu corpo

e o negas prometendo.

 

Teu corpo não basta:

é peso morto,

volume absurdo.

Dormes teu corpo,

recolhes teu corpo

numa redoma vazia.

 

Meu amor por ti

é amor comprometido,

expresso em exigências

e duras penas:

verbo metálico brandindo,

clamando o despertar

de tua consciência.

 

Não te peço amor por mim,

sim pelo mundo

que habitas distraído.

Quero que me ames como parte

e arauto deste mundo.

  

 

DETERMINISMO

 

Amor, a estrada é longa

e nós a temos inteira,

as botas novas, couro cru,

para trilha-la inteira.

 

Longas são as estradas

de nossa peregrinação:

não conseguimos fugir,

o espaço é um só

para nós, revesando.



Da Nirham Eros diante da cachoeira de

Paulo Afonso. Bahia (1963)

 


PROPÓSITO II

 

Dê-me a mão

a ver florescer o mandacaru,

a ver o algodão brotar da terra.

 

Os agaves enfileirados militarmente,

agressivos, apontando suas espadas.

 

Venha ver o São Francisco

colossal, encurralado em Paulo Afonso,

esparramado mais adiante:

e é o mesmo rio!

O da garganta rouca e trêmula

e a placidez

sob a alvura dos saveiros

— triangulares, arquejantes velas —

em Própria, em Penedo.

 

Eu te quero mostrar

desta janela em hotel-beira-de-estrada,

desta casa de estudantes,

desta pensão gaúcha,

deste albergue noturno em Curitiba,

ou desta rede de pouso,

a cara mais íntima

de minha gente.

 

Sem estabelecer horários,

sem organizar rígidos itinerários

como as agências de turismo,

porque a gente que buscamos

resiste aos protocolos,

odeia toda burocracia,

deve ser vista de surpresa

e sem compromissos.




Singrando o rio São Francisco (1963)  

 


CARTÕES-POSTAIS

 

 

I

Depois vejamos Mossoró:

o gesso em que forjamos homens,

o sal com que os temperamos,

e a carnaúba, abanos da seca,

e o abandono da terra

agreste, cactosa, por reflorestar.

 

É inverno

e há também chuvas

raras, com precipitação gaga

e acidental:

para o monopólio da terra,

alheia à exploração do sal

curtindo o dorso nu

dos salineiros).

 

É inverno

e também há chuvas:

para os leques das carnaúbas

e a lavagem dos cristais

do sal, erigidos em pirâmides,

quando as não desmontam.

 

 

II

Ao Rio Grande do Norte

— aviltado, envilecido —

Do despotismo político

e da indústria da seca.

 

III

 

Ao Pará, no Ver-o-Peso,

em Macapá, na Serra do Navio,

em toda parte

estará a gente à nossa espera,

aceleremos o passo!

 

 

IV

Amor, os inselberges de Patos

emersos do solo erodido,

ilhas dispersas em depressão

semiárida, pedregosa e ensolarada:

para os pés, alpercatas de couro cru

e carcomidas enxadas:

os lavra dores.

 

Em Patos, Paraíba, um oásis

talhado sobre o granito,

amplas planuras dispostas

para os nossos pés andarilhos.

 

 

V

Amor, as extensas praias cearenses!

Claras e luzidias, a areia caminhando

em dunas colossais, açoitadas

pelo vento, formando bizarros relevos;

também os nossos pés, sulcando

a areia; as pegadas, fendidas,

mais leves que as dos pescadores

com o peso de seu duro trabalho.

 

 

VI

Árido sabor das estradas,

areias em suspensão,

pestana breve do motorista

e meus olhos, ávidos de paisagem,

insones, ruminantes e analíticos.

 

Sempre estradas, muitas curvas,

sinais, inscrições de paralamas.


Em São Luis do Maranhão (1963).
 


VII


E as ruelas maranhenses

de sobem e descem

nas cadeiras das mulheres

 —  cores da noite, balcões vetustos

e seios amendoados,

proeminentemente,

arabescos de ferro

e rendinhas caprichosas.

 

As curvas da orla marítima

e a mulata ondulando,

subindo, descendo ladeiras,

refletida nos azulejos

— estamparia de seu traje

corriqueiro; convexidade

as velas e as nádegas

da mulata (mastros de barco)

copulando o marinheiro.

 

 

VIII

Ah, os meninos de beira-de-estrada,

das pequenas estações,

dos portos amazonenses,

dos postos de gasolina,

teus cofos de pitomba,

teus feixes de pescado

e as pamonhas com café! 

Da Nirham Eros na pesca em Pajuçara, Alagoas.
 


IX


Ah, o peso das horas

no corpo mal dormido,

a água fria das nascentes

e o bom dia na pensão de estrada

em Teófilo Otoni, em Colatina,

em Uberaba!

 

Neblina serrana, cristalina fonte,

o trem vencendo túneis,

descendo a serra

rumo a Paranaguá.

Ah, o frio, estaçõezinhas

quase sem nome,

o café à janela,

teu corpo a meu lado.  


Werner e Da Nirham Eros em Fernando de Noronha.

 

EM FERNANDO DE NORONHA

O som do mar

às rochas vulcânicas

em Fernando de Noronha.

Mar devorando corpos

mutilados a relho e sol,

torturados a ferro

e estilhaços no Estado Novo.

 

Porque a ilha não é apenas

a beleza dos seus picos

e a cor transparente

do mar nos arrecifes.

 

É também o seu calçamento

de pedras transportadas

no lombo nu dos desterrados,

dispostas no chão à unha.

 

As “solitárias” fétidas e frias.

O sol no chão dos condenados.

Os fundos olhos arregalados

enxergando a morte.

 

Teus pés não devem pisar

estas pedras roliças, amor,

sem ouvir-lhes os gemidos

sem ver as frias suásticas de sangue

devorando, incinerando os corpos.

 

As suásticas girando, buscando

sempre novas vítimas

e sepultando como um arado:

após revolta-las.

 

Mas preferes o mar como turista

despindo-te de toda responsabilidade.

No navio Lobo d’Almada (1963)


AMAZÔNIA

 

1

Lá vai o Lobo d’Almada

pelos portos do Amazonas,

verdes margens,

paisagem já memória.

 

Lá vai o Lobo d’Almada

apitando, singrando o rio.

 

2

Que é o homem

neste verde deserto,

imenso, desconhecido?

 

3

Lá vai o Lobo d’Almada

em festa, cursando o rio:

Óbidos, Santarém, Almeirim,

minúsculos pontos no mapa.

 

Gaivotas suicidas

no tombadilho em festa,

caboclas sempre verão

e a umidade dos seios

e virilhas.

 

4

Lá vai o Lobo d’Almada

pelo dulce mar de meus sonhos

infantis, de minha aventuras

imaginárias.

 

Paisagem: tronco a serpente enlaça

(cipó, em que medra a flor,

hera indômita) em que repousa

o tempo, verde tempo.

Vontade de adentrar a extensa planura!

 

5

A lua no convés.

Onde o homem

nesta paisagem sem fundo

e sem começo,

ilhada e vazada de igapós?

 

6

O abraço do Rio Negro

ao Solimões,

abraço penetrante,

tons barrentos e escuros,

cambiantes.:e

vê-lo do avião, do navio,

do poema, a natureza comungando.

Lá vai o Lobo d’Almada.

 

7

Manaus incrustada na selva

vivendo a memória

de seu ouro-borracha;

sobre estacas, no rio, a cidade flutuante

e a torre-abóbada

de seu faustoso teatro.

Uma promessa toda de prosperidade

e a natureza pesando sobre os homens.

 

 

Estreitos de Breves e Óbidos

 

É ali onde o Amazonas

abre seus braços, buscando

o mar, ali é o Estreito de Breves.

Quando ele acotovela, vacila,

mas decide-se, então é Óbidos.

Sequer supõe, em sua calma,

a fúria do mar adiante

e será visto, inda mar adentro,

ao largo, quilômetros afora,

resistindo heróica mas inutilmente:

deixa de parecer para ser mar.  

 

 

Estratégia, os afluentes

 

Descendo vai o rio

recebendo aliados.

Já na foz, tão largo e imenso,

parece o próprio mar que enfrentará.

Nem estuário nem delta,

sua tática é, antes,

o ataque direto, ao norte,

e morte pelos flancos do sul.

 

O Madeira, o Tapajós, o Xingu

emprestam-lhe destro apoio.

Misterioso Negro e o Trombetas

se incorporam pela esquerda.

O Tocantins apóia os flancos do sul.

 

  

Os portos

 

Portos do Amazonas,

cidades acrópoles

temendo as cheias do rio.

Itacoatiara, Oriximiná, Alenquer.

 

Portos do Amazonas, perdidos,

o rio é a grande via circulatória.

Chega o navio e já é festa.

Caboclos de pé-no-chão, araras,

Castanhas, pacas e piranhas,

Catraias da luta à morte e à fome.

Amor, eis o desafio:

pode haver miséria

em tamanha riqueza?

 

 

As ilhas

 

Ilhas do Amazonas (Marajó, Mexiana,

Porcos, Caviana, Garupa), verdes ilhas,

algumas transitórias,

ou sedentárias, verdes ilhas.

 

A pororoca

 

O rio não quer morrer:

estruge cresce clama à lua

que lhe estanque suste o curso,

contenha suas águas.

 

 

INSTANTÂNEOS

 

Olinda

 

É o mar que perfura, socava,

corrói.

As igrejas continuam calmas,

Limosas,

Desconhecendo o tempo.


Própria

 

Velho carro de boi

rangendo, gemendo, pulando

paralelepídedos, poliedros

de Propriá.

Lado a lado são tantas as portas

nas ruelas do comércio!

O São Francisco desliza placidamente.

Saveiros de duplas velas vão a Porto Real do Colégio.

Louros meninos do cais, tostados dourados,

teus pais, onde estão?





Cabedelo

 

Nas ruínas do forte pasta o jumento,

ao largo passam os navios:

“Vou pro sul nesse navio,

Ainda vou pro sul de navio.”

Nas quilhas de navios mortos,

na praia, mariscos parasitam.

 

 

Noite em Recife

 

Esta é uma noite em Recife:

mendigos disputando esmolas.

A gente aprende que a miséria

também exige concorrência.

 

Às margens do Capibaribe

o concílio prostibular:

coxas insinuadas no

brilho setinoso e justo.

 

Arestas de luz, frestas

para os olhos, as fendas

vaginais: o conduto

e esperma, jorro célere.

 

Visita as ruelas recifenses

mas não as de Boa Viagem:

lá as putas falam inglês

e se cotizam em dólares.


Mercado Municipal de Aracaju, Sergipe.



Feiras nordestinas

 

Feiras de meu país, semanais,

cotidianas, onde não chegaram

ainda

os supermercados, os shopping centers.

 

Todo o nordeste se congraça,

troca, circula e se conhece aqui.

Amor, ouça os pregões estridentes

dos vendedores populares.

 

Vieram de longe, em jegues,

do sertão, sinuosos caminhos,

caminhões,

ainda madrugada.

 

Feira de Santana, Amargosa, Água de Meninos,

em Teresina, às margens do Parnaíba,

em Tianguá, Codó, São Benedito, Mossoró,

ou no velho mercado de Aracaju.

 

Feiras gerais, por vezes típicas,

feitas dominicais,

feiras disso e daquilo,

sempre a feira nordestina.

 

Feira de Campina Grande,

de Crato, Vitória da Conquista!

Onde não chegaram a indústria

supre o artesão as necessidades.

 

(Medievais, mouras feiras, vitais). 

 

 

Vitória da Conquista

 

 

  Os mendigos estão em toda a feira
expostos como mercadorias,
estendendo a mão desde os seus andrajos:
de baixo para cima.
 

Os mendigos estão em toda a feira
como em leilão,
ornados com seus andrajos:
de cima para baixo.  

Mendigos, há-os de todo tipo

em Vitória da Conquista:
as prenhas, os cegos, as aleijadas,
também
os meninos famintos
roendo os alicerces.
 

Há mendigos
de todos os feitios:
de alpercatas, místicos e os que cantam,
ritmos locais, as suas dores abertas
em chagas

aos teus olhos

filântropos.

  

 

Trem suburbano

 

Que lindo vê-los,

amor,

suados,

as marmitas desmontadas,

alegres

porque voltam para casa.

 

Os corpos imprensados,

encurralados, no trem.

 

E lhes sobre humor

para rir

da própria desgraça!

 

  

Bonde e condutor

 

O bonde que espreita

as esquinas agora

deixa as palavras

de seu construtor?

 

Neste condutor de bonde

o que age é a calma

do que vence distância,

não o olhar do que passeia.

 

 

Igrejas de São Francisco

 

Igrejas de São Francisco,

tão ricas, ornadas,

esmeradas obras de arte,

por vezes irreverentes.

Em Ouro Preto, em Salvador,

São João del Rei,

João Pessoa, ou mesmo

às margens da Pampulha.

 

Calvários de meu povo,

ornadas de ouro,

cinzeladas a prata, mármore,

rara águia bicéfala,

antes suntuários mausoléus

que votivas catedrais da fé.

 

 

Serra do Mar

 

O trem vencendo túneis,

descendo serra

rumo a Paranaguá.

Ah, o frio, estaçõezinhas

quase sem nome,

café à janela,

teu corpo a meu lado.

 

 

Ouro Preto

 

Onde agora o facolito

é corte exposto à estrada,

vieram homens a facão.

 

Onde agora se ergue

poderosa torre Pilar,

negros transportaram pedras.

 

Onde agora reluz altar

em talhas tão preciosas,

banharam-nas quintos de ouro.

 

E ali, no frio, grilhões masmorras,

os negros mourejadores das minas

morreram de ouro, à mingua.


 Em Florianópolis, 1963.



As esquinas de Parati

 

Busco uma voz

uma resposta

das esquinas

imprevistas

 

Paredes caiadas

telhados limosos

o mundo termina

nas ruas de Parati

 

Cumeeiras do sono

odor antigo a

invadir nossas

narinas: solidão

 

As pedras roliças

oblongas, disformes

do calçamento:

nossos pés inseguros

 

Há um mundo

em Parati

— não exatamente

o nosso. Aonde?

 

Labirintos da idéia

as ruelas estreitas

e a busca interior

Trotam mulas

 

Tocam sinos

correm trôpegas

crianças e jegues´

paredes pendentes

 

Quando o sol

as frestas de luz

a doce sombra?

 

Claustro aberto

 

  

Fim


 Em Cayenne, Guiana Francesa, 1963.
 




 

 

 
 
 
Home Poetas de A a Z Indique este site Sobre A. Miranda Contato
counter create hit
Envie mensagem a webmaster@antoniomiranda.com.br sobre este site da Web.
Copyright © 2004 Antonio Miranda
 
Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Home Contato Página de música Click aqui para pesquisar