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Ao situar a informatização do terceiro mundo, implementada no Brasil principalmente pelas instituições bancárias, o autor, sempre crítico e polêmico, procura destacar que não se trata somente de uma questão tecnológica, mas um processo de renovação acelerada, que altera as relações de poder do Estado moderno e sem o qual as nações não poderão sobreviver. Apesar da situação adversa da América Latina, os avanços brasileiros na telemática, conseguidos às custas de uma dívida social preocupante, devem ser compreendidos como mensagem e massagem (McLuhan) de socialização e condicionamento político. A informatização impõe uma nova ordem social que privilegia os meios tecnológicos de registro. Mas não basta a ótica dos futurulogistas, é preciso a consciência de que o processamento e a análise de dados também podem perigosamente viabilizar, conforme alerta o autor, uma processualística repressiva e arbitrária, colocando em risco a democracia plena com efeitos danosos sobre o cidadão comum. Em "Globalización y Sistemas de información: nuevos paradigmas e nuevos desafios" Miranda mostra a necessidade de um controle social efetivo sobre os produtos e serviços informacionais. O trabalho reconhece o papel do Estado como agente mantenedor da infraestrutura, garantindo os direitos do cidadão à informações fundamentais para seu crescimento pessoal, em sistemas amigáveis e interativos, revertendo assim o processo de dependência científica e tecnológica. A educação moderna deve promover mais metodologias de recuperação e uso da informação em redes virtuais, com ênfase nos valores locais. Estas idéias inicialmente apresentadas na Conferência Regional de Políticas e Estratégias para a Transformação da Educação Superior na América Latina e Caribe (Havana, novembro de 1996) também foram discutidas por especialistas em conhecimento e uso de novas tecnologias de informação e comunicação em um encontro promovido pela Unesco na cidade de Caracas em 1997. Recentemente, durante um encontro de especialistas no México, Miranda focalizou o acesso aos conteúdos sob o prisma da Teoria dos Sistemas (com origens na biologia de Bertalanffy) e da Teoria do conhecimento Objetivo (do filósofo Popper) apostando em um movimento transnacional integrador de repositórios e núcleos difusores do conhecimento. Em "Sociedade da Informação, conteúdos e acessos em perspectiva" destaca o ideal de acesso em redes e sistemas de ação cooperativa, como os grandes catálogos coletivos que possibilitam um efetivo controle bibliográfico servindo como exemplo emblemático da política informacional defendida pelo autor. Para que os sistemas promovam acessibilidade em uma grande rede é preciso considerar sua configuração horizontal, com unidades autônomas, organizadas conforme padrões consorciados. É preciso aceitar sua hierarquia e convenções moldadas para o bem comum como uma atividade necessária à compreensão do fenômeno informacional não apenas de forma objetiva, tal qual defende o popperiano diante de seus pares, mas principalmente saldando a dívida social que cientistas e profissionais têm com os excluídos da Sociedade do Conhecimento. A chegada da sociedade da informação pode concretizar o sonho da universalização do acesso e uso de meios eletrônicos para gerar desenvolvimento. Como coordenador do grupo de trabalho sobre conteúdos e identidades do programa Sociedade da Informação do Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil, Miranda defende o papel dos sistemas informais e formais, notadamente das escolas, bibliotecas e universidades, como agentes de apoio às políticas públicas no trabalho "Sociedade da Informação: Globalização, Identidade cultural e conteúdos". Considerando a imprevisibilidade da inteligência humana diante da automatização do trabalho intelectual, e a incontrolabilidade dos conteúdos, há inevitavelmente a necessidade\de uma ação pública reguladora, que garanta a cidadania e as culturas nacionais. O Brasil, assegura o autor, é presença importante na teia de países mais ricos culturalmente. A prioridade no futuro será daqueles que souberem selecionar e tratar suas bases de conhecimento, em ações normatizadoras e metodologias competentes e cientificamente discutidas. Miranda ressalta que a informatização global não se restringe aos processos de transferência de informação e interdependência de dados, mas implica também uma avaliação dos direitos individuais, dentro das perspectivas sociais, éticas e políticas. A infra-estrutura de serviços de informação, portanto, envolve todo o tecido social. Para Miranda, a cultura nacional é um discurso, um modo de construção de sentidos embutido na língua e nos valores regionais e sincréticos, um software precioso que identifica os países globalmente tornando-os únicos. SEGUNDA PARTE - CIÊNCIA EM EVIDÊNCIA A explosão da informação digital só aumentou as fronteiras temáticas e metodológicas da pesquisa em Ciência da Informação, motivando a integração de grupos heterogêneos que buscam respostas para as complexas relações sociais e problemas de comunicação e utilização de conteúdos. Mesmo com carências técnicas e estruturais, a área se renova superando seus próprios limites. Ao lado de outros especialistas, Antonio Miranda tenta compreender quais instâncias reguladoras devem nortear o ensino e a pesquisa da Ciência da Informação, diante do impacto das tecnologias de comunicação. A partir de uma análise conjunta com Mueller sobre "O ensino da biblioteconomia no Brasil", traça o perfil do profissional do futuro com a idéia fixa de uma disciplina multimeios que atenda às exigências do mercado diante da informatização e dos conteúdos digitais. O artigo demonstra que a crise de conceitos biblioteconômicos é resultado do crescimento de uma área estratégica para o crescimento do país em um modelo que tem a informação como força motriz. Ao realizar uma revisão crítica nas metodologias utilizadas na área, suscita em "Biblioteconomia comparada", uma discussão sobre a função do método comparado no processo de planejamento e administração de bibliotecas e sistemas de informação, notadamente, conforme assegura, no processo decisório de importação de tecnologia informacional. Enquanto método científico de justaposição e comparação de dados, o estudo comparado tem muitas acepções, o que torna sua utilização um dilema para o pesquisador. Miranda, no entanto, destaca que justamente por permitir uma variação de comparações e situações, o estudo comparado pode representar uma excelente metodologia para as ciências sociais no Brasil, possibilitando a troca de experiências com bases mais científicas e voltadas para o interesse nacional. Com Barreto descreve a evolução do paradigma da Ciência da Informação no trabalho "Pesquisa em ciência da Informação no Brasil, síntese e perspectiva". Segundo destacam os autores a demanda por conhecimentos especializados cresce a partir da implantação de grandes sistemas de informação, como o IBBD e a BIREME, que criaram um ambiente propício para a pesquisa. O apoio de agencias de fomento como o CNPq e a CAPES foi importante já que o atual modelo garante uma participação efetiva da comunidade científica na formulação de políticas e na repartição de recursos. Através de uma revisão dos principais estudos sobre os traçados e perspectivas da área no país, o artigo aponta a diversidade das temáticas que envolvem desde a organização de conteúdos e informação tecnológica até os aspectos teóricos e metodológicos, exigindo também uma discussão epistemológica freqüente. Implementada há mais de trinta anos em diversas instituições brasileiras. TERCEIRA PARTE - METAMETODOLOGIAS Com investidas inusitadas, recentemente no México Miranda defende "Uma metametodologia para a ciência" e afirma que não há limites teóricos para o conhecimento, principalmente para a Ciência da informação, que recorre a métodos e teorias de outras áreas sempre que se confronta com situações diferenciadas. "Ciência da Informação e a teoria do Conhecimento Objetivo: um relacionamento necessário" confirma o pensamento popperiano do autor em sua trajetória de pesquisador nas ultimas duas décadas. Os três mundos de Popper parecem conviver freqüentemente com Miranda sempre preocupado com as questões práticas, mas antenado com as inovações e tendências da pesquisa. Entre o físico e o metafísico, se concentra no entendimento do mundo do conhecimento objetivo para encontrar o aporte teórico que substancia sua obra. A objetivação do conhecimento em registros coisifica o pensamento humano e transforma uma idéia inalcançável numa informação acessível e passível de critica... "Conjecturas e refutações" (Popper). Matéria prima da Ciência da informação, a literatura científica, com suas propriedades físicas, campo de domínio biblioteconômico, possibilita o avanço de todas as ciências, de seus rituais legitimadores e perfecionistas. Para os cientistas da informação fica claro que os documentos têm uma especificidade que determina funções e uso, requerendo para o "mundo 3" uma especialização, que reforce a natureza prática da área como também subsidie teorias para a informação registrada, com as novidades que a experiência sempre propicia. A interpretação de Popper a um pensamento de Descartes, segundo o qual o espírito humano deve tentar tudo para alcançar algo, ainda que provisório e condenado a critica, faz Miranda ressaltar que a Ciência da informação, entre as limitações tangíveis do empirismo e as especulações da metafísica, sobreviva por antítese e síntese dessas contradições. É onde encontra substancia para progredir diante de uma "teorização empírica" (Popper), resultante do processo de critica da atividade profissional. "O método indutivo e pesquisa na área de biblioteconomia" é também uma análise com visão popperiana a partir da proposta de Goldhor como alternativa viável à formulação de hipóteses e leis que sejam úteis para o planejamento e administração de sistemas de informação. Em confronto com correntes racionalistas o método indutivo, na verdade, pode ser uma opção complementar ao pensamento científico mais clássico. Partindo de uma revisão da literatura, Miranda extrai algumas idéias que podem ser utilizadas nas pesquisas biblioteconômicas, normalmente direcionadas para a organização e difusão de informações em diferentes suportes. O estudo indutivo revela a abrangência maior da área diante de um objeto tão complexo, favorecendo a renovação do construto teórico, além de uma margem confiável na formulação de conclusões em pesquisas aplicadas. No trabalho "Conceituação da massa documental e o ciclo de interação entre tecnologia e o registro do conhecimento", apresentado recentemente na Espanha durante o International Society for Knowledge Organization (ISKO) Miranda e Simeão defendem sua proposta para a estrutura do documento. É um trabalho marcante. Tipo, conteúdo, Formato e Suporte integram a célula do conhecimento registrado, principal objeto de estudo da Ciência da Informação. O documento, por suas características peculiares, é objeto de instâncias reguladoras gerando expectativas diferenciadas por parte de leitores interpretantes, tornando-se elemento de uma indústria editorial em constante mutação. Os formatos estariam diretamente ligados ao trabalho dos cientistas da informação e os conteúdos a qualquer área do conhecimento que deles se apropriam. O artigo evidencia que a polissemia do termo informação é conseqüência de sua amplitude e sua adaptabilidade faz parte do processo de interação com a tecnologia, tornando-se inócuo legitimar uma única concepção, ainda mais quando se trata de uma área multidisciplinar. A idéia de uma metametodologia para a Ciência da Informação como uma ação derivada da integração teórica e metodológica que supera orientações e aplicações originais é o primeiro passo para grandes projetos do autor. "Tudo é experimentável, vivenciável, no concreto e no abstrato..., mas sempre de forma objetiva" (Miranda, 2003). Na ciência como na arte tudo é possível e não há limites, apenas obstáculos. Em Antonio Miranda a alma do artista muitas vezes confunde-se com a do cientista. Sua ação profissional parece sempre provocante como uma obra de arte. Já suas poesias e contos, construídos com igual maestria, são depoimentos de vida precisos e transformadores. A Ciência da Informação parece ter com ele muitas coincidências. Assim é seu perfil: imprevisível, polêmico, um defensor de idéias que vêm para explicar e também confundir. Como bem definiu McLuhan, a quem também admiro, o artista é o homem que, em qualquer campo, científico ou humanístico, percebe as implicações de suas ações e do novo conhecimento de seu tempo. É o homem da consciência integral.
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