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DUAS ABORDAGENS NO PROCESSO DE DEFINIÇÃO DO PROFISSIONAL DA INFORMAÇÃO, À GUISA DE APRESENTAÇÃO

 Antonio Miranda

Na Sociedade da Informação ou do Conhecimento, a tarefa de definir o profissional da informação resulta complexa e até mesmo paradoxal, se considerarmos a ambigüidade com que o termo vem sendo utilizado nas diversas áreas das atividades de pesquisa, de ensino e de prestação de serviços à comunidade. Nem se pretende remontar ao argumento desconcertante da polissemia do termo informação, como já o fizeram os cientistas Wersig e Nevelling, porque resvalaríamos para uma diversidade de critérios e de visões.

Em outra vertente de análise, igualmente pantanosa – onde se considera a informação como matéria-prima de toda e qualquer atividade humana, as possibilidades de definição do profissional resultam ainda mais abrangentes.

Em verdade, estamos diante de duas abordagens que não se excluem e que, somadas, potencializam uma multitude de possibilidades para as definições de perfis, habilidades e competências profissionais.

A segunda abordagem – comecemos por ela – é de natureza consuetudinária e diz respeito ao levantamento do estado da atividade do profissional da informação como base para a sua definição. Muitos estudos vêm sendo realizados, em todo o mundo, nesta diretriz, com o intuito de descobrir e revelar o espaço e a caracterização pormenorizada da ação do profissional da informação na sociedade. É um método eficiente que revela – ou releva, como preferem os hispanos – os perfis em determinado momento e lugar, de maneira  mais ou menos ampla conforme a duração e a cobertura geográfica da enquête junto aos empregadores e aos próprios profissionais na ativa. Esse foi o procedimento que, em seu tempo, realizaram Iraset Paez Urdaneta, em estudo para a Unesco; Mariano Maura, que absorveu a metodologia em Pittsburgh; a IFLA, em escala mundial e, entre nós, Kira Tarapanoff, na última década do século passado. Tem o mérito da objetividade e o defeito – se assim quisermos chamar a sua limitação – de seu foco que dificulta generalizações e universalizações, a menos que sejam aplicadas análises exaustivas. Com o problema adicional de revelar um quadro instantâneo que, pela natureza do fenômeno observado – sujeito a transformações aceleradas, por causa do impacto das novas tecnologias da informação, torna-se rapidamente defasado ou obsoleto.

No entanto, a definição consuetudinária pode ser a mais útil, aplicável e segura forma de abordar a complexidade do fenômeno, mesmo que o objeto de análise se revele – como realmente acontece – mutável e variado, mesmo assim dando base firme para a descrição de cargos e rotinas, para a hierarquização de funções e atividades e para o planejamento da educação e do treinamento do capital humano existente ou recrutável. Pode levar-nos a interessantes e válidos estudos de prospecção, de mercado, a programas de fomento na capacitação de recursos humanos e a currículos e conteúdos programáticos mais realistas.

Na prática, considerando os desníveis de desenvolvimento das regiões do mundo ou dentro dos países, pode dar lugar a programas de pesquisa, de formação de pessoal, como podemos verificar nos exemplos dos cursos de pós-graduação em ciência da informação e de biblioteconomia em diversos países, considerando os níveis de sofisticação das atividades requeridas nos sistemas de informação, em escala planetária. Em todos os casos, exigindo revisões nos conteúdos dos programas, de forma continuada, por causa das transformações da tecnologia da informação. Esta diversidade, não raras vezes, tem levado a cisões, a novas especializações e a mudanças nas denominações dos profissionais formados, cada vez mais diferenciados. Situação que tem provocado disputas por reservas de mercado profissional e problemas de certificação e reconhecimento de títulos, diplomas e outros certificados outorgados pelas corporações.

A primeira abordagem, que intencionalmente deixamos por último, é a teorética e está baseada no estado do conhecimento profissional acumulado pela prática e consubstanciada pela teoria, que pretende legitimar definições mais universais e transcendentes. Quando aplicada a profissões de longa e mais estável tradição – aos médicos, engenheiros, biólogos, etc – e não ao profissional da informação propriamente dito, a definição resulta mais polêmica. Embora seja óbvio afirmar que todas as áreas do conhecimento foram impactadas pelas novas tecnologias, que todas têm suporte na informação, que é possível encontrar divergências quanto às definições de tais profissões clássicas, pelos seus epistemólogos, há um grande diferença entre tais profissionais e os da informação, como pretendemos demonstrar, ainda com o risco de sermos acusados de simplismo.

Onde estaria a diferenciação desses profissionais com os da área da informação propriamente dita?

Poderíamos tentar diferenciá-los afirmando que os primeiros – os médicos, engenheiros, etc – atuam em áreas de conhecimento substantivo. E aqui apelamos, uma vez mais ao filósofo Karl Popper- sempre recorremos a ele em dificuldades como esta porque a Teoria do Conhecimento Objetivo continua assente e ainda não contestada; para a idéia do Mundo 1, ou seja, do mundo objetivo e concreto como objeto da ciência: o nosso entorno físico, os fenômenos visíveis, tangíveis e reconhecíveis, externos ao homem e à mulher. Entram nesta categoria também os profissionais que trabalham com o Mundo 2, com os fenômenos metafísicos. Os conhecimentos desses mundos formam as ciências clássicas, sejam puras ou aplicadas, e constituem atividades profissionais especializadas.

Os profissionais da informação, em contrapartida, trabalham – segundo a visão popperiana aqui defendida – com os registros do conhecimento  das referidas áreas profissionais, considerando todo o ciclo informacional, desde a geração até o uso pela sociedade.

Antes de seguir com o presente raciocínio, convém considerar que médicos, engenheiros, etc., trabalham também, como os profissionais da informação, com informação científica e tecnológica de suas áreas de graduação. É bom frisar que, no caso extremo em que eles desenvolvem tais atividades exclusivamente com sistemas de informação especializada, eles, os profissionais graduados nas áreas de especialidade, mesmo sendo engenheiros e médicos, atuam como profissionais da informação sobre medicina e engenharia. Tais tarefas poderiam estar sendo exercidas, com maior ou menor proficiência, por graduados de outras áreas do conhecimento ou mesmo por bibliotecários, sem qualquer formação nas aludidas áreas de especialidade. Ou seja, os profissionais da informação trabalham com arquiteturas e conteúdos informacionais em apoio às áreas especializadas do conhecimento.

No entanto, é lícito reconhecer que os especialistas das áreas específicas, cada vez mais, requerem treinamentos no uso de sistemas de informação para o melhor exercício de suas profissões, sem que isso os transformem necessariamente em profissionais da informação, na acepção defendida no presente livro.

Com uma área de atuação “exclusiva” ou própria, os profissionais da informação no seu sentido estrito criam regras, normas e modos de produção e difusão do conhecimento registrado, inclusive desenvolvendo – e cada vez mais é assim – a tecnologia requerida no processo de seu armazenamento e de sua transferência, além das teorias que lhe dão sustentação.

Esta forma de identificar os profissionais da informação favorece a sua categorização mas exige, obviamente, exercícios taxonômicos próprios que estão (e que sempre estarão) em curso de desenvolvimento e atualização. Não cabe, numa apresentação como esta, aprofundar o assunto mas apenas apontar a direção dessas novas abordagens. Elas não excluem as análises consuetudinárias anteriormente apontadas. Ao contrário, as abordagens teoréticas vão estabelecendo arquétipos e mapas conceituais que se tornam mais visíveis à medida em que forem sendo explicitados ou permenorizados mediante análises adequadas, numa interrelação necessária de sentidos e legitimações.

Os textos a seguir encaixam-se nestas visões profissionalistas, abordando desenvolvimentos jurisdicionais, identitários, multidimensionais, tecnológicos e culturais, num mosaico que permite aproximações válidas ao estudo do fenômeno, sem pretender esgotá-lo.

A intenção da série Estudos Avançados em Ciência da Informação é a de reunir e divulgar textos de especialistas para fomentar a discussão de temas nas fronteiras da ciência da informação. O presente volume é mais uma oportunidade criada pela parceira entre o CID/UnB e a Editora Thesaurus com este propósito.




 

 

 
 
 
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