PAULO MENDES CAMPOS
Nasceu em Belo Horizonte em 1922 e faleceu 1991. Poeta e cronista, dos mais notáveis das letras brasileiras. Merece ser relido sempre pelas novas gerações pela qualidade de seus textos. Aqui vai apenas uma pequena mas significativa mostra de seu enorme talento: dois poemas escolhidos de seu livro Testamento do Brasil e O Domingo Azul do Mar , publicado pela Editora do Autor, em 1996, no Rio de Janeiro.
TEXTES EN FRANÇAIS
HUMOR. Caulos ,Carlos Drummond de Andrade, Claudius, Ferreira Gullar, Fortuna,
Henfil, Jaguar, Juarez, Miguel, Millôr Fernandes, Paulo Mendes Campos, Redi,
Rubem Braga, Vinicius de Moraes, Zélio, Ziraldo. /Poetas e humoristas/ Apresentados por Mario Pedrosa. Coordenação editorial e planejamento gráficoClaudius S. P. Ceccon. S.l. Raízes Artes Gráficas, 1979. 33x51 cm. Folhas soltas. Tiragem: 1000 exs. Patrocínio Banco do Brasil. Ex. bibl. Antonio Miranda
Para um menino felino
O gato pensa um bocado!
Pensa de frente e de lado!
Esticado ou enrolado!
Satisfeito ou chateado!
Brincalhão ou preocupado!
Sem jantar ou já jantado!
Com saúde ou constipado!
O gato pensa um bocado!
Pensa no império chinês!...
Pensa no irmão siamês!...
Mas um gato sem talento
só tem um pensamento:
CAMUNDONGO! CAMUNDONGO!
Se te pego, te viro assim: OGANODNUMAC!...
Os sapatos envelheceram depois de usados
Mas fui por mim mesmo aos mesmos descampados
E as borboletas pousavam nos dedos de meus pés.
As coisas estavam mortas, muito mortas,
Mas a vida tem outras portas, muitas portas.
Na terra, três ossos repousavam
Mas há imagens que não podia explicar: me ultrapassavam.
As lágrimas correndo podiam incomodar
Mas ninguém sabe dizer por que deve passar
Como um afogado entre as correntes do mar.
Ninguém sabe dizer por que o eco embrulha a voz
Quando somos crianças e ele corre atrás de nós.
Fizeram muitas vezes minha fotografia
Mas meus pais não souberam impedir
Que o sorriso se mudasse em zombaria
Sempre foi assim: vejo um quarto escuro
Onde só existe a cal de um muro.
Costumo ver nos guindastes do porto
O esqueleto funesto de outro mundo morto
Mas não sei ver coisas mais simples como a água.
Fugi e encontrei a cruz do assassinado
Mas quando voltei, como se não houvesse voltado,
Comecei a ler um livro e nunca mais tive descanso.
Meus pássaros caíam sem sentidos.
No olhar do gato passavam muitas horas
Mas não entendia o tempo àquele tempo como agora.
Não sabia que o tempo cava na face
Um caminho escuro, onde a formiga passe
Lutando com a folha.
O tempo é meu disfarce.
Por que celeste transtorno
tarda-me o cosmo do sangue
o óleo grosso do morto?
Por que ver pelo meu olho?
Por que usar o meu corpo?
Se eu sou vivo e ele morto?
Por que pacto inconsentido
(ou miserável acordo)
Aninhou-se em mim o morto?
Que prazer mais decomposto
faz do meu peito intermédio
do peito ausente do morto?
Por que a tara do morto
é inserir sua pele
entre o meu e o outro corpo.
Se for do gosto do morto
o que como com desgosto
come o morto em minha boca.
Que secreto desacordo!
ser apenas o entreposto
de um corpo vivo e outro morto!
Ele é que é cheio, eu sou oco.
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DJANIRA - últimas pinturas e gravuras
- Paulo Mendes Campos - poemas.
Apresentação Paulo de Aquino.
Rio de Janeiro: Editora Fontana, 1980.
formato 35 x 50 cm capa dura
ex. n. 983 c/ autógrafo de poeta.
CANTIGA PARA DJANIRA
O vento é o aprendiz das horas lentas,
traz suas invisíveis ferramentas,
suas lixas, seus pentes finos,
cinzela seus cabelos pequeninos,
onde não cabem gigantes contrafeitos,
e, sem emendar jamais os seus defeitos,
já rosna descontente e guaia
de aflição e dispara à outra praia,
onde talvez enfim possa assentar
seu momento de areia — e descansar.
TEMPO-ETERNIDADE
O instante é tudo para mim que ausente
do segredo que os dias encadeia
me abismo na canção que pastoreia
as infinitas nuvens do presente.
Pobre de tempo fico transparente
à luza desta canção que me rodeia
como se a carne se fizesse alheia
à nossa opacidade descontente.
Nos meus olhos o tempo é uma cegueira
e a minha eternidade uma bandeira
aberta em céu azul de solidões.
Sem margens sem destino sem história
o tempo que se esvai é minha glória
e o susto de minh´alma sem razões.
NESTE SONETO
Neste soneto, meu amor, eu digo,
um pouco à moda de Tomás Gonzaga,
que muita coisa bela o verso indaga,
mas poucos belos versos eu consigo.
Igual à fonte escassa no deserto,
minha emoção é muita, forma, pouca.
Se o verso errado sempre vem-me à boca,
só no meu peito vive o verso certo.
Ouço uma voz soprar à frase dura
umas palavras brandas, entretanto,
não sei caber as falas de meu canto,
dentro da forma fácil e segura.
E louvo aqui aqueles grandes mestres
das emoções do céu e das terrestres.
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CAMPOS, Paulo Mendes. Antologia poética. Ilustrada com 5 águas-fortes de Djanira. Rio de Janeiro: Fontana Expressão e Cultura, 1978. 55 p. 25,5x25,5 cm. Direção: Edson Avellar da Silva. Tiragem; “100 exemplares numerados de 1 a 100, 10 coleções de provas de artista para uso do gravador, todos assinados pelo poeta”. Impresso nas oficinas do Museu de Armas Ferreira da Cunha, papel de fabricação nacional Klabin, tipo craft, composição em linotipo da Compositora Helvética Ltda,, e estojos confeccionados pela Brindes e Encadernações Lucro Ltda. Os calcogramas de Djanira assinados pela autora. Exemplar n. 51. Col. A.M. (LA)
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CAMPOS, Paulo Mendes. A palavra escrita. Niterói, RJ: Edições Hipocampo, 1951. s.p. 15,5x24 cm. 14 cadernos soltos de duas folhas dobradas cada um, com poemas, de papel Ingres Ecoles, protegidas por uma capa de papel especial em forma de envelope. Uma gravura ponta-seca original de Athos Bulcão (ex. 34/70) na Col. A.M. No colofão informa que “tiraram-se centro e vinte e seis exemplares, em papel Ingres, autenticada pelo autor: de 1 a 100 para os subscritores, de I a XX para o poeta, de A a F para os editores Geir Campos e Thiago de Mello”. Poemas: Neste soneto; Marinha; No verão; A festa; Brasão; Sentimento do tempo; Três coisas; O tempo; tempo-eternidade; Soneto de paz; It’s better to be happy (apenas o título em inglês); A uma bailarina; Despede seu pudor; Renascimento; Poema de dezembro; Poema indivisível; Domingo em Paris; Um poeta no mundo; Um dia de homem; Amor condusse noi ad una morte (poema em português); Rural; A morte; Em noite tropical; O suicida; Os lados; Sonho de uma infância; Translúcido; Hino à vida; Em Belo-Horizonte; Poema de Paris; O bêbado; A pantera; Canção romântica; Cântico a Deus; O homem da cidade; O visionário. Col. A.M.( LA)
Dois poemas do livro:
NESTE SONÊTO
Neste soneto, meu amor, eu digo,
Um pouco à moda de Tomás Gonzaga,
Que muita coisa bela o verso indaga
Mas poucos belos versos eu consigo.
Igual à fonte escassa do deserto,
Minha emoção é muita, a forma, pouca.
Se o verso errado sempre vem-me à boca,
Só no meu peito vive o verso certo.
Ouço uma voz soprar à frase dura
Umas palavras brandas, entretanto,
Não sei caber as falas de meu canto
Dentro de forma fácil e segura.
E louvo aqui aqueles grandes mestres
Das emoções do céu e das terrestres.
O TEMPO
Só no passado a solidão é inexplicável.
Tufo de plantas misteriosas o presente
Mas o passado é como a noite escura
Sôbre o mar escuro
Embora irreal o abutre
É incômodo meu sonho de ser real
Ou somos nós aparições fantasiosas
E forte e verdadeiro o abutre do rochedo
Os que se lembram trazem no rosto
A melancolia do defunto
Ontem o mundo existe
O agora é a hora da nossa morte
TEXTES EN FRANÇAIS
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LA POÉSIE BRÉSILIENNE CONTEMPORAINE. Anthologie réunie,
préfacée e traduite par A. D. TAVARES-BASTOS. Ouvrage
couronée par l´Academie Française em 1954. Paris: Editions Seghers,
1966. 292 p. sobrecapa. Ex. bibl. Antonio Miranda
PAULO MENDES CAMPOS - Né à Belo Horizonte (Minas Gerais) en 1922.
Voici un jeune poète apporte dans son mensage l´inquiétude de Rimbaud et l´influence attènuée des surréalistes.
Paulo Mendes Campos, qui avec Marcos Konder Reis a`premoné son extreme jeunesse à travers les horizons de la vielle Europe, a déjà reuni ses poèmes en un livre, et possède une poétique des plus autres revues d´avant-garde.
POÉME DES APPROXIMATIONS
Je me suis toujours étonné la liberte ave laquelle
les aveugles courent vers la mort. Les musiques de
rédemption m´emplissient l avie. Des vagues dont
hautes, spontanées, désavounaient l avie. Des vagues
dont le mer jouait sur les roes rassuraient le sacré;
aventures qui se dénouent, d´une sainte insoumission.
Branches en spirale vers le ciel, saveur de terre dans
mon sang, tout corrmpait en moi la fidelité des élus. Je
me suis couché, nelle virginité. L´amour ourlait mon
secret d´un murmure de mythes guerriers.
*
Chez l´homme la solitude se peuple, quiosque dans les
versantes la splendeur du désespoir incréé sourie. Des
dieux, la cruauté native me poussait la pensée. Après,
les grands dieux cessaient d´exister: sur l´esplanade
pénétrait la pluie insidieuse des découragements.
Je redécouvrais un enfant. Ses rêves étaient obliques.
La nuit les insectes l´avalaient. Un instant suffit pour
comprendre l avie. Mais la sentir c´est le début d´une
inquietante éternité. La trame des amitiés est
nostalgique et un commencemente de feu consume
votre joue. Les chats et les choses cilencieuses
reçoivent le meilleur de notre culte.
Ah! probablement il sera jamais trop tard pour celui
que pose la question. N´avions-nous pas refuse la
dérision de la miséricorde? Nous souffrons. Temps et
beauté tiennent le seusl pendule: la vie et la mort. Jamais
trop tard. Dans la nuit un symbole reprende: nous
sommes les esclaves de allégories.
Nous ne pouvoun perdre.
L´azur se partage sans fronteire. Pour lui, les simples et
les savants meurent d´une mort plus lucide et
sympatique. La nuit les yeux demeurent encore ouverts,
à surveiller l´étoile.
Laissez-moir parler. Permettez-moi le bonheur. Le
verbe copie l´âme. Tout ce que l ajoie acorde est bom.
Faites taire les hurlements de l alune dans la montagne.
Laissez-moi parler. Faits taire dans la banlieue la
palpitation métallique des machines. Ah, laissez-moi
voyager.
Dans mon sommeil murmure le va-et-vient des désirs
humaines. Je m´approche et je parle.
Nous sommes plues riches que la décantation de la
lumière sur les feuillages cachés. Et étrangers à l avie. Les
codes nous ont omis. Comme un vol de hérons nous
surpassons l´épisodique. Nous survolons le mystère un
peu simple de prairie. Là où l´émotion surmonte la forme,
là est ke secret, L´ombre nés pas l´ombre, chair
miraculeuse. La même indéchiffrable émotion mène les
mêmes hommes. Dieu transude de toutes les vengeances.
Nous communions aux sources. Nous sommes le contraire
d´um règne qui finit.
*
Ainsi j´accouplerai mon corps aux idées que je devine. Je
donnerai mon sang aux rivières. Et chaque fois que je
pressentirai chez les aveugles l´appel de la mort, je
prierai au soleil.
Un rapport s´établit. Nous sommes em face de l´erreur
comme les gnomes devanta les forêts: il faut charmer.
Pas comme déserts à l´amplitude assouvie et parfaite.
Une interprétation moins douloureuse... Nous vivons!
Nous vivons! — répond le vide des vagues. Nous vivons!
*
Sur les rideaux perche le premier oiseau de lumière. Une
autre harmonie s´installe. Il y a une attente entre le
monde et moi. Entre le monde et moi. Entre le monde et les plus complétes abstractions il y a la musique.
La nuit s´adosse aux murs blanchis à la chaux em quête de l´aube. Entre-temps, toute poésie répond à l´appel du même nom, n´importe liquel...
TEXTOS EM PORTUGUÊS - TEXTOS ESPAÑOL
Visión de la Poesía Brasileña. Org. Thiago de MELLO. Edición bilingüe. Traducción de Adán Méndez. Santiago de Chile: Red Internacional del Libro, 1996. Auspiciada por la Embajada del Brasil.
Ex. bibl. Antonio Miranda
O POETA NO BAR
Que fazer de um instrumento,
Violoncelo, fonte, flauta,
A buscar um sofrimento
Que se encontra além da pauta?
Quando perdemos a voz,
Fala de nós por nós
O personagem sem medo
Cujas palavras de olvido
Compõem outro sentido
Do segredo de um degredo.
Tudo que rói e escalavra,
Dente de marfim do mar,
Faca do vento a passar,
Lembra a busca da palavra.
Só conhecer a ciência,
Mallarmaica paciência
Capaz de achar a vogal
Que surde empós das toantes,
Escondidas consoantes
De uma pausa musical.
Estas horas perdoada,
Perdidas de quem nos ama.
São aflições combinadas
As pantomimas do drama.
Um filamento de riso
Liga o inferno ao paraíso.
Se a noite esconde as estrelas,
Pode um palhaço brilhante
Dar um salto tão distante
Que seja digno de vê-las.
Esse arlequim de pintura
Vai surgir aqui, apenas
Compare a sua figura
A minhas roupas terrenas.
Vão surgir do saltimbanco
Perfil, fronte, face e flanco,
Vou sofrer por artifício
O silêncio desta mesa
Que me exila na clareza
De meu puro sacrifício.
Recife em mar de presságio,
Um poema não tem porto,
Vaga que devolve o morto
Às areias do naufrágio.
EL POETA EN EL BAR
Qué hacer de un instrumento,
Violoncelo, fuente, flauta,
Que persigue un sufrimiento
Que no se encuentra en la flauta?
Cuándo perdemos la voz.
Habla de nosotros por nosotros
El personaje sin miedo
Cuyas palabras de olvido
Componen outro sentido
Del secreto de un destierro.
Todo lo que roe y deteriora,
Diente de marfil del mar,
Cuchilla del viento que passa,
Recuerda la búsqueda de la palabra.
Sólo conocer la ciencia
Mallarmaica paciencia
Capaz de hallar la vocal
que surge tras las sonantes.
Escondidas consonantes
De una pauta musical.
Estas horas perdonadas,
Perdidas de quien nos ama.
Son aflicciones combinadas
A las pantomimas del drama.
Un filamento de risa
Conecta infierno y paraíso.
Si la noche esconde las estrellas,
Un payaso brillante puede
Dar un salto tan distante
Que sea digno de verlas.
Ese arlequín de pintura
Va surgir aqui, apenas
Compare su figura
A mis ropas terrenas.
Va surgir del saltimbanqui
Perfil, frente, cara y flanco.
Voy a sufrir por artificio
El silencio de esta mesa
Que me exilia en la claridad
De mi puro sacrificio.
Arrecife en un mar de presságios,
Un poema no tiene puerto,
Marea que devuelve el muerto
A las arenas del naufragio.
Página publicada em junho de 2018
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