(1913-1980)
nasceu na Fazenda Boa Esperança, do arraial de Bom Jesus da Cachoeira Alegre, Município de Muriaé, Minas Gerais, em 17.2.1913, e faleceu em Brasília, em 6.4.1980. Fez os primeiros versos aos 12 anos de idade, e três anos depois os primeiros sonetos. Começou a publicar em 1930, no jornal O Manhumirim, e logo em jornais e revistas do Espírito Santo, do Rio de Janeiro e de outros Estados. Com o marido, Anderson de Araújo Horta, peregrinou por uma dezena de cidades de Minas e de Goiás. Teve seu soneto “Legado” incluído por Drummond em Uma Pedra no Meio do Caminho. Figurou em antologias poéticas do 2.º Torneio Poético da Poesia Falada (Niterói), de Joanyr de Oliveira, de Aparício Fernandes e de Nilto Maciel, no vol. 2 de Escritores Brasileiros ao Vivo, de Danilo Gomes, em antologia de contos de Napoleão Valadares e em seu Dicionário de Escritores de Brasília. Em 1996, com o selo de Massao Ohno, saiu o seu livro de poesia, Caminho de Estrelas.
EXORTAÇÃO
Alma inquieta e sem rumo, sem morada
dentro do próprio ser, que te acontece?
Para onde vais? Que buscarás na estrada
onde o esplendor do sol desaparece?
Que desejas colher nessa encantada
terra de sonhos? Que dourada messe
supões haver na senda extraviada
onde nem mesmo o sonho permanece?
Olha em torno de ti. Volta e procura
em ti mesma o caminho da ventura
que andas buscando sem saber se existe...
Encontrando-te, enfim, terás a glória
de tornar a existência transitória
mais serena, mais terna, e menos triste.
LIRISMO
Fale um outro poeta mais austero
de temas, em geral, de alto horizonte,
ou imite Camões, Virgílio, Homero,
buscando a inspiração em nobre fonte.
Que eu não tento transpor tão longa ponte
e penetrar num mundo tão severo.
Como Kháyyám, Gonzaga e Anacreonte,
só canto o amor, só dele a glória espero.
"Ser poeta é ser triste." Esta legenda
vem na fronte do poeta e é como prenda
que lhe fazem as musas no batismo.
Desse prêmio, porém, não tive a parte,
e me faltando enredo, engenho e arte,
falo de amor no mais banal lirismo.
VELHO TEMA, EM VELHO ESTILO
Eu, que de amar e amor tenho vivido,
vou, de amar, pouco a pouco definhando:
do meu amor caindo em triste olvido
e de vãs ilusões me sustentando.
Já de etéreas miragens hei descido
e (mais de perto a vida contemplando)
vejo o que vira do alto almo e florido
rudes deformações ora mostrando.
Mas, se de amor mister viver me fora
outra vida (e outro tanto amarga e doce),
sendo ele o senhor, eu a senhora,
haveria por bem ter de vivê-la,
tão parca fosse a recompensa, e eu fosse
tão feliz como hei sido ao recebê-la.
ANJO, SERPENTE, NAVE
Em que outros sonhos teu amor se esconde
do meu sonho? Onde o céu, a cova, ou cais
para o encontro fatal? Quem me responde?
Os deuses, creio, não nos falam mais...
Talvez o céu esteja em ti... Mas, onde?
a cova em ti, talvez funda demais...
Perto de ti, talvez, sem rumo, ronde
a nave, sem do porto achar sinais.
Anjo, serpente ou nave - o que procura
em ti? O porto incerto, a cova impura,
o céu onde gozar o amor sem fim?
Se acaso não possuis, do céu, a chave:
não dês pouso à serpente ou porto à nave,
para que o anjo permaneça em mim.
TEMPO DE POESIA
Título: do livro de poesia de Edison Moreira
Motivo: Eclesiastes, 3
"Há um tempo para tudo e cada coisa
tem, debaixo do céu, o seu momento."
Nasci em tempo de poesia. A morte
espero que também seja em seu tempo.
Há tempos que não tive e não terei:
matar e destruir e atirar pedras,
tempos para odiar e fazer guerra.
Procuro, quando encontro as coisas más,
curar, edificar, juntar as pedras,
fazer do ódio, amor; da guerra, a paz.
O que plantei (e apenas plantei flores)
não arranquei. Talvez o vento arranque.
Mas serão, outra vez, suas sementes
outras plantas iguais com novas flores
iguais, em qualquer ponto sobre a terra:
Outros tempos marcados de contrastes
(chorar e rir; gemer, dançar; o abraço
e o afastar-se de abraçar; a busca
e a perda) são os trâmites da vida
por onde passas e por onde eu passo.
Tempos para guardar e atirar fora
outros têm, não eu, que apenas tenho
a partilha do pão de cada dia.
De rasgar e coser tenho os dois tempos
num só – cíclico e prático sistema:
rerrasgar, recoser o mesmo pano...
Em calar e falar: o tempo, e o tema
que a ninguém cause espanto ou cause dano.
Tempos de se esperar ou de escolher
são esses, de vivência interrompida.
Só seu tempo imutável, sob o céu,
tem quem nasce poeta. Embora inútil,
tempo de poesia é toda a vida.
PENAS
Pena, que célere alado
deixou cair junto a mim:
és o presente e o passado
do sonho que não tem fim.
Na terra, do céu exul,
igual ao teu é meu fado,
pena que um pássaro azul
deixou cair a meu lado.
Que eu; também, solta na vida,
vagueio de norte a sul,
de leste a oeste, perdida,
atrás do pássaro azul...
HORTA, Anderson de Araújo; HORTA, Maria Braga; HORTA, Anderson Braga. Versos em três tempos. S. l. : Costelas Felinas, 2018. 60 p. 14 x 20 cm. Capa: Claudia Brino. Ex. bibl. Antonio Miranda
CANÇÃO DE OUTONO
[Verlaine]
Este lamento
Longo de vento
Outonal
Fere-me a alma
Com uma calma
Sempre igual
E sufocando,
Pálido, quando
Soa a hora,
Sinto saudade
Da mocidade
E a alma chora.
Sigo ao relento
É rude o vento,
Que me importa?
Neste vaivém
Eu sou também
Folha morta.
ALTERNATIVA
Nunca pude aceitar ter nascido Maria!
Era grande a ambição de que fosse um José
que não fosse poeta e que tudo faria
para dar ao país mais feijão e café.
Por não se um José, por ter vindo Maria
(contrariando o palpite e fazendo forfait),
ninguém mais, senão eu, afinal sentiria
o pesar do malogro, o suplício que é
lavar roupa, cozer, arranjar toda a casa!
desejar o infinito e nascer sem ter asa
e o próprio pensamento em grilhões arrastar...
Mas se eu fosse José onde acaso acharias
outra Maria igual, entre tantas marias,
que tivesse, como eu, tanto amor pra te dar?
Veja também o ensaio: UMA TRAJETÓRIA LUMINOSA : MARIA BRAGA HORTA, por João Carlos Taveira
http://www.antoniomiranda.com.br/ensaios/uma_trajetoria_luninosa_maria_braga_horta.html
LIVRO DOS POEMAS. LIVRO DOS SONETOS. LIVRO DO CORPO. LIVRO DOS DESAFOROS. LIVRO DAS CORTESÃES. LIVRO DOS BICHOS. Org. Sergio Faraco. Porto Alegre: L.P. & M., 2009.
624 p. 15 X 23 cm. Ex. bibl. Antonio Miranda
TUA BOCA
Tua boca é pra mim carmínea taça
em cujas bordas sorvo, trago a trago,
o divino hidromel com que embriago
o meu sonho de amor feito em fumaça.
Tua boca é um rubro cálice sem jaça
em que meus lábios, trêmulos, afago,
na incontida volúpia em que divago:
— Vivamos nosso amor... — que a vida passa!
Tua boca é a minha síntese vital,
em que fica suspenso o meu ideal,
em que eu prendo minha alma semilouca!
Tua boca é um sol ardente, em chama e em brasas:
sol do equador, que queima minhas asas,
as asas de rubis de minha boca!
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Página ampliada e republicada em janeiro de 2023
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