LOBIVAR MATOS
(1915-1947)
Poeta quase desconhecido mas em fase de redescobrimento e estudo em seu estado de origem – o Mato Grosso do Sul, foi um fenômeno. Escreveu seus livros Areôtaree Sarobá, antes dos 20 anos de idade, na vanguarda de nosso Modernismo. É possível ver nele as influências de Manuel Bandeira e de Raul Bopp mas sua lavra é muito original. Usa o coloquialismo brasileiro com naturalidade. Seu versilibrismo é original, com acentuada cor telúrica, regional, às vezes de forma ingênua, mas militante pela denúncia das mazelas e das precariedades da vida das populações ribeirinhas na zona fronteiriça de Corumbá.
Observação importante: mantivemos a ortografia original de suas obras.
Antonio Miranda
Lobivar Barros de Matos e Mateus Gatti Rodrigues, (Corumbá, 11 de Janeiro de 1915 - 27 de Outubro Rio de Janeiro, 1947) foi um escritor brasileiro.
Marcou sua vida artística pela simplificação da assinatura Lobivar Matos, autor de Areôtorare: poemas boróros (1935) e de Sarobá (1936). Alguns escritos sobre a vida do autor revelam que sua infância, pela região pantaneira, fora digna de uma infância comum. No entanto, o mesmo não pode ser dito de sua juventude, repleta de atitudes fortes e marcantes principalmente pelo que pode ser visto em sua composição poética....
Aos dezoito anos, o jovem poeta seguiu para o Rio de Janeiro apadrinhado por Filinto Müller, o anfitrião dos matogrossenses que para lá se dirigiam à procura da sorte. Após a preparação para o ingresso na Faculdade Nacional de Direito do então Distrito Federal, o que veio a acontecer de fato, Lobivar contrariou a inspiração da “cidade maravilhosa” e continuou escrevendo poemas que mencionaram sua terra natal.
Fonte: wikipedia
FERREIRA, Sônia. Chuva de poesias, cores e notas no Brasil Central – história através da arte. 2ª. edição revista e melhorada. Goiânia: Kelps, 2007. 294 p. ilus. col. (antologia de poemas de autores do CECULCO – Centro de Cultura da Região do Centro-Oeste) Ex. bibl. Antonio Miranda
Os trilhos velhos estão sendo trocados
por trilhos novos.
E os bondes enfileirados
andam devagar.
Os passageiros estão inquietos.
Alguns não se conformam
e descem apressados, praguejando.
Outros procuram distração
nas entrelinhas dos jornais.
Meus olhos grudaram nos gestos fortes
dos homens feios,
e eu, intimamente, justifico,
achei natural o atraso dos bondes
e a troca dos trilhos velhos...
É verdade – me disse o moço sujo da esquina –
quando menino, toda vez que tropeçava e caía
sempre encontrava alguém para me levantar.
- Levanta, batuta, para cair outra vez!
Agora, que sou farrapo de homem,
que queria ser homem,
que já tropecei por este mundo a fóra,
que já cansei de ficar no chão,
não encontro ninguem que me tire da sargeta.
Pelo contrario, parece, ninguem me quer ver de pé.
Passam e jogam níqueis no meu chapéu furado.
Esses idiotas pensam que me fazem bem,
que pagam uma prestação do céu,
e que a esmola que me atiram,
humilhados e humilhantes,
me serve para alguma coisa.
- Idiotas! Imbecis! Criminosos!
Na sala enorme e colorida
do meu cerebro,
lembranças vagas
de mulheres vivas
dansam numa ginga mole.
bamas,
sambas
e cateretês.
Aquelas chaminés continuarão a vomitar destinos?
Aquelas máquinas continuarão a ceifar corpos robustos?
Aqueles mil braços erguidos
continuarão a produzir e a definhar?
Quando sinto vontade de ver santos
nunca entre em igreja.
Sento-me num banco de praça,
na boquinha da noite,
e fico namorando os desgraçados
encolhidos na escadaria da igreja.
Negro tá com morrinha,
tá com o diabo no couro
e não provoca, não, cabra safado,
porque do contrario vai haver banzé de cuia,
forrobodó.
Em casa a negra velha tá fula de raiva,
já andou dando sopapos no marido,
espremendo os moleques
e xingando a vizinha,
que não lhe quer emprestar
um pires de farinha.
Não mexe com o negro, não, negrada.
Ele está acuado e não quer prosa, não.
Negro entra no boliche,
pede fiado um “mata-bicho”
e senta na calçada, cuspindo:
- Porcaria de vida...
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Extraídos da obra Sarobá; poemas. Rio de Janeiro: Minha Livraria Editora, 1936. 98 p.
REVISTA DA ACADEMIA SUL-MATO-GROSSENSE DE LETRAS. No. 17. Setembro de 2010. Campo Grande, MS; 2010.
Ex. cedido por Rubenio Marcelo
Lavadeiras
A manhã — lavadeira velha —
esfregou o sol
e o estendeu na terra para secar...
As casinhas de madeira
tortas
beiçudas
remendadas de lata
circulando o morro,
abrem os olhos, que são janelas
quebradas
e ficam olhando o rio
que, sinuoso,
passa, correndo, embaixo.
Uma mulheres gordas
carregando bacias de roupas na cabeça
descem o morro e vão à beira do rio.
São lavadeira
As mulheres heróicas,
que trabalham para sustentar os filhos,
aqueles meninos amarelos e barrigudos
que ficaram em casa
choramingando uma choraminga de fome.
São as lavadeiras.
As mulheres conformadas, que apanham dos maridos,
dos maridos vagabundos,
dos maridos jogadores,
que bebem cachaça nos boliches
e depois, em casa, espancam os filhos,
descompõem as mulheres,
em vez de trabalhar também.
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Página ampliada e republicada em julho de 2022
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