Anderson de Araújo Horta
(1906-1985)
Nasceu em Tombos, Zona da Mata mineira, em 30.11.1906. Estudou na cidade natal, em Leopoldina e em Carangola; diplomou-se, em 1931, pela Academia de Comércio de Juiz de Fora e, em 1937, pela Faculdade de Direito da Universidade do Brasil, do Rio de Janeiro. Casou-se em Manhumirim, MG, em 1934, com a poetisa Maria Braga. Pai do poeta Anderson Braga Horta. Sempre advogou. Antes e depois de formado, lecionou (Inglês, Geografia e História) em Carangola, em Goiás — no Liceu Oficial — e no Rio de Janeiro. Foi, em 1945, chamado da antiga Vila Boa de Goiás por Pedro Ludovico para ocupar o cargo de Primeiro-Promotor Público em Goiânia. Em 1947, voltou ao Estado natal, onde continuou advogando. Em 1956, mudou-se, com a família, para o Rio de Janeiro, aí ora advogando, ora lecionando. Em 1964, transferiu-se para Brasília, onde faleceu em 16.6. 1985. Deixou um romance inédito e grande número de poemas, alguns deles publicados em jornais, revistas e antologias. Saiu em 2004, pelas Edições Galo Branco, do Rio de Janeiro, o seu livro de poesia – Invenção do Espanto.
OLHO
Aspiro
Escuto
Nas divisas da noite e do dia
há qualquer coisa indefinível
A janela ainda não se abriu completamente
Talvez o ato se confunda com a vontade
onde a urgência cristalizou na expectativa
Em verdade ainda não se vê
não se aspira e nem se escuta
embora tenhamos consciência da presença
[inadiável do milagre
Sabemos que está acontecendo qualquer coisa
[tão velha como o Tempo
um espetáculo infinitamente bisado e
infinitamente aplaudido
Os atores ainda estão no camarim
o palco está deserto
mas o operador de luzes começa a se
[espreguiçar na ribalta
No entanto o conjunto não parece bem
[seguro do êxito
Os pássaros ainda ensaiam
.
os grilos estão serrando o cenário
as árvores experimentam saias-balão
e as aranhas-operárias dormem ao se apagarem
[as últimas lâmpadas de orvalho
Apenas suspense
tudo isso já é o espetáculo
(O dia se organiza
e eu sou o único espectador voluntário.)
PERFEIÇÃO
Um santo para todos os milagres.
Remédio para todas as doenças.
Caminho para todos os lugares.
Lágrima para todas as saudades.
Um só riso para todas as bênçãos.
Lâmpada para toda claridade.
Uma cerca entre a vida e a realidade.
Um sonho para todos os amores.
E um amor para toda a eternidade
EM BUSCA DA PANELA DE OURO
— Meu amigo, onde vais com tanta pressa,
correndo, trabalhando como um mouro?
— O que é que você tem com isso? Homessa!
Eu vou em busca da panela de ouro...
— Eu peço-te perdão. Não interessa
tanto esforço à procura de um tesouro.
Na tua idade a vida mal começa...
Tu não passas, menino, de um calouro!
E agora, transcorridos tantos anos,
inda estamos correndo, — eu e ela, —
tendo nas mãos um turbilhão de planos!
Mas eu tenho pensado, minha bela,
que nós sete, — uma turma de ciganos, —
sempre vivemos dentro da panela!
DOIS CORAÇÕES
Tu tens um coração dentro da boca
E tens um coração dentro do peito...
Dois corações?! Mas, que morena louca!
Perdão... Tudo que vejo está direito:
Tudo o que tens de belo está bem feito...
Somente é pouca a inspiração, é pouca,
Para cantar teu coração do peito,
Para pintar teu coração da boca!
Morena, escuta aqui: não tenho jeito
De alimentar o amor que se me apouca
Na voluptuosidade de teu leito.
Morena, escuta bem: não sejas mouca...
Quando eu pedir o coração do peito,
Oh! não me dês o coração da boca!
NASCIMENTO E MORTE
Choro
Riso
Encantamento
Olhos
sonho
NASCIMENTO
Choro
Máscara
Momento
Olhos
sonho
MEMENTO
SONHO
A noite
desceu
na corda
bamba
de uma
estrela
VINTE ANOS
Quando eu tiver
vinte anos
serei mais alto
que os Andes
Quando eu chegar
aos trinta
serei maior
que o Himalaia
Ora ora
pois eu
se tivesse
vinte anos
só diria
ao mundo
Vamos
HORTA, Anderson de Araújo; HORTA, Maria Braga; HORTA, Anderson Braga. Versos em três tempos. S. l. : Costelas Felinas, 2018. 60 p. 14 x 20 cm. Capa: Claudia Brino. Ex. bibl. Antonio Miranda
QUEM
Ao
tempo
as palavras
não ditas
Ao
vento
o poema
absurdo
Ao
mar
o esquife
da última
rosa
na eternidade do instante
BARCOS versus LUZ
Barcos de papel infância
Versos à flor dágua
(Incorruptíveis)
Barcos de luz
Aos olhos maravilhados
o sol e a sombra
em reflexos dourados
brincavam de esconder na correnteza
Barcos de papel infância
Versos luz
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