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POESIA ESPANHOLA

Coordenação de AURORA CUEVAS CERVERÓ

Universidad Complutense de Madrid



 

TEIXEIRA DE PASCOAES
(1877-1952) 

 

Teixeira de Pascoaes, pseudónimo literário de Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, (Amarante, 2 de novembro de 1877 — Amarante, Gatão, 14 de dezembro de 1952) foi um poeta, escritor e filósofo português e um dos principais representantes do saudosismo.

Vida

Teixeira de Pascoaes nasceu no seio de uma família da aristocracia rural, com raízes em Amarante, sendo o segundo filho (de sete) de João Pereira Teixeira de Vasconcelos, juiz e deputado às Cortes e de Carlota Guedes Monteiro. Foi uma criança solitária, introvertida e sensível, muito propenso à contemplação nostálgica da Natureza.

Em 1883 iniciou os estudos primários em Amarante e, em 1887, ingressou no Liceu dessa vila. Em 1895 muda-se para Coimbra, onde termina os seus estudos secundários — em Amarante não foi bom aluno, tendo até reprovado em Português — e em 1896 inscreve-se no curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Ao contrário da maioria dos seus camaradas, não faz parte da boémia coimbrã, passando o seu tempo, monasticamente, no quarto, a ler, a escrever e a refletir.

Teixeira de Pascoaes, c. 1911

Licencia-se em 1901 e, renitentemente, estabelece-se como advogado, primeiro em Amarante e, a partir de 1906, no Porto. Em 1911 é nomeado juiz substituto em Amarante, cargo que exerce durante dois anos. Em 1913, com alívio, dá por terminada a sua carreira judicial. Sobre esses penosos anos dirá: "Eu era um Dr. Joaquim na boca de toda a gente. Precisava de honrar o título. Entre o poeta natural e o bacharel à força, ia começar um duelo que durou dez anos, tanto como o cerco de Tróia e a formatura de João de Deus. Vivi dez anos, num escritório, a lidar com almas deste mundo, o mais deste mundo que é possível — eu que nascera para outras convivências." 

Sendo um proprietário abastado, não tinha necessidade de exercer nenhuma profissão para o seu sustento, e passou a residir no solar de família em São João do Gatão, perto de Amarante, com a mãe e outros membros da sua família. Dedicava-se à gestão das propriedades, à incansável contemplação da natureza e da sua amada Serra do Marão, à leitura e sobretudo à escrita. Era um eremita, um místico natural e não raras vezes foi descrito como detentor de poderes sobrenaturais. Trocou correspondência com Bernardo Vaz Lobo Teixeira de Vasconcelos, mais conhecido por Frei Bernardo de Vasconcelos, um jovem monge beneditino que era seu parente e amigo. Nunca se encontraram, mas tinham uma grande admiração e estima um pelo outro. Teixeira de Pascoaes diria, em carta a uma sua irmã, que Frei Bernardo de Vasconcelos foi "o maior e mais perfeito amigo que Deus me concedeu".

Em 1918 deu uma palestra em Barcelona junto com Eugenio d'Ors. Um ano antes das conferências, em 1917, outro lusófilo apaixonado, Andrés González Blanco, tradutor de poetas como Antero de Quental, Gomes Leal, Eugénio de Castro ou Camões, dedica um extenso artigo a Pascoaes e ao saudosismo na revista Estudio, no qual estabelece um diálogo entre o futurismo de Marinetti e o saudosismo. Apresenta seus fundamentos étnicos, históricos e filológicos, bem como sua presença na literatura e na política e seus vínculos com a Espanha, em um extenso texto por onde circulam os nomes de Francisco Villaespesa (tão próximos do espírito lusitano em livros como Saudades) ou o do próprio Fernando Pessoa, impresso pela primeira vez em Espanha. Em 1923 visitou a Residencia de Estudiantes e alcançou certa notoriedade entre escritores ligados à Residencia como García Lorca, com quem Pascoaes trocou cartões postais e livros dedicados. A Revista Nós, em que participou, indicou que "temos a Teixeira de Pascoaes como algo nosso, e nas nossas devoções internas muito próximo de Santa Rosalía e Eduardo Pondal". Sobre a morte do poeta, em 1952, Vicente Risco afirma que "a Galiza o pranteou como se fosse dela e nada mais fez, pois é devida a revelação da saudade, em que se encripta o sentido profundo da nossa intimidade poética". Pessoa o definiu como "um dos maiores poetas vivos e o maior poeta lírico da Europa de hoje". Ele era um grande amigo do Miguel de Unamuno. Também fez amizade com lusófilos como Eugenio d'Ors, Ignasi de Ribera i Rovira ou Fernando Maristany y Guasch, que traduziram e divulgaram amplamente a sua poesia em Espanha nos anos vinte. A sua obra despertou também o interesse de Juan Ramón Jiménez ou Gómez de la Serna.

Teixeira de Pascoaes com o seu conterrâneo, o pintor António Carneiro, autor do ex-líbris da Renascença Portuguesa.

Apesar de ser um solitário, Gatão era local de peregrinação de inúmeros intelectuais e artistas, nacionais e estrangeiros, que o iam visitar frequentemente.[5] No final da vida, seria amigo dos poetas Eugénio de Andrade e Mário Cesariny de Vasconcelos. Este último haveria de o eleger como poeta superior a Fernando Pessoa, chegando a ser o organizador da reedição de alguns dos textos de Pascoais, bem como de uma antologia poética, nos anos 70 e 80.

Pascoais morreu aos 75 anos, em Gatão, de bacilose pulmonar, alguns meses depois da morte da sua mãe, em 1952. O seu corpo encontra-se num jazigo no cemitério em frente à Igreja de São João Baptista de Gatão. A campa é rasa e tem inscritos versos que o autor propositadamente escreveu para ali figurarem: "Apagado de tanta luz que deu / Frio de tanto calor que derramou".

Uma rua leva o nome dele na Corunha, Galícia, Espanha.

Obra

Com António Sérgio e Raul Proença foi um dos líderes do chamado movimento da "Renascença Portuguesa" e lançou em 1910 no Porto, juntamente com Leonardo Coimbra e Jaime Cortesão, a revista A Águia, principal órgão do movimento. Também se encontra colaboração da sua autoria nas revistas Serões (1901-1911), Atlântida[9] (1915-1920), Contemporânea[10] [1915]-1926, Revista de turismo [11] iniciada em 1916, Conímbriga de 1923 e na 1ª série da revista Panorama [13] (1941-1949).

Pensamento

Teixeira de Pascoaes foi o principal pensador do Saudosismo e um dos mais importantes pensadores contemporâneos da Saudade e da Portugalidade, sobretudo durante a década de 1910 e através de obras como A Arte de Ser Português (1915) e Os Poetas Lusíadas (1919). Além disso, a sua poesia e as suas prosas revelam uma constante preocupação filosófica, configurando um «pensamento poético» que faz de Pascoaes «estruturalmente um poeta-filósofo» e um dos autores mais revisitados e interpretados pelos filósofos portugueses contemporâneos, particularmente pelo Grupo da Filosofia Portuguesa e por filósofos da espiritualidade, como Paulo Borges[15].

A Saudade é para Pascoaes a condição ontológica universal de todo o Ser e da existência, tanto no ser humano, como na natureza, como no próprio Deus, numa cosmogonia panteísta em que Deus vive na natureza e no ser humano para resgatar a queda — que é, no pensamento pascoalino, inerente ao próprio divino — através de uma redenção que advém pela dor e pelo desejo da Unidade aparentemente perdida e saudosamente procurada

Teixeira de Pascoaes por Bottelho

Bibliografia Poesia

1895 – Embriões; 1896 - Belo 1ª parte; 1897 - Belo 2ª parte; 1898 - À Minha Alma e Sempre; 1899 - Profecia (colaboração com Afonso Lopes Vieira); 1901 - À Ventura (eBook); 1903 - Jesús e Pan; 1904 - Para a Luz; 1906 - Vida Etérea; 1907 - As Sombras; 1909 - Senhora da Noite; 1911 - Marânus (wikisource); 1912 - Regresso ao Paraíso; Elegias (eBook); 1913 - O Doido e a Morte (eBook); 1920 - Elegia da Solidão (eBook); 1921 - Cantos Indecisos; 1924 - A Elegia do Amor; O Pobre Tolo; 1925 - D. Carlos Cânticos Sonetos; 1949 - Versos Pobres Foto e biografia:  https://pt.wikipedia.org/

 

 

TEXTOS EM PORTUGUÊS   /  TEXTOS EN ESPAÑOL

Traducciones de Rodolfo Alonso



PASCOAES, Teixeira de.   Pascoais. Barcelona: Editorial Cervantes, s.d.   86 p.  10 x 15   cm.   (Las mejores poesias (líricas) de los mejores poetas. , VIII) 
Ex. biblioteca de Antonio Miranda

 

NUEVA LUZ

Los ramajes, en donde la luz lunar se pierde
Esparcen en los bosques una fogata verde,
Dentro de los peñascos hay llamas escondidas;
Brillan en negra noche las rosas, encendidas;
Enardécese el lirio en roja llamarada;
La noche lleva ardiendo su capa satinada;
Se esconde en el rocío una sonrisa ardiente;
La criatura humana es fuego íntimamente;
Es el supremo y santo arder de la materia
De que sale una luz anímica y sidérea.



EL POETA

Soy poeta al oír la voz del viento,
Y al sentirme fantasma, y sentimiento,
Y amarga mar, y niebla deslumbrada,
Bogando a flor de roja madrugada;
Y al oír en la paz del infinito
El infinito canto en letras de oro escrito;
Y al verlo alarse todo en misteriosa esencia
Con honda conmoción;
Cuando de las inertes sombras de la apariencia
Nace la refulgente aparición.


Soy poeta al sentir anhelos de abandono,
Cuando en mi faz marchita se insinúa
El silencio marmóreo de la luna,
La palidez inmensa del Otoño;
Cuando encerrado quédeme en mi mismo,
Cuando me siento espacio azul y negro abismo,
Sombra infernal, divina luz etérea;
Cuando me veo tierra estéril y miseria,
Triste ternura, angustia, hondo quebranto;
Nube de conmoción cayendo en llanto;
Roca deshecha en viento claror;
Lirio exhalado en sacrosanto olor.

Soy poeta si vivo la natura;
Cuando todo en mi ser rezos murmura
Cuando inundo el azul de sombras de mi amor,
Y, ante mí, la visión esplende del Señor…



ETERNIDAD

Yo que soy frágil, transitario y vano,
Que proyecto en el mundo la sombra de una cruz,
Que soy la desventura, la muerte y el arcano,
Siento brillar en mí la eterna luz;

Yo que soy la miseria,
La lágrima que cae desolada,
Concibo bien que existe una ansiedad etérea,
Que transfigure ¡oh Dios! mi carne desgraciada.

Yo que soy la agonía, el trágico estertor,
Barro amasado en agua de tristeza,
Diluída alma en dolor,
En mis labios escucho la voz que canta y reza.


Yo que sólo soy polvo miserable
Que al viento alza la vía dolorosa,
El dolor raro, a nada comparable,
Siento nacer en mí la esperanza radiosa.

Mi frágil se que se traduce en gritos,
Mi cuerpo que se apaga en un momento,
Presente está en los senos infinitos
Y es en ellos ideal deslumbramiento…

 

 

TEXTOS EM PORTUGUÊS
Tradução LIVRE de ANTONIO MIRANDA

 

NUEVA LUZ

Os galhos, onde a luz lunar se perde
Espalham pelos bosques uma fogueira verde,
Dentro dos penhascos tem chamas escondidas;
Brilham, em negra noite as rosas, prendidas; Enardece-se o lírio em rubra queimada;
A noite leva ardendo sua capa acetinada;
Se esconde no orvalho um sorriso ardente;
A criatura humana é fogo intimamente;
É o supremo e santo arder material
De que sai uma luz anímica e sideral.

 

O POETA

Sou poeta ao ouvir a voz do vento,
E ao sentir-me fantasma, e sentimento,
E amarga mar, a névoa deslumbrada,
Remando a flor de rubra madrugada;
E ao ouvir na paz do infinito
O infinito canto em letras de ouro escrito;
E ao vê-lo em asas todo em misteriosa essência
Com profunda comoção;
Quando das inertes sombras da aparência
Nasce a refulgente aparição.

Sou poeta ao sentir anseios de abandono,
Quando em minha face murcha se insinua
O silêncio marmóreo da lua,
A palidez imensa do outono;
Quando encerrado fique em meu ismo,
Quando me sinto espaço azul em negro abismo,
Sombra infernal, divina luz etérea;
Quando me vejo terra estéril e miséria,
Triste ternura, angústia, fundo quebranto;
Nuvem de comoção caindo em pranto;
Rocha desfeita em vento e claror;
Lírio exalado em sacrossanto odor.

Sou poeta se vivo a natura;         
Quando tudo em me ser reza murmura
Quando inundo o azul de sombras de meu amor,
Y, diante de mim, a visã0o esplende do Senhor…

 

ETERNIDADE

Eu que sou frágil, transitário e insano,
Que projeto no mundo a sombra de uma cruz,
Que sou a desventura, a morte e o arcano,
Sinto brilhar em mim a eterna luz;

Eu que sou a miséria,
A lágrima que cai desolada,
Concebo bem que existe uma ansiedade etérea,
Que transfigure ó Deus! minha carne desgraçada.

Eu que sou a agonia, o trágico estertor,
Barro amassado em água de tristeza,
Diluída alma em dor,
Em meus lábios escuto a voz que canta e reza.


E que somente sou pó miserável    
E que somente o vento alça a via dolorosa,
E a dor rara, a nada comparável,
Sinto nascer em mim a esperança esplendorosa.

Minha fragilidade que se traduz em gritos,
Meu corpo que se apaga em um momento,
Presente está nos seios infinitos
E neles um ideal deslumbramento…

 

 

DE NOITE

 

Quando me deito ao pé da minha dor,

Minha Noiva-fantasma; e em derredor

Do meu leito, a penumbra se condensa,

E já não vejo mais que a noite imensa,

Ante os meus olhos intimas, acesos,

Extáticos, surpresos,

Aparece-me o Reino Espiritual...

E ali, despido o hábito carnal,

Tu brincas e passeias; não comigo,

Mas com a minha dor ... o amor antigo.

 

A minha dor está comigoali,

Como outrora, eu estava ao pé de ti ...

 

Se eu fosse a minha dor, com que alegria,

De novo, a tua face beijaria!

 

Mas eu não sou a dor, a dor etérea ...

Sou a Carne que sofre; esta miséria

Que no silêncio clama!

 

A Sombra, o Corpo doloroso, o Drama ...

 

 

          DENOCHE

 

        Cuando me acuesto al pie de mi dolor,

        De mi Novia-fantasma; y en redor

        De mi lecho, la sombra se condensa,

        Y ya no veo más que la noche inmensa

        Ante mis ojos íntimos, ardientes,

        Sorprendidos, extáticos,

        Me aparece el Reino Espiritual ...

        Y alli, desnudo el hábito carnal,

        Tú juegas y paseas; no conmigo

        Sino con mi dolor ... amor antiguo.

 

        Mi dolor está conmigo allí,

        Como antaño, yo estaba al pie de ti ...

 

        ¡Siendo yo mi dolor, con qué alegría

        De nuevo, tu rostro besaría!

 

        Mas no soy el dolor, dolor etéreo ...

        iSoy la Carne que sufre; esta miseria

        Que en el silencio clama!

 

        La Sombra, e Cuerpo doloroso, el Drama ...

 

 

 

ESPERANÇA E TRISTEZA

 

Minha tristeza é pior que a tua dor;

Um dia, no teu ventre sentirás

Reencarnar para o mundo o teu amor:

A mesma alma, o mesmo olhar ... verás!

 

Eu sei que há-de-voltar; e assim terás

A alegria primeira, ainda maior...

E então, de novo, alegre ficarás;

Será primeiro o teu segundo amor!

 

Mas eu que, antes do tempo, já declino,

Quem sabe se verei o teu Menino,

Numa idade em que possa compreender?

 

E partirei sem lhe deixar,

Na memória, esse interno e fundo olhar,

A comovida imagem do meu ser ...

 

 

          ESPERANZA Y TRlSTEZA

 

          Mi tristeza es peor que tu dolor;

          Un día, en tu vientre sentirás

          Reencarnar para el mundo tu amor:

          iLa misma alma, igual mirar ... verás!

 

          Yo sé que ha de volver; y así tendrás

          La alegría primera, aún mayor ...

          De nuevo, entonces, alegre quedarás;  

          ¡Será el primero tu segundo amor!

 

          Mas yo que, antes de tiempo, ya declino,

         ¿Quién sabe si no veré a tu Niño

 

 

         A una edad en que pueda comprender?

         Y partiré sin que le deje,

         De recuerdo, un mirar intenso y hondo,

         La conmovida imagen de mi ser. ..

 

 

 

                                              (Elegias, 1912)

 

 

CANÇÃO DE UMA SOMBRA

 

Ai, se não fosse a névoa da manhã

E a velhinha janela onde me vou

Debruçar para ouvir a voz das causas,

             Eu não era o que sou.

 

Se não fosse esta fonte que chorava

E como nós, cantava e que secou ...

E este sol que eu comungo, de joelhos,

             Eu não era o que sou.

 

Ai, se não fosse este luar que chama

Os aspectos à Vida, e se infiltrou,

Como fluido mágico, em meu ser,

             Eu não era o que sou.

 

E se a estrela da tarde não brilhasse;

E se não fosse o vento que embalou

Meu coração e as nuvens nos seus braços

              Eu não era o que sou.

 

Ai, se não fosse a noite misteriosa

Que meus olhos de sombras povoou

E de vozes sombrias meus ouvidos,

              Eu não era o que sou.

 

Sem esta terra funda e fundo rio

Que ergue as asas e sobe em claro vôo;

Sem estes ermos montes e arvoredos

             Eu não era o que sou.

 

 

 

          CANCIÓN DE UNA SOMBRA

   

         Ay, si no fuera la niebla matinal

         Y la vieja ventana donde voy

         A asomarme para oír voces de cosas,

                    No sería e1 que soy.

 

         Si no fuera esta fuente que lloraba

         Y como nos, cantaba y que secó ...

         Y este sol que comulgo, de rodillas,

              No sería el que soy.

 

          Ay, si no fuera esta luna que llama

          Espectros a la Vida, y se infiltró,

          Como fluído mágico, en mi ser,

                    No sería el que soy.

 

          Y si el astro en la tarde no brillase;

          Y si no fuera el viento que meció

          Mi corazón y las nubes en sus brazos

                    No sería el que soy.

 

          Ay, si no fuera la noche misteriosa

          Que mis ojos de sombras abrumó

          Y de voces sombrías mis oídos,

                    No sería el que soy.

 

          Sin esta tierra honda y hondo río

          Que yergue alas y sube en claro vuelo;

          Sin estos yermos montes y arboledas

                    No sería el que soy.

 

 

 

A SOMBRA DE EURÍDICE

 

I

 

Canção divina as cousas comovia,

E de ternura as árvores choravam ...

E lembrava o luar a luz do dia

E os ribeiros, extáticos, paravam.

 

Era Orfeu, de inspirado, que descia

Às entranhas da terra! E se afundavam

Os seus olhos na noite, muda e fria,

Onde as pálidas sombras vagueavam.

 

Eurídice, o seu morto e triste amor,

Ouvindo-o, tomou forma e viva cor,

Íntima luz à face lhe subiu ...

 

Mas Orfeu, pobre amante enlouquecido,

Quis ver aquele corpo estremecido ...

E, outra vez sombra, Eurídice fugiu ...

 

 

II

 

Ai dos que vêem as cousas da Natura

Com este olhar da Carne, escuridão,

Que tudo nos transtorna e desfigura,

Nem mostra o mundo e o céu como eles são!

 

Com este olhar de trágica amargura

— Torva luz de delírio e confusão! ­

Que nos faz ver, brutal e tosca e dura,

A sensível e viva Criação!

 

Ó desgraçada luz, que só revelas

A face tenebrosa das estrelas

E a nossa pobre sombra, entregue à sorte ...

 

Candeia, onde é o azeite água dorida,

Não nos mostras o mundo em alma e vida,

Mas em lívido corpo e negra morte!

 

 

          LA SOMIBRA DE EURÍDICE

 

     I

 

          Sacra canción las cosas conmovía,

          Y de ternura los árboles lloraban ...

          Recordaba la luna luz del día

          Y cesaban, en éxtasis, arroyos.

 

         ¡Era Orfeo, inspirado, descendiendo

         A entrañas de la tierra! Y se hundían

         Sus ojos en la noche, muda y fría

         Donde las sombras pálidas erraban.

 

         Eurídice, su muerto y triste amor,

         Oyéndolo, tomó forma y color,

         Íntima luz al rostro le subió ...

 

         Pero Orfeo, pobre amante enloquecido,

         Quiso ver aquel cuerpo estremecido                    .

         Y, otra vez sombra, Eurídice huyó.

 

 

    II

 

       ¡Ay de quien mira a la Naturaleza

       Con ojos de la Carne, oscuridad,

       Que todo nos trastorna y desfigura,

        Ni muestra cielo o mundo como son!

 

        —¡Torva luz de delirio y confusión!­

        Nos hace ver, brutal y tosca y dura,

        La viva y la sensible Creación!

 

        Oh desgraciada luz, sólo revelas

        La tenebrosa faz de las estrellas

        Y nuestra pobre sombra, a su suerte ...

 

        ¡Candil, hecha agua de dolor tu aceite,

        No nos muestras el mundo en alma y vida

        Sino en lívido cuerpo y negra muerte! 

 

 

Extraídos de POETAS PORTUGUESES Y BRASILEÑOS

de los simbolistas a los modernistas. /Organización y estudio

introductorio: José Augusto Seabra.   Buenos Aires: Instituto

Camões; Brasilia: Thesaurus, 2002.  472 p.  

Edición bilingüe Portugués y Español.

 

LIVRO DOS POEMAS.  LIVRO DOS SONETOS; LIVRO DO CORPO;  LIVRO DOS DESAFOROS; LIVRO DAS CORTESÃS; LIVRO DOS BICHOS.  Org. Sergio Faraco.   Porto Alegre: L.P. & M., 2009. 624 p.   ISBN 978-85-254-1839-1839-5                   Ex. bibl. Antonio Miranda

                                                          
                                                                  De:  Livro dos bichos:

 

                AS AVES

      
Aves, sonhos alados,
       saem dos bosques inspirados.
       Ninhos, casas de amor,
       sinfonias de luz, orquestras do Senhor.

       Que louca inspiração
       sustenta as vossas asas, na amplidão,
       distendidas num voo vertiginoso?
       Voais, porque vos chama o céu misterioso.

       As aves voam, num encanto,
       semelhante ao do santo,
       que, no seu ermo, ao por-do-sol, medita...
       Tudo sobe na luz quimérica e infinita.

       E como os santos, padeceis
       as dores mais cruéis.
       Quem diz corpos alados
       diz corpos a sofrer, na cruz, martirizados.

       A humana criatura,
       que tem da pedra dura
       a falta de carinhos,
       persegue-os, no ar, nos bosques, nos ninhos!

       Crime terrível matar
       ave que voa, a cantar!
       Que negro horror, meu Deus,
       ver uma asa cair, como Satã, dos céus!

 

*

 

Página ampliada e republicada em fevereiro de 2023



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