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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


RUI MANUEL AMARAL

RUI MANUEL AMARAL

 

 

Nasceu no Porto, em 1973, cidade onde vive. Autor de "Caravana", livro de contos, publicado pela editora Angelus Novus, em 2008. Foi fundador da "Águas Furtadas, Revista de Literatura, Música e Artes Visuais" e seu coordenador literário entre os números 7 e 10. Está representado em diversas antologias dedicadas ao conto breve, editadas em Portugal e no Brasil. Tem colaborações dispersas por múltiplas revistas literárias. É autor de vários livros sobre história oral e tradições populares da cidade do Porto.

 

 

POEMA DO TRÁFEGO

 

Tombou uma gota, depois outra,

em seguida numerosas gotas tombaram

sobre os vidros e o tejadilho.

As velhotas fecharam as janelas

e o ar ficou mais quente.

Agora é um imenso casulo azul,

cercado pelo murmúrio da chuva.

Em volta há milhares de flores intermitentes

brilhando na escuridão.

Flores vermelhas, verdes

e amarelas.

O rádio explode: 20 horas no continente e madeira,

19 nos açores.

Enquanto as velhotas cabeceiam,

o autocarro avança mais um metro

 

por dentro da eternidade.

 

 

 

POEMA DOS POMBOS EM SANTA CATARINA

 

É um final de tarde a rebentar de sol pelas costuras.

 

Desço santa catarina no meio da corrente:

gente e sacos de plástico

a crescer por todo o lado.

 

Na esplanada branca do majestic, ingleses e espanhóis

olham distraídos o movimento das vagas.

Maré alta e maré baixa,

maré alta e maré baixa.

 

Enquanto bandos de pombos

lançam anzóis de cima dos telhados.

 

 

De um momento para o outro

 

Os melros nem sempre foram os pássaros

tímidos e esquivos que conhecemos hoje.

Houve um tempo em que os melros

eram brancos e, em alguns casos, semelhantes

a peixinhos dourados.

E cantavam maravilhosamente

nas tardes sombrias de Inverno e escondiam-se

nas profundezas húmidas dos jardins

e comiam minhocas também.

 

Mas depois,

de um momento para o outro,

 

tudo mudou.

 

 

QUE DIRÁS ESTA NOITE

 

Desta vez eu tenho um plano.

Vou crescer para ti como um gato,

aninhar-me como um gato no teu colo,

vou sussurrar coisas secretas ao teu ouvido,

prender o teu coração como uma sombra

ou um deus silencioso.

Esta noite, um saco de flores

para o meu único amor.

Um cigarro eternamente azul

 

para mim.

 

 

You Are Here

 

Meia-noite no porto a um domingo de tarde.

O sol avança sem vontade, como um gato ensonado,

pelas amenas ruas de Fevereiro.

Os cafés rangem cheios de gente

acendendo e apagando eternos cigarros

impregnados de Inverno.

Os velhos cruzam a cidade,

aos pares nos autocarros,

de lá para cá e de cá para lá,

dormindo profundamente.

E os pássaros quase se deixam apanhar,

Flutuando como borboletas pesadas

Sobre os canteiros indolentes das praças.

Tudo isto se pode ver em plena penumbra.

E tudo isto Fevereiro arruma,

lenta e meticulosamente,

ao longo de uma interminável tarde de domingo.

E pronto. Mais nada.

 

 

Inventário

 

Duas esculturas em pedra de mestre mateo (séc. xiii)

dois zurbaran, um luis de morales,

um elegante e suave cristo muerto sostenido por um ángel,

o inquietante retrato de juan rizi,

la dolorosa de murillo, um valdés leal,

outro carreño, um claudio coello,

os retratos de felipe iv e do conde de benavente,

ambos de velazquez.

 

A raiva e a sua fonte mais apaixonada,

o amor.

 

 

CEUTA

 

 

Café Ceuta. Anoitecer. À minha volta as mesas estão vazias. Dois

empregados conversam ociosamente encostados ao balcão. A porta abre-se

(vento frio). Um homem entra. Senta-se do outro lado da sala. Um

empregado aproxima-se. O homem pede um café. O empregado afasta-se.

O homem tira um livro da mala preta e pousa-o sobre a mesa. Acende um

cigarro. Lê a primeira página. O empregado traz o café. O homem bebe um

pouco. Depois arranca a página e come-a. Lê a página seguinte. Acaba de

beber o café. Arranca essa página e come-a também. Apaga o cigarro.

Fecha o livro e guarda-o na mala preta. Levanta-se. Aproxima-se da porta

(vento frio).

 

Noite. As mesas continuam vazias. Lá fora as árvores na praça falam entre si,

na sua linguagem nublada de anjos da distância.

 

 

Eléctrico n.º 18

 

Tarde cinzenta de domingo. Chuva a bater nos vidros,

pouco trânsito desaparecendo nas ruas quase desertas do fim-de-semana.

Lembra-me as antigas tardes de Inverno

em que descíamos de eléctrico a avenida da Boavista

entre as pequenas histórias do dia e o vento frio

que crescia nas janelas.

Vagaroso como um caracol, o velho eléctrico seguia pela tarde,

por dentro da sua fina concha de sal.

Cinco mil metros de solidão até ao mar

e o meu amor a desaparecer sob uma nuvem de espuma.

 

Imenso o céu, intocado pelo brilhos das vastas ondas,

o mar tão branco enrolando nos cabelos,

a invadir os muros, a ecoar nas fachadas.

Homens e gaivotas remoinhando no vento,

os dedos claros como grãos de areia.

Por entre as árvores baixas da foz

o mar espalhava as suas sementes misteriosas.

 

Há muito que o eléctrico não desce a longa avenida.

Hoje lembrei-me de ti. A tarde caía para sempre

no coração sombrio deste longo Inverno.

Um resto de morte invadiu-me antes ainda de a noite nascer.

 

 

Página publicada em janeiro de 2009

 



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