RUI LAGE
nasceu no Porto em 1975. Publicou, nas Quasi Edições, os livros de poesia Antigo e Primeiro (2002) e Berçário (2004), e para a mesma casa traduziu poemas de Paul Auster (Poemas Escolhidos / Selected Poetry, 2002) e de Pablo Neruda (Crepusculário / Crepusculario, 2005). Em 2005 publicou, nas Edições Mortas, a peça de teatro Não há mais que Nascer e Morrer. Participou em diversas antologias de poesia. É membro da direcção da Fundação Eugénio de Andrade. Fundou e dirigiu a revista de literatura, música e artes visuais aguasfurtadas entre 1998 e 2004 (editada pelo Núcleo de Jornalismo Académico do Porto). Escreve crítica literária para as revistas Cadernos de Serrúbia (FEA), apeadeiro (Quasi), e Terceira Margem (Centro de Estudos Brasileiros da Faculdade de Letras do Porto).
Fonte da biografia e foto: http://antologiadoesquecimento.blogspot.com
Birds, beats, and flowers
seeing iron break and bud
This is the iron age
but let us take heart seeing iron break and bud seeing rusty iron puff with clouds of blossom D.H.Lawrence
seeing rusty iron puff with clouds of blossom
A pele do pêssego de Lawrence
amadurando nas tuas mãos,
o aguaceiro manso das jovens
passeando na sala tardia.
Ao longe nuvens de flores aparecem
raiando a costa do ferro e do gelo,
a ilha de Miranda sabe o caminho para a casa da luz,
escrito no sangue do tigre
que nos livros
acende a temível simetria da noite:
sangue sujo de amor
na inocência
e na experiência.
Na sala tardia,
a polpa ferida de literatura inglesa,
o caroço preso à floração
de vestido de Ofélia
que ouviu adagas
e medrou lilazes da terra sem vida
Espera a romã, os figos,
a nêspera: não esperes o enfarte,
acento agudo
na sílaba final do mais longo dos versos.
Moral da história
Deixamos passar o outono, o inverno,
a primavera, o verão,
e fazemos de conta que lhes sobrevivemos
como se tudo não passasse
de inofensiva e reversível
sucessão.
Passeamos de mãos dadas,
temos filhos e casamos,
pedimos a reforma,
partilhamos o gelado na praia
junto à rebentação,
apertamos o casaco na gola
quando as folhas se deitam,
pisamos papoilas em caminhos
de aldeias abandonadas,
olhamos a água no tanque
quando levamos o cão à rua
de madrugada,
e dizemos: é isto a vida, é isto
o real
(e assim nos enganamos)
como meninos
livres para brincar junto do poço
enquanto a mãe não está a olhar
ou fala ao telefone,
ou prepara o almoço.
Poemas extraídos da revista POESIA SEMPRE, Num. 26, Ano 14, 2007. Edição da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
CORVO
Poderás ralhar
nevermore
nos umbrais da poesia
cobiçar a capoeira
ao galo a cantar pelo menos
desde as cantigas de amigo:
de ti os vindouros sem penas
farão arroz de cabidela
ou quem sabe torpe gralha,
de corvo corruptela.
De ruínas farás sempre
uma torre habitada,
viela, balcão, taberna assombrada,
inútil protesto
de utilíssimo nada.
Página publicada em novembro de 2009
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