Pedro Proença
Comentários ao apocalipse
Organização Floriano Martins.
São Paulo: Escrituras, 2010. 222 p.
Autorretrato
Pedro Proença. Nascido por Angola (Lubango) pouco depois de rebentar a guerra (1962), veio para Lisboa em meados do ano seguinte, isso não impedindo porém que posteriormente jornalistas lhe tenham descoberto «nostalgias» de África. Fez-se rapaz e homem por Lisboa, meteu-se nas artes e tem andado em galantes exposições um pouco por todo o mundo, com incidência particular no que lhe é mais próximo. O verdadeiro curriculum oficial mostra muita coisa acumulada com alguma glória e devota palha. Tem ilustrado livros para criancinhas e não só, não porque lhe tenha dado ganas para isso, mas porque amigos editores Ihe imploraram. Também publicou urna estória entre as muitas de sua lavra (The great tantric gangster, Fenda, em edição que, por estranhos motivos, foi retirada de circulação), um livro muito experimental de ensaios (A arte ao microscópio, também da Fenda) e um grosso livro de poemas comentados com imagens (O homem batata, editado pelo Parque das Nações). Compõe, mediocremente, música em seu computador, e é um yogui quase consumado.
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Fragmentos de:
Eclipses e outros palimpsestos (1978/1997)
1
Os sacrifícios ficam por cheirar
por causa do pelo na venta
e sempre que alguém acende o lume
buscando dádiva agoirenta
surgem como riscados fósforos os deuses:
a demora em assar a vítima
é engolida nas sílabas rituais
e recozida nas brasas finais.
O sacrifício ressurge como incumprimento
e promessa aterradora
aceitado pelo vento
e recortado à tesoura.
Que é daqueles que em céus soterrados,
demolidos, divididos, despejados,
e de ignotos demônios pejados
se perderam recatados
em buscas bruscas e bocais?
Onde a pergunta traça o esboço
a resposta surge destroço.
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