POESIA PORTUGUESA SURREALISTA
PEDRO OON
(1926-1974)
Pedro dos Santos Oom do Vale (Santarém, 24 de Junho de 1926 – Lisboa, 26 de Abril de 1974) foi um escritor e poeta surrealista português. Inicialmente ligado ao neo-realismo, ingressou, no final da década de 40, na corrente surrealista, participando das actividades do Grupo Surrealista de Lisboa e também do anti-grupo "Os Surrealistas". Foi o mentor da teoria do Abjeccionismo, redigindo em 1949 o Manifesto Abjeccionista, texto que se perdeu.
Aos 2 anos acompanhou a família na sua mudança para Setúbal e a partir dos 11 fixou-se na cidade de Lisboa. Frustrou o desejo que tinha seu pai de o ver ingressar no Colégio Militar ao entrar para a Escola de Artes Decorativas António Arroio onde conheceu Júlio Pomar, Vespeira, Mário Cesariny, Cruzeiro Seixas e outros. Oom, inicialmente ligado ao neo-realismo, aderiu, no final da década de 40, ao surrealismo, movimento que o definiria enquanto poeta.
Aos 24 anos, tornou-se funcionário público no INE, afastando-se de toda a actividade artística e literária ligada ao surrealismo. Dedicou-se, entretanto, com entusiasmo, ao xadrez modalidade na qual se distinguiu. Morreu no dia 26 de Abril de 1974, pelas duas e trinta da tarde, no Restaurante “13” quando, com alguns amigos, festejava os acontecimentos da véspera.
Segundo José Jorge Letria, no seu livro "E Tudo Era Possível" (Clube do Autor, 2013), Pedro Oom terá falecido no dia 30 de Abril de 1974, "fulminado por um ataque cardíaco", no aeroporto da Portela, no regresso do exílio em Paris de José Mário Branco, Luís Cília e Álvaro Cunhal. "Um poeta surrealista acabara de morrer, na hora da celebração do regresso dos exilados à pátria reconciliada com a liberdade e com a promessa de um futuro democrático", escreveu José Jorge Letria.
A sua obra literária, poética e panfletária, de uma escrita fortemente influenciada pelo surrealismo, servindo-se de imagens insólitas e impregnada de uma ironia violenta e mordaz, ficou dispersa por jornais e revistas, entre as quais a revista Pirâmide (1959-1960). Apenas em 1980 foi reunida e publicada postumamente nos dois volumes de Actuação Escrita. Fonte: wikipedia.
ACTUAÇÃO ESCRITA
Pode-se escrever
Pode-se escrever sem ortografia
Pode-se escrever sem sintaxe
Pode-se escrever sem português
Pode-se escrever numa língua sem saber essa língua
Pode-se escrever sem saber escrever
Pode-se pegar na caneta sem haver escrita
Pode-se pegar na escrita sem haver caneta
Pode-se pegar na caneta sem haver caneta
Pode-se escrever sem caneta
Pode-se sem caneta escrever caneta
Pode-se sem escrever escrever plume
Pode-se escrever sem escrever
Pode-se escrever sem sabermos nada
Pode-se escrever nada sem sabermos
Pode-se escrever sabermos sem nada
Pode-se escrever nada
Pode-se escrever com nada
Pode-se escrever sem nada
Pode-se não escrever
O HOMEM BISADO
Alegra-me ser todas as coisas e as sombras que elas projectam
ser a sombra dos teus seios e da tua boca
o criado de smoking branco que te agita os cabelos
para um cocktail estimulante e fresco
a mesa onde passo a ferro o teu corpo
as espáduas as coxas a curva macia dos joelhos
alegra-me ser o contorno da tua nuca e o binário motor dos teus braços
embora mais pequeno do que um corpúsculo celeste
sou os milhões de astros microrganismos estrelas
a rota de todos os navios perdidos
a angústia síntese de todos os suicidas
a forma de todos os animais conhecidos
o desenho rigoroso de toda a flora existente
Ontem em Paris hoje em Lisboa amanhã em Júpiter
caminho para a resolução de todos os problemas
sem a certeza de resolver qualquer deles
como se fosse uma máquina de somar parcelas
quatro vezes quatro oito vezes dez oitenta
sabe-me a vida ao que É
esta progressão assustadora de crocodilos bebendo limonada
Ontem fui a prostituta a quem paguei a noite
hoje serei talvez o inocente violentador frustrado
Sutmil é a cidade para onde me evado todas as noites à aventura
e «os anéis de Saturno são a força centrífuga-centripta que me
agita os braços no espasmo amoroso»
a cabeça em Marte os pés na Terra
vindo «lá do fundo do horizonte lívido»
O comboio está na gare o comboio vai partir
apressemos o passo o momento é solene
somos o automóvel que sobe a avenida
a pulsação acelerada dos maquinismos
taxímetro de uma cidade de província
satélites de um satélite lunar
Tu és o aeroporto eu o avião que parte
e muito mais calmos entre éter e fogo
percorremos os sonhos de planeta em planeta desfolhando o
futuro a flor sempre rara
e marcamos nos astros o nosso roteiro DEZ QUILÓMETROS
amanha tirarei o curso de sonhador especializado
AS VIRTUDES DIALOGAIS
Dentro
de mim
há uma planta
que cresce
alegremente
que diz
bom dia
quando nos amamos
ao entardecer
e boa noite
quando florimos
à alvorada
uma árvore
que não está com o tempo
este tempo
a que chamamos
nosso.
Página publicada em janeiro de 2014
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