PEDRO HOMEM DE MELO
(1904-1984)
Pedro da Cunha Pimentel Homem de Melo (Porto, 6 de Setembro de 1904 — Porto, 5 de Março de 1984) foi um poeta, professor e folclorista português.
Foi um dos colaboradores do movimento da revista Presença. Apesar de gabada por numerosos críticos, a sua vastíssima obra poética, eivada de um lirismo puro e pagão (claramente influenciada por António Botto e Federico García Lorca), está injustamente votada ao esquecimento. Entre os seus poemas mais famosos destacam-se Povo que Lavas no Rio e Havemos de Ir a Viana, imortalizados por Amália Rodrigues, e O Rapaz da Camisola Verde. (Comentário extraído da wikipedia)
LIBERTAÇÃO
Pesa-me, inteira,
A flor que falta
Para a roseira
Ficar mais alta.
Pesa-me a Lua!
E a noite vem,
De espada nua,
Buscar alguém...
Pesa-me a neve.
Ou a montanha?
Dizem que é leve.
Mas é tamanha!
Chumbo ou veludo.
Seja o que for!
Pesa-me tudo
Menos a dor.
(Nós portugueses somos castos)
MARÉ VASA
Expulsos do governo da cidade,
Descalços, pela noite, vimos todos
Restituir-te, à flor dos nossos lodos,
A dádiva suprema da verdade.
Nós, o amor, ou antes: a pureza.
Nós, a virtude, ou antes: o sorriso.
Expulsos do terreno paraíso
E com a carne, para sempre, acesa.
E não foi mais que sonho o nosso crime!
E não foi mais que sopro o nosso abraço!
Mas todos Te seguimos, passo a passo,
À espera do remorso que redime...
Expiação de quê? De que pecados,
se demos rumo eterno e tantas vidas?
Ó capitão das tropas esquecidas
Que, assim, deixas de morrer os teus soldados!
(Expulsos do governo da cidade)
DÚVIDA
Vendo rir Cleópatra,
a dos lábios finos,
o artista pensou
unir dois destinos...
Depois viu Desdémona,
e logo a achou bela
com seu vestuário
de seda amarelai
A Iseu finalmente
fez versos de amor,
em cântico ardente
mas enganador.
Tão perto, tão perto
esteve da chama!
E se ama ou não ama
não sabe ainda ao certo...
FUGA
O músico procura
fixar em cada verso
o cântico disperso
na luz, na água e no vento.
Porém luz, vento e água
variam riso e mágoa
de momento a momento.
Em vão a ária dos dedos
se elevai Não traduz
os súbitos segredos
escondidos no vento,
nas águas e na luz...
*
Ardem cílios ao vento, mas a vida
foi-se esconder na pálpebra descida.
Foi-se esconder na pálpebra dobrada...
(— Sono leve de pétala cansada!)
E os cílios ardem, ardem, mas a vida
foi-se esconder na pálpebra caída...
Pálpebras quietas! Quem se lembra, ao vê-las
do sono que sob elas tece estrelas?
De "Segredo"
[ MELO NETO, João Cabral ] O CAVALO DE TODAS AS CORES # revista trimestral dirigida por ALBERTO DE SERPA e JOÃO CABRAL DE MELO NETO. Barcelona Espanha, número 1, janeiro de 1950. Inclui Inclui: “Nove canções católicas, por Pedro Homem de Mello; “A bomba atômica”, por Vinicius de Moraes; “Cuatro poetas” [Antonio Machado, Frederico García Lorca, Miguel de Unamuno e Miguel Hernández], por R. Santos Torroella; Poesia”, texto por José Régio/ “Xilogravura popular en Cataluña”, por E. Tormo. Publicação inconsútil, duzentos exemplares. “João Cabral de Melo
Neto “. Ex.bibl. Antonio Miranda.
NOVE CANÇÕES CATÓLICAS
por PEDRO HOMEM DE MELLO
I
São cinco letras... Pedro é o meu nome.
Daí o rumo da minha sorte...
Meu nome é Pedro. Que triste nome!
Tem tantas letras aquele nome
Como a palavra triste da morte !
Eu, o das mil volúpias ignoradas,
O santo da montanha, ainda não vista,
Onde, por maldição, deixou pègadas
Quem não foi só Poeta, mas artista,
Eu, Dom Quixote e nunca Machiavel,
Rico, entre os pobres, e, entre os ricos, pobre,
Eu, cujo sangue azul vem desde Abel,
Desde Camões e desde António Nobre,
Eu que troquei o mar pelo jardim
E, pela praia estúpida, a floresta,
Depois de morta a Morte, (e, morta, em mim!)
Que hei-de fazer da vida que me resta?
II
A minha pátria existe onde haja amor.
Com ele, até Dezembro é mês de Abril!
Preciso da beleza dum perfil
Para aguentar a cruz, seja onde for.
Mas, afinal, as ondas e os escolhos,
Os tenros campos e as cruéis montanhas
São meu nariz, meus beiços e meus olhos...
Corpo com alma? Sim. Mas com entranhas.
III
Era um jardim de má fama.
Quanta vez, atravessei-o,
Sentindo aquele receio
Das mãos, diante da chama!
Coragem ou cobardia?
Sei que, às vezes, noite fora,
A mim próprio, em vão, dizia:
— Soou minha ultima hora!
Acaso? Talvez... Porém
Nem um rastro de vestido!
Jardim negro e proibido,
Nele nunca vi ninguém.
Lago, relva, estátua, arbusto
— Espelhos do meu prazer!
Jardim que era, a bem dizer:
Depois, remorso, e, antes, susto.
IV
A quem me tratar por tu
Não direi mais:—Meu Senhor!
Sob o luxo enganador,
O corpo existe. E esse é nu.
V
NÃO no meu rosto que mantenho liso,
Não no meu peito que mantenho ondeante,
A idade me segreda, em cada instante,
Que está, perdido quase, o paraíso.
Mas nessa flor que eu sinto abrir-se toda
Em pétalas de quanto desconheço
E me sugere um repetido preço
De breve, falsa, repetida boda...
VI
ROSA que eu traga no seio
Tenha a cor do meu país!
Pus uma rosa no seio...
Mas o amor nunca mais veio.
—Nossa Senhora não quis...
E a todo o espelho componho
O olhar de negro verniz!
De que me serve este sonho?
Quis dar alma e corpo ao sonho.
—Nossa Senhora não quis...
Vinte anos? Dança? Beleza?
Tudo o que a vida me diz
Rima com dança e beleza...
Quis a noite mais acesa!
—Nossa Senhora não quis...
Quis dar um rei ao meu povo,
Dar-lhe a fé na flor-de-lis.
Quis dar-lhe ânsias de renovo!
Quis ser o rei do meu povo...
—Nossa Senhora não quis.
E quis, então, com alarme,
Refazer o que desfiz.
E pelo sinal de alarme
Com meus versos quis manchar-me.
—Nossa Senhora não quis!
VII
AQUELA formosura, arrecebida
Nessa herança fatal que anda comigo,
Pôs manchas de remorso, em minha vida,
Como um castigo...
O mar tão perto! E o ceu tão longe ainda!
E por inferno: o inferno por abrigo.
Se a minha boca era vermelha e linda
Como um castigo!
Amor! única espada e única algema!
Única estrela atrás da qual eu sigo!
Desça por fim seu plúmbeo diadema
Como um castigo!
E ficou rósea a flor da minha face!
E, ao vê-la, ainda me chamam: —Doce amigo...
Oh! não ter vindo alguém que me acordasse
Para que tudo para mim findasse
Como um castigo!
VIII
E nada mais me importa além do pranto
Que por milagre escorre em minha face.
Senhor! Senhor! Senhor! Se eu não chorasse
Não valeria a pena eu sofrer tanto!
Não valeria a pena tanta mágoa
Se a luz só fosse artificial e dura.
Não há para os meus olhos formosura
Que me não deixe os olhos rasos de água.
Ó Fontes que, em meus olhos, misteriosas
Hão-de brotar, se a flor cair da haste!
Um calcanhar está sempre onde há rosas.
— Naquelas que não viste, mas pisaste...
IX
QUERO a minha campa, linda
Apenas, de inúteis flores.
E hei-de morto, ser, ainda,
(Se um Poeta nunca finda!)
Viúvo de mil amores...
CABANAS, Verão de 1949
Página publicada em fevereiro de 2010; página ampliada e republicada em agosto de 2015.
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