NUNO BRITO
Nasceu no Porto, Portugal, em 1981. Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde fez a pós-graduação em História Medieval e do Renascimento e o curso de formação contínua em Teoria da Literatura. Frequentou o Instituto de Estudos Medievais em Roma.
Prêmio no Concurso Literário da Faculdade de Letras UP (Poesia).
Publicou a obra de poesia “Delírio Húngaro em 2009.
Nuno Brito.
Antologia. Poesia.
Brasília: Thesaurus, 2011. 74 p.
Edição de 260 exs. ISBN 978-85-64494-19-0
Delírio Húngaro
I.
Tal como a Morfina, tiro a dor ao homem
Quem me olha nos olhos nunca mais será livre
Sou a mulher mais bela de todas as mitologias
Sou o paraíso em vida — o mais perigoso de todos,
Sou loucura criadora
Patrícia, a Irmã de Deus
Os meus filhos são todas as coisas, todas as possibilidades
minhas filhas
Induzo os mais complexos suicídios,
Dou a vida e tiro a vida e não acho isso bem nem mal porque sou
uma flor e as flores não julgam — são indiferentes e tristes
Aconselho os românticos alemães a pegarem nas suas
espingardas e a lutarem por causas inúteis. Meto-lhes pólvora
nas armas,
Provoco-lhes os Maiores prazeres
Sou feita de carne e não de luz -
Sou Nossa Senhora do Polo Norte
a ver o sol pingar sobre o gelo:
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II.
Sou o sonho de um camelo deficiente,
o delírio das gémeas siamesas
o pesadelo de quatro girafas recém-nascidas
A paralisia é o contrário de Deus — dizias
Por baixo das minhas saias, afago-te a cabeça —
Sou as cinzas de um ditador a voar no bico de um corvo
todos os vendedores de marmelada na fronteira do Iraque
Por baixo das minhas saias — Amo-te como uma perdida
III.
Sou a possibilidade — na minha boca os bois lavram os campos,
Deixam as marcas carolinas das suas patas
O arado escreve na minha língua uma rima de Petrarca
Em letra carolina da mais perfeita caligrafia
Escrevo que te adoro em fluorescente métrica nova
As fadas papistas de tule Lambuzam-se de geleia e compotas
Sonhos: os mais doces, por exemplo
África partiu-se ao meio
na minha boca África inteira
Link, link, link, link
IV.
O medo de ficar sozinha, com a deusa da fertilidade a roer-me o
útero
Os desejos mais fundos — de um operador de gruas
A boca cheia de neve
Os cabelos a arder ao som da música —
ruivos — os phones !
As nuvens do sonho são menos bonitas
Flocos de neve em Bruxelas, os anjos aquecem-se
Percorro todos os dias uma auto-estrada de prata que vai até ao
centro da tua alma
O prazer está em cada átomo,
em cada átomo - o universo
Os pasteleiros batem a massa em toda a Hungria
na Alta Hungria e na Baixa Hungria
Amanha os meninos húngaros, os roais gulosos —
os pasteleiros húngaros, os mais tristes
— Olha para mim nos olhos
tenho os olhos tristes, dizias:
Os mais tristes de todos
Leituras de Domingo
Vi naquele dia 500 bispos nus a correr pela praia. Mãe!! Mâee!!
Os bispos vinham lá de cima do tempo futuro, saltando para trás
a correr como sapos.
Houve uma altura em que caí num poço cheio de água
Quando ia a cair reparei que o poço não tinha água nem tinha
fundo.
Continuei a cair durante vários meses e fui sair do outro lado do
mundo.
Encontrei lá uma coisa muito estranha!
Uma mãe! Uma mãe igual a ti que me disse que também era
minha mãe. Depois explicou-me que um homem decente tem
que ter pelo menos mil mães que olhem por eles.
Os califas de Bagdade tinham no Harém do seu palácio 5.000
mães, todas elas suas que os amamentavam até eles serem já
velhos e lhes contavam histórias bonitas antes de adormecer.
Mas que raio vem a ser isto tudo?
Onde estão os moralistas com voz de corneta que nunca mais
aparecem para colocar um fim a toda esta situação?
Onde estão os apocalipses prometidos pelos falsos profetas?
Mãe!! Explica-me o mundo, pelos livros não chego lá.
Página publicada em junho de 2011
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