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Foto: http://www.escritas.org/pt

MÁRIO DIONÍSIO


(Lisboa,16 de Julho de 1916 — Lisboa, 17 de Novembro de 1993) foi um crítico, escritor, pintor e professor português.

Personalidade multifacetada, Mário Dionísio teve uma ação cívica e cultural marcante no século XX português, com particular incidência nos domínios literário e artístico.

Licenciou-se em Filologia Românica em 1940 na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi professor do ensino liceal e secundário e, depois do 25 de Abril, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde havia sido estudante.

Foi autor de uma obra literária autónoma (poesia, conto, romance). Fez crítica literária e de artes plásticas; realizou conferências, interveio em debates; colaborou em diversas publicações periódicas, entre as quais: Seara Nova, Vértice, Diário de Lisboa, Mundo Literário  (1946-1948), , Gazeta Musical e de todas as Artes. Prefaciou obras de autores como Manuel da Fonseca, Carlos de Oliveira, José Cardoso Pires, Alves Redol.

Enquanto artista plástico usou os pseudónimos de Leandro Gil e José Alfredo Chaves. Participou em diversas exposições coletivas, nomeadamente nas Exposições Gerais de Artes Plásticas de 1947, 48, 49, 50, 51 e 53. Realizou a sua primeira exposição individual de pintura em 1989.[3]

Mário Dionísio desempenhou um papel de relevo na teorização do Neorrealismo português, "movimento literário que, nos anos de 1940 e 1950, à luz do materialismo histórico, valorizou a dimensão ideológica e social do texto literário, enquanto instrumento de intervenção e de consciencialização". No contexto das tentativas de reforma cultural encetada pelos intelectuais dessa corrente, através de palestras e outras ações culturais, "participou num esforço conjunto de aproximar a arte e o público, de que resultou, por exemplo, a obra A Paleta e o Mundo, constituída por uma série de lições sobre a arte moderna. Poeta e ficcionista empenhado, fiel ao «novo humanismo», atento à verdade do indivíduo, às suas dolorosas contradições, acolheu, na sua obra, o espírito de modernidade e as revoluções linguísticas e narrativas da arte contemporânea".

Em Setembro de 2009 abriu ao público a Casa da Achada – Centro Mário Dionísio, fundada em Lisboa em Setembro do ano anterior por mais de meia centena de familiares, amigos, ex-alunos, ex-assistentes, conhecedores e estudiosos da sua obra. Partindo do espólio, interesses e obra de Mário Dionísio, a Casa da Achada – Centro Mário Dionísio, pretende ser um pólo cultural na cidade de Lisboa.   Fonte: wikipedia.

 

 

ARTE POÉTICA

 

A poesia não está nas olheiras imorais de Ofélia

nem no jardim dos lilazes.

 

A poesia está na vida.

Nas artérias imensas cheias de gente em todos os sentidos,

nos ascensores constantes,

na bicha de automóveis rápidos, de todos os feitios e de

                                                                     todas as cores,

nas máquinas da fábrica

e nos operários da fábrica

e no fumo da fábrica.

A poesia está no grito do rapaz apregoando jornais,

no vai-vem de milhões de pessoas ou falando ou
                                                       praguejando ou rindo.

Está no riso da loira da tabacaria,

vendendo um maço de tabaco e uma caixa de fósforos.

Está nos pulmões de aço cortando o espaço e o mar.

A poesia está na doca,

 

nos braços negros dos carregadores de carvão,

no beijo que se trocou no minuto entre o trabalho e o

                                                                     jantar

— e só durou esse minuto.

A poesia está em tudo quanto vive, em todo o movimento,

nas rodas dos comboios a caminho, a caminho, a caminho

de terras sempre mais longe,

nas mãos sem luva que se estendem para seios sem véus,

          na angústia da vida.

A poesia está na luta dos homens,

está nos olhos rasgados abertos para amanhã.

 

 

IRREMEDIÁVEL

 

Quando eu continuar na minha marcha eterna,

direito no caixão, sereno e branco,

tu ficarás sozinha.

E talvez só entendas claramente

que, além de ti, eu era a única pessoa.

As mãos que se estenderem para ti

ser-te-ão irreais, como de fumo.

E todas as bocas serão gélidas e mortas,

e todas as palavras gélidas e mortas,

tudo gélido e morto para ti.

Terás os cabelos singelamente escorridos

e os olhos molhados

e as mãos abandonadas.

E só então (tam tarde) tu verás,

com a lucidez que vem depois das coisas consumadas,

a verdade total.

Tuas olheiras roxas

e os ombros caídos ao peso dos braços

serão a medida exata desta palavra: angústia.

Um manto de inutilidade e do vazio cairá sobre as coisas.

Ah mas então será tarde, imensamente tarde!

Porque eu estarei direito no caixão, sereno e branco,

sem poder repetir-me nunca mais.

 

 

ESTAREI SEMPRE LÁ FORA

 

O mundo que vem da tua ternura inatingível

será um mundo sempre fraco.

 

Nem a tua voz diferente,

 

nem a tua clara gargalhada,

nem a tua pele, dura e tenra, macia, macia,

poderão afastar-me do mundo a esfacelar-se no nevoeiro

                                                                     universal.

Nada da tua alegria poderá apagar em mim

a angústia dos outros — fim e princípio de tudo quanto

                                                                               sou.

Nada poderá distrair-me

dos gritos lá de fora enchendo as ruas de braços e de

                                                      bocas dolorosas.

 

Nada poderá afugentar-me.

 

As tuas mãos serão sempre impotentes para reter-me

no caudal correndo sempre.

Fraca sempre a tua carne para embriagar-me inteiramente.

 

Porque, por mais que me sintas na sensação das formas

dentro de ti no isolamento de tudo,

eu estarei sempre lá fora,

rugindo e batalhando,

vivendo com os outros.

 

 

Página publicada em setembro de 2015


 

 

 
 
 
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