LUIS DE MONTALVOR
(1891-1947)
Luís de Montalvor (S. Vicente, Cabo Verde, 31 de Janeiro de 1891, Lisboa, 2 de Março de 1947) é o pseudónimo do poeta português Luís de Montalvor, pseudónimo de Luís Filipe de Saldanha da Gama da Silva Ramos, poeta e editor português . [ Luiz de Montalvor ; Modernismo ]
Fundou as revistas Orpheu, em 1915, e Centauro, em 1916, e foi colaborador das revistas Atlântida (1915-1920) , Contemporânea (1915-1926) e Sudoeste (1935)
CANÇÃO
Da Walhala modelado,
o bárbaro surgia
às portas de Bizâncio
à hora em que floria
a latina Blasfémia
pelas salas ignotas.
Senhor! Senhor! Que os bárbaros
forçam as áureas portas!
E, forçadas, puseram rosas, rosas
nas cabeças hirsutos e temidos,
exangues do perfume dos cadáveres
daqueles velhos Deuses abolidos.
— E tais, que se tornando adolescentes,
débeis, por entre as chamas de um tesouro,
espectrais, foram deixando pelas portas
sinais pintados dos seus dedos de ouro!
ÉCLOGA
Meus pensamentos são rebanhos:
estremalhados uns, e tristes
outros pastoreiam seus cuidados.
Sonho vê-los, quando sorriste
daquela margem imaginária
tão só dos sonhos imortais,
à hora em que a flauta débil
suspira os seus fingidos ais.
E é de ouro a hora em que te espero
nesta paisagem que mentiste,
perdidos os rebanhos meus
na errada calma em que sorriste.
— E hoje, morto o sonho, deploro
dos meus cuidados o remédio,
e só o teu sorriso imploro,
ó guardadora do meu tédio!
in "Presença"
CANÇÃO
Cortina verde a abanar
ao correr do doce frio,
pudesse a mão que te move
suster meu sonho vazio.
Pudesse de qualquer modo
que tu és, sê-lo também:
cortina verde a abanar,
sem a imagem de ninguém.,
Puro contorno ideal
de cousa inexistente —
pudesse o sonho que sonho
ser o meu ser de contente.
Que a sem razão que te move,
— cortina verde a abanar
pra além das margens do rio —
é a sem razão de sonhar
ao correr do doce frio.
in "Presença"
Ninfas! vós penteais o pavor à janela
da minha alma através a hora sombria e bela.
Coroas não serão sobre mim as de flores
que desfolhais, mas brancos braços de amores
que abrem noturnamente e num país sem dia...
Sois o sonho de mim ao colo da alegria!
*
Flauta débil e ligeira, recorta em sonho
Teu ser antigo e triste. Dá-me às coisas e a mim
Um ar de Deus e o teu modo de ser pensante,
Teu modo que está por detrás de ti.
Ah! plange e chora na minha voz comigo:
Plange divina e bucolicamente!
Traduz-me às coisas por outro modo que
Não seja eu... Ó flauta débil e ligeira!
Traz-me as horas pálidas do desconforto,
Traz-me os sonhos presos nos teus ecos...
Alivia-me a vida com o teu sopro vago
De ilusão, ó ternura sem par! horto
De embriaguez! Jardim suspenso de tristezas!
Solitário instrumento de cisma antiga,
Mãe fingida, lacrimosa de todas as coisas,
Solta as asas de alegria sobre a vida!
Põe uma pausa de pensar nesta paisagem:
(Um vácuo de ser em nós próprios),
Um alheamento de almas na penumbra,
Vago esboço de céus falhados, caídos,
— Gesto de tatearmos com a nossa própria sombra.
Pontua a realidade e deixa-me esse momento
Em que somos uma breve paragem no além:
— Estrangeiros entre os sentidos e o acordarmos...
Encosta-me ao seio das horas descuidadas
E que no frio sono durma o perfil de um Deus.
in "Sudoeste", 1935
MEIRELES, Cecília. Poetas Novos de Portugal. Seleção e prefácio de Cecília Meireles. Rio de Janeiro: Dois Mundos Editora Ltda, 1944. 317 p. ilus. p&b. 14 x 21 cm. Coleção Clássicos e Contemporâneos, dirigida por Jaime Cortesão. Encadernado, 250 exs.
Ex. bibl. Antonio Miranda
“Fundador de “Orpheu”, que no ano seguinte de sua fundação tentaria a revista “Centauro”, pertence mais — já se tem dito — à estirpe do simbolismo francês. Uma extraordinária elegância de forma, a serviço de discreta e comovida ternura, a escolha de temas vagos e imaterializados, dão-lhe um lugar aparte entre os seus contemporâneos.”
CECÍLIA MEIRELES
Página publicada em agosto de 2015 |