JOSÉ MARIA RODRIGUES DA SILVA
Nasceu em Almada, Portugal, em 16 de maio de 1932, tem-se afirmado como ensaísta e privilegiado a reflexão sobre o Poder a Modernidade; mas, a sua obra abarca , além do Ensaio, a Ficção, o Teatro e a Poesia.
SILVA, José Maria Rodrigues da. 20 Poemas portugueses e 20 Poemas de Macau. Ilustrado por Carlos Marreiros. Porto: Fólio Edições, 2001. 91+91 p. Livro com duas capas, uma em português e outra em chinês; o livro é como as edições canadenses, que começam nas duas duas capas: na capa e sobrecapa...
VISÃO MACAENSE
Na tez de marfim,
Nos olhos de amêndoa,
Nos cabelos negros,
Nos seios pequenos, No sorriso tímido.
Na flor oferecida.
E também na alma
Que está por detrás
Da tez de marfim.
Dos olhos de amêndoa,
Dos cabelos negros,
Dos seios pequenos.
Do sorriso tímido.
Da flor oferecida,
Palpita a vida.
ATÉ SEMPRE, MACAU
Na boca que beija.
Na mão que estremece.
No corpo que sofre.
Na voz que falece.
Nos olhos que despem
E acariciam
Os corpos das moças
Que não desconfiam,
Nas pernas moldadas,
Desnudas no verão,
Nos pés delicados
Que tocam o chão.
No face pintada.
No filho varão.
Na voz de falsete
Que mima a canção,
Na nuvem, que passa
No sol que aquece,
Na terra que cresce
E que permanece.
No brilho da estrela.
No vento tufão.
Na cara medonha
Do barco dragão.
Na proa da lancha,
Na luz do luar,
Nas águas do rio
Que vão para o mar.
No verde do jade.
No azul do céu,
No dia cinzento,
Na noite de breu,
Na haste do lótus.
No fogo salgado.
No pivete aceso.
No amor comprado,
Nos braços de Buda,
Nas mãos de Jesus.
Na alma dos mortos,
No sinal da cruz,
No ouro e na seda,
No brilho dos espelhos.
Nos diabos brancos.
Nos deuses vermelhos.
Na flor do salgueiro,
Na chuva, no vento.
Na felicidade
E no sofrimento.
Vive a cidade
Do nome de Deus,
A quem me recuso
A dizer adeus.
REALIDADE
O único habitante da cidade
É a rapariga de cabelos loiros
Que mora na Rua da Esperança,
Os teatros estão cheios de sombras,
As ruas cheias de sombras,
Os eléctricos conduzem sombras,
A único coisa real
É a rapariga de cabelos loiros
Que mora na rua da Esperança.
O prédio é escuro, sujo, triste.
Perto fico a Rua do Nada.
Ao fundo começa a Via Láctea,
Que - todos sabem -
Vai dar ao infinito.
DOR EM FORMA DE SONETO
Mataram o meu sonho e de repente
A claridade fez-se escuridão.
Na mão que apertava a tua moo
Abriu-se uma chaga repelente.
Um abismo cavou-se à minha frente
Onde me espera a morte, E é em vão
Que a dor que me sufoca o coração.
Implora por um Deus inexistente.
Estou morto. E neste olhar-te qual te olhava
Como se o amor ainda nos ligasse
Vai-se-me a vida que esse amor me dava.
Se Deus ou o acaso me deixasse
Deitava-me no tempo e esperava
Que a eternidade me levasse.
ENQUANTO EU EXISTIR
Enquanto eu existir, existe o mundo,
Existem as perguntas, os segredos,
O vórtice dos dias e d noite
A ternura calmante dos teus dedos.
Enquanto eu existir existe a vida,
Os rudes desenganos, os receios
E sobretudo sob aquele vestido
A poderosa sugestão dos seios.
Enquanto eu existir existe o sonho
Que faz nascer heróis, ha bem e mal,
Existem semideuses e há Deus
Cada vez mais real, mais irreal.
Na lucidez da hora abarco tudo
Que só existe enquanto eu existir.
Revejo-me no rosto dos meus filhos.
O mais novo sorri. Faz-me sorrir.
SINFONIA INCOMPLETA
Todos as biografias mentem.
Dizem que ele nasceu
Viveu
E morreu.
Depois param
Como se não houvesse mais nada.
Página publicada em janeiro de 2015. Ampliada em novembro de 2017
|