JOSÉ GOMES FERREIRA
(1900-1985)
Escritor, poeta e ficcionista português, natural do Porto. Formou-se em Direito em 1924, tendo sido cônsul na Noruega entre 1925 e 1929. Após o seu regresso a Portugal, enveredou pela carreira jornalística. Foi colaborador de vários jornais e revistas, tais como a Presença, a Seara Nova e Gazeta Musical e de Todas as Artes. Esteve ligado ao grupo do Novo Cancioneiro, sendo geral o reconhecimento das afinidades entre a sua obra e o neo-realismo. José Gomes Ferreira foi um representante do artista social e politicamente empenhado, nas suas reacções e revoltas face aos problemas e injustiças do mundo. Mas a sua poética acusa influências tão variadas quanto a do empenhamento neo-realista, o visionarismo surrealista ou o saudosismo, numa dialéctica constante entre a irrealidade e a realidade, entre as suas tendências individualistas e a necessidade de partilhar o sofrimento dos outros.
Da sua obra poética destacam-se, para além do volume de estreéa, Lírios do Monte (1918), Poesia, Poesia II e Poesia III (1948, 1950 e 1961, respectivamente), recebendo este último o Grande Prêmio de Poesia da Sociedade Portuguesa de Escritores. A sua obra poética foi reunida em 1977-1978, em Poeta Militante.
Fonte: www.astormentas.com
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Um dia virás,
hora doce e calma
sem as espadas dolorosas
que me sangram a alma
quando cismo...
Eu que até nas rosas
procuro um abismo.
(Poesia II)
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Vive em cada minuto
a tua eternidade
- sem luto
nem saudade.
Vive-a, pleno e forte,
num frenesim
de arremesso.
Para que a tua morte
seja sempre um fim
e nunca um começo.
(poesia II)
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Que voz é essa
que vem da floresta
e não do meu coração?
Pois os pássaros não cantam apenas
na minha imaginação?
Existem em cor e penas
na realidade desta canção
de mim tão alheia?
Ó pássaro autêntico,
volta a ser ideia.
(Poesia II)
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Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir
a despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão sutil... tão pòlen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...
Página publicada em fevereiro de 2010 |