JOSÉ BENTO
Nasceu no litoral da zona de Aveiro, em 1932. Estudou no Porto e em Lisboa.
Nos anos 50, revelou-se como poeta em revistas de poesia como Árvore, Eros, Cadernos do Meio-Dia e Cassiopeia, de que foi um dos directores.
Poucas vezes se preocupou em reunir os seus poemas em livro, pelo que o seu nome é normalmente citado como excelente tradutor de numerosos poetas de língua espanhola, clássicos ou actuais (S. Juan de la Cruz, Pablo Neruda, Cernuda, Quevedo). Algumas vezes a intertextualidade com esses poetas é visível na sua poesia.
Poesia: Sequência de Bilbau (1978); O enterro do senhor de Orgaz (1986);
Silabário (1992)
Fonte: www.instituto-camoes.pt
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
Das Quatro Estações - O Outono
Para escutar um excerto de Vivaldi,
As Quatro Estações – Outono
Novembro apagou nas buganvílias
seus nomes brancos, roxos, escarlates.
É mais difícil regressar a casa:
o caminho disfarçou, emudeceu
seu rosto nos muros e nas grades.
— Por onde seguiremos
sem que o outono espesso nos trespasse?
José Bento
Um Sossegado Silêncio
Porto, Edições Asa, 2002
Estavas, linda Inês, posta em sossego
CAMÕES
Estás ainda, Inês, posta em sossego, em palavra e em pedra,
dona da morte que te violou, imaculando-te.
Jacente sobre quê, se nenhum céu tem profundeza
que hoje possa erigir-te e revelar-te?
O que foste não conheço por tua luz, apenas vejo
teu reflexo numa água inquietante que perverto
ao aplacar a sede: palavras que te prendem e preservam,
ecoam em teu nome, solicitam meu coração para suster-te.
Aí respiras, os olhos dás aos campos onde o amado
com um verde aceno a sua ausência te mitiga,
como servas imploras a vida, ignorando
a rainha que em ti ascende a coroar-se com teu sangue.
Foram assim teus dias? Ou a substância que os compunha
era tão densa que ninguém os penetrou e os outros
só alcançaram o impossível de esconder, tua beleza?
Amaste? Ou o amor que de ti cantam foi, será
harmonioso êxtase de quem seu ferido amor celebra
e o teu rosto, abismado é a máscara de um rosto
mais vivo nessa voz em sua carne esplêndida?
Ante a morte que se te anunciou arremeteste
com súplicas e gesto dardejantes de loucura,
ou nada mais ousaste impor do que o silêncio
de um olhar tão cercado que nem lágrimas lhe acodem,
e o clamor posto em tua boca foi o pavor exangue
de quem vestiu antecipado o seu crepúsculo
e o póstumo se contempla nos que lhe ensinaram a agonia?
Estavas em sossego? Ou esse amor era de quem longe te evocava?
a ti búzio profundo para os lábios que busquem tua música.
TEM ESPERANÇA
(fragmento)
Ten esperanza
V. ALEIXANDRE
A Felipe Mozhorta Etxaurren
O dia inteiro é um crepúsculo de cinza.
Foste perdendo a fragância da alvorada
como um impulso de uma veia que vai agonizando,
mas a noite já te pesa em cada movimento, corrompe o teu hálito
com o sedimento de uma fadiga maquinal.
As ruas tornam-se ermas, tantos os rostos de ninguém
que passam, sem te dar uma palavra na sua rigidez.
O rio traz a erosão dos montes, não o reflexo das frondes,
e em sua corrente sentes pulsar o lodo se buscas o cristal.
das horas que em suas margens e chamaste alegria.
As pontes enlaçam a cidade, mas os homens
defrontam-se, peito contra peito, sem se verem sequer.
Tu caminhas, vais caminhando ao só como nasceste.
Apenas a chuva te acompanha e em tuas faces
é acerba e premente como as lágrima
que não consegues chorar pois te gritaram
que te despiste já de teus gestos de menino.
E ficaste só com a estranha força de quem é indefeso.
Mas lembra-te que não acabaste de crescer,
que profundamente cresces ainda, lentamente,
entre o horror e o espanto: és aprendiz
que inábil, receoso, empunha o escopro,
perseguindo para o seu ser a harmonia total
que, encandeado, mal vislumbra, ao longe.
TEXTOS EN ESPAÑOL
Traducción de XOSÉ LOIS GARCÍA
Poemas selecionados de la edición de la ANTOLOGIA LA ACTUAL POESIA PORTUGUESA, con traducciones de nuestro amigo XOSÉ LOIS GARCÍA, publicada originalmente en la revista HORA DE POESIA, n. 27/28, de 1983, de Barcelona, España. Ejemplar gentilmente donado por Aricy Curvello para la Biblioteca Nacional de Brasilia.
***
Estavas, linda Inês, posta em sossego
CAMÕES
Estás aún, Inés, en sosiego, en palabra y en piedra,
señora de la muerte que te violo, inmaculándote,
¿Yaciente sobre qué, si ningún vielo tiene profundidad
que hoy pueda erigirte y revelarte?
Lo que fuiste no lo conozco por tu luz, solo veo
tu reflejo en un agua inquietante que pervierto
al aplacar la sed: palabras que te prenden y preservan,
retunban en tu nombre, solicitan mi corazón para sostenerte.
Ahí respiras, los ojos das a los campos donde el amado
con um verde seña su ausência te mitiga,
como sierva imploras la vida, ignorando
la reina que ti asciende a coronarse con tu sangre.
¿Fueron así tus dias? ¿O la sustância que los componía
era tan densa que nadie los penetro y los otros
sólo alcanzaron lo imposible de esconder, ¿tu belleza?
¿Amaste? ¿O el amor que de ti cantan fue, será
armonioso éxtasis de quien su herido amor celebra
y tu rostro abismado es la máscara de un rostro
más vivo en esa voz que en su carne espléndica?
Ante la muerte que se te anunció arremetiste
con súplicas y gestos punzantes de locura,
o solo intentaste imponer el silencio
de una mirada tan sitiada que ni lágrimas te acuden,
y el clamor puesto en tu boca fue el pavor desangrado
de quien vistió anticipado su crepúsculo
y póstumo se contempla en los que se el enseñaron la agonía?
¿Estabas em sosiego?¿O ese estar era de quien lejos te evocaba?,
a ti caracola profunda para los lábios que tu música busquen.
TEN ESPERANZA
(fragmento)
Ten esperanza.
V. ALEIXANDRE
A Felipe Mezkorta Etxauren
El día entero es un crepúsculo de ceniza.
Fuiste perdiendo la fragrância de la alborada
como el impulso de una vena que va agonizando,
pero la noche ya te pesa en cada movimiento, corrompe tu hálito
con el sedimento de uma fatiga maquinal.
Las calles se vuelven yermas, tantos rostros de nadie
que pasan, sin darte una palabra en su rigidez.
El río trae la erosión de los montes, no el reflejo del follaje,
y en su corriente sientes latir el lodo si busca el cristal
de las horas que en sus márgenes te llamaste alegria.
Los puentes unen la ciudad, pero los hombres
se confrontan pecho contra pecho, sin ni siquiera verse.
Tu caminas, vas caminhando tan solo como naciste.
Sólo la lluvia te acompaña y en tus mejillas
es acerba y opresora como las lágrimas
que no consigues llorar pues te gritaron
que te desnudaste ya de tus ademanes de niño.
Y quedaste solo con la extraña fuerza de quien está indefenso.
Pero recuerda que no terminaste de crecer,
que profundamente creces, aún lentamente,
entre el horror y el espanto: eres el aprendiz
que inhábil, receloso, empuña el cincel,
persiguiendo para su ser la armonía total
que, ofuscado, mal vislumbra, a lo lejos.
Página publicada em fevereiro de 2008. |