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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 




JOSÉ AUGUSTO SEABRA

(1937-2004)

 

 

Poeta, ensaísta e crítico português, também conhecido pela sua atividade política e diplomática.

Nasceu em Vilarouco (Alto Douro). yiveu a in­fância em Peroselo (Douro litoral), antes de fazer 05 estudos liceais no Porto, onde se iniciou na vida cultural e na luta de oposição ao regime de Salazar, com vários jovens da sua geração.

Estudante de Direito na Universidade de Coimbra, aí foi preso pela PIDE aos 17 anos, sendo torturado e depois julgado com cer­ca de meia centena de outros colegas no Tribunal Plenário do Por­to. Condenado, cumpriu a pena no Forte de Peniche.

Continuando os seus estudos na Universidade de Lisboa, onde se licenciou em Direito em 1961, prosseguindo as suas atividades de resistência política, foi obrigado em seguida a exilar-se em Fran­ça, onde foi presidente da União dos Estudantes Portugueses e re­presentante da Liga dos Direitos do Homem.

 

Doutorou-se em Letras pela Sorbonne, em 1971, com uma tese sobre Fernando Pessoa, sob a orientação de Roland Barthes, tendo sido docente nas Universidades de Paris VIII e Paris X, bem como na Escola Normal Superior.

De regresso do exílio, com a revolução do 25 de Abril, foi professor catedrático da Universidade do Porto, onde fundou o Centro de Estudos Pessoanos e o Centro de Estudos Semióticos e Literários, lançando a revista "Nova Renascença", de que é diretor.

Deputado à Assembléia Constituinte e depois à Assembléia da República, foi Ministro da Educação do IX Governo Constitucional, presidido por Mário Soares.

Nomeado Embaixador de Portugal junto da UNESCO, foi ai eleito membro do Conselho Executivo. Transferido para a Embaixada de Portugal em Nova Delhi, demitiu-se das suas funções em protesto contra o seu afastamento compulsivo do Conselho Executivo da UNESCO pelo governo de Cavaco Silva, retomando as suas atividades docentes como Professor Convidado da Sorbonne.

Embaixador de Portugal em Bucareste, desde de 1997, no ano 2000 transferiu-se para Buenos Aires em igual posto, continuando a sua intensa atividade cultural e literária, e dirigindo a revista "Nova Renascença".

 

Tem uma extensa bibliografia poética, ensaística, crítica e jornalística, estando traduzido em várias línguas.

 

Estive com o Seabra —amizade de toda a vida de meu editor Victor Alegria— poucas vezes. Em Brasília —quando assinamos o manifesto Nova Renascença com motivo da Guerra do Golfo e depois em Buenos Aires, quando foi lançada a notável antologia Poetas Portugueses y Brasileños – de los simbolistas a los modernistas (Brasília: Thesaurus/ Buenos Aires: Instituto Camões – Embaixada de Portugal, 2002) de sua iniciativa. Figura envolvente, entusiasta, inquieta e intelectualmente exuberante. Inesquecível.                           Antonio Miranda

 

 

 

 

AQUI NÃO SOMOS ...

 

Ao Victor

Aqui não somos

mais do que o raso espaço que nos cerca, apetecível vôo para os olhos

e limitado gesto para as mãos.

Aqui não somos

menos que esforço e pausa de cansaço, pesado corpo de silêncio grave

e uma só hipótese de esperança.

 

Aqui não somos

senão soluços adiados, lágrimas

correndo impuras, secas e nos lábios

um último sorriso anunciado.

 

 

 

ARTE POÉTICA

 

Surdo às palavras dos poetas fáceis.

Cego às imagens e ao mistério inútil.

Troquei as sombras por um sol lavado,

enjôo as cores da beleza fútil.

 

Poesia é - se a crio - a do real.

(Real o sonho, e sonho o descobri-lo.)

Prefiro este sabor de o tatear

às horas podres gastas a iludi-lo.

 

Sei pelo esforço o que a magia ignora.

Tenho asas tão leves nos sentidos

como as que nuvens de evasão vagueiam

por espaços só delas pressentidos.

 

Encontro em cada coisa o que é comum.

Reparto cada instante mais pequeno

da intimidade oculta dos meus gestos.

Sereno escrevo e a vós me dou sereno.

 

Sais o eco e o som da minha voz.

Amais a claridade e eu sou claro.

Dispo-me inteiro se preciso for

e no que é simples é que busco o raro.

 

 

 

DA LÍNGUA À PALAVRA ...

 

   Ao João Rui de Sousa

 

Da língua à palavra

segrego um espaço

— istmo, alegria

da voz que refaço.

 

Saboreio a casca

do som que me morre

junto ao sopro quente

que da boca escorre.

 

Prolongo a carícia

em ouvidos sábios

que a não desperdicem.

E sofro-a nos lábios.

Dentro recomeça

a luta do sangue

com o pensamento.

E a palavra sangra.

 

 

 

DO TEMPO

 

     "Macau à uma hora da noite ... "

                        (Álvaro de Campos)

 

 

Que tempo demorou

na face da carícia

e na ruga deixou

os grãos dos interstícios?

 

Que tempo não chegou

e ficou sem indício

nas dobras doutra história

que nunca teve início?

 

Que tempo nos faltou

tão doce, tão propício?

 

 

 

BOM PRINCÍPIO

 

       À memória de nossos Pais e Avós

 

No cemitério

do Bom Princípio

vive-se em paz

com o vizinho

ressuscitando

devagarinho.

 

Vive-se a sério

sem guerra ou vicio

dormindo em terra

fresca de viço

no cemitério

do Bom Princípio.

 

Quando se chega

logo no início

ao cemitério

do Bom Princípio

um Anjo oferece

seu bom ofício:

 

não há desterro,

 não há enguiço

quando se chega

mesmo sozinho

ao cemitério

do Bom Princípio.

 

No cemitério

do Bom Princípio

sabe-se qual

é o caminho

ressuscitando

devagarinho.

 

 

 

CREDENCIAIS

 

        “Ó grão fidelidade portuguesa"

                            Luís de Camões

 

Leva bem seladas as cartas íntimas do sonho. que recebeste de um povo incauto mas fiel, já curtido pelos naufrágios da história. E guarda nelas discretamente os poderes plenos. de nascença, servi­dos por uma lealdade sutil e sem tréguas. Só o destinatário miste­rioso as abrirá, quando as entregares assim, sereno, de mãos nuas.

 

 

 

NIRVANA

 

Entre o sopro

dorido

do corpo

e o vazio

que outra sombra

respIra

ferida

até à morte?

 

 

 

Extraídos de SEABRA, José Augusto.  Antologia pessoal.  Brasília: Thesaurus, 2001.  176 p.

 

 

 

 

SEABRA, José Augusto.  O anjo. Poema. Póvoa de Varzim, Portugal: Edições Nova Renascença, 1980. 64 p.  20,5x29,5 cm. Capa e aquarelas de Zita Magalhães. 
Exemplar n. 625, autografado, pertenceu à biblioteca particular de Antonio Olinto.   Col. A.M. (LA)

 


Desde a esfera de sombra tão visível

que os olhos sempre a esquecem entre tanta

renda de pedra e luz, se levitando

o tempo reges, como perecível

 

seria o canto? Música inaudível

de outras esferas, a que ausente escandes

ao inclinar do céu, tão certa quanto

a trémula trombeta do terrível.

 

Graça ou desgraça? Nossa a tua esquiva

dança de abismo a abismo, sobre nada

mais do que chamas pelas mãos lavradas

 

de já nem tempo. Só de carne viva

o corpo aguarda, ó anjo, o teu sinal

da origem, desde o fim ressuscitada.

 

 

 

 

Guardas a ansa de onde o vaso breve

não chegaria, se ao manar não fosse

das longas asas suspender a sede

na água mansa que do corpo escorre

 

por teus cabelos? Tua boca cerca

só de vazio a ânfora da morte

ou é apenas sombra de um desejo

nesse entornar-te? Diz, ó anjo, o nome

 

do vão fluir do nada em tuas mãos.

 

 

 

 

SEABRA, José AugustoAntologia pessoal.   Brasília, DF: Thesaurus, 2001.  176 p.  (Antologia pessoa, 4)  ISBN 85-7062-274-0 

        

GRAVIDADE

 

Precipício aluindo
desde os pés à cabeça
do sangue, sem um grito,
como um só baque seco.

Relâmpago total:
suicídio ao avesso
da morte, vertical
ao espaço suspenso.

Tombo exato por dentro
dos ossos, sobre os braços
do nada, até ao centro
do último estilhaço.

 

 

CORPO SUTIL

 

          (Hatha Yoga)

 

Contorção fixa
de cada membro
dobrado em fuga
para o seu centro
buscando um ponto
onde se enrugue
do corpo todo
a mente fixa.

 

ILÍMITE

Até onde o abismo. Até quase. Até não.
Um soluço de espaço. Um espasmo
de equilíbrio. Relâmpago. Ilímite
até onde, até quase, até não.


                     

 

SEABRA, José Augusto. Oxímoros.  Porto, Portugal: Granito, Editrores e Livreiros, 2001.   103 p.   15x20 cm.   ISBN 972-8594-16-X   Capa: Nazaré Álvares. 

 

                                  Um êxtase
                              de azul
                              sem réstia
                              já de luz.

 

                                       A luz
                                        só sedimenta
                                       em obscuros
                                       redutos.

 
                              Do céu oco
                              o que escorre
                              é o excesso
                              se resto.

 

                                       Que alento
                                       se suspende
                                       sob o lento
                                       fermento?

 

                   

 



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