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 IRENE  LISBOA     Irene  do Céu Vieira Lisboa (1892-1958) nasceu no Casal da Murzinheira, Arruda dos  Vinhos, e faleceu em Lisboa. Formou-se pela Escola Normal Primária de Lisboa e  fez estudos de especialização pedagógica na Suíça, França e Bélgica, tendo  contatado com Piaget, em Genebra.    Estreou-se  em 1926, com o livro de contos, 13  Contarelos a que se seguiram dois livros de poesia. Foi colaboradora da Seara Nova.    Também  sob os pseudônimos de Manuel Soares e João Falco, é autora de uma vasta obra,  pouco conhecida, que se reparte entre a ficção intimista e autobiográfica, a  crónica, o conto (para crianças e adultos), a poesia, a pedagogia e a crítica  literária.   De  todas as escritoras suas contemporâneas, Irene Lisboa é, sem dúvida, aquela que  recebeu maior reconhecimento crítico, nomeadamente de José Régio, João Gaspar  Simões e Vitorino Nemésio. No entanto, a sua obra não pareceu merecer grande  popularidade junto do grande público.  Resumido  de: http://www.mulheres-ps20.ipp.pt/Irene-Lisboa.htm#Dados_biograf  
 
   Veja  também: JOÃO FALCO – pseud. de Irene Lisboa           TEXTOS  EM PORTUGUÊS  /  TEXTOS EN ESPAÑOL     PEQUENOS POEMAS MENTAIS               Mental: nada, ou quase nada sentimental.   I   Quem não sai de sua casa, não atravessa montes nem vales, não vê eiras nem mulheres de infusa, nem homens de mangual em riste, suados, quem vive como a aranha no seu redondel cria mil olhos para nada. Mil olhos! Implacáveis. E hoje diz: odeio. Ontem diria: amo. Mas odeia, odeia com indômitos ódios. E se se aplaca, como acha o tempo pobre! E a liberdade inútil, inútil e vã, riqueza de miseráveis.     II   Como sempres, há-de-chegar, desde os  tempos! Vozes, cumprimentos, ofegantes entradas. Mas que vos reunirá, pensamentos? Chegais a existir, pensamentos? É provável, mas desconfiados e inválidos, Rosnando estúpidos, com cães.   Ó inúteis, aquietai-vos! Voltai como os cães das quintas ao ponto da partida, decepcionados. E enrolai-vos tristonhos, rabugentos,  desinteressados.     III   Esse gesto... Esse desânimo e essa vaidade... A vaidade ferida comove-me, comove-me o ser ferido!   A vaidade não é generosa, é egoísta, Mas chega a ser bela, e curiosa! E então assim acabrunhada... Com franqueza, enternece-me.   Subtil A minha m]ao que, julgo, ridiicularizas, de que desconheces a suavidade, cerra-te pacificamente os olhos e aquieta benignamente o ar. Paira sobre a tua cabeça, móbil, branda, na prática de um velho rito, feminil, piedoso, desconhecido e  inconfesso.     IV   Ó luxúria brutal, perversa e felina, dos outros, alheia, sem pensamentos nem repouso! retira-me da frente o venenoso cálice, a tua peçonha adocicada. Que a morte, o nirvana, a indiferença dos longuíssimos anos sem sobressaltos, me  retome.   Abro os braços e meço: cá, lá... cá, lá... solidão,, infinita solidão! E neste movimento, neste balouço, adormeço, Cá, lá... morte, vida... morte, vida... Todas as ausências, todas as negações.     V   Os poetas cumprimentam-se, delicados. Cada um como seu metro, o seu espírito, a  sua forma; as suas credenciais... Mas são simpáticos os poetas! Sensíveis, femininos, curiosos. Envolve-os um mistério. Não! Esta é a linguagem de toda gente: o mistério... Que mistério? Os poetas são apenas reservados, são  apenas... perturbados e capciosos.     VI   Cai um pássaro do ar, devagar, muito  devagar. E as árvores soturnas não se mexem. Estio! Não se vêem bulir as árvores, em bloco, ou  aos arcos,, estampadas... Elegante Lapa! Sol fosco, paisagem de  manhã. A gente do sítio, pobreza e riqueza, ainda  recolhida. Aqui, uma janela discreta que se abre,  preta, cega. Ali outra fechada. E esta alternância, bastante irregular,  vai-se repetindo, repete-se...   E eu, ai eu! Prisioneira, sempre  prisioneira; tão enfadada!                        (In  Revista de Portugal, n. 3, 1938)       MEADOS DE MAIO    Chuvoso maio!    Deste lado oiço gotejar  sobre as pedras.  Som da cidade ...  Do outro via a chuva no ar.  Perpendicular, fina,  Tomava cor,  distinguia-se  contra o fundo das trepadeiras  do jardim.  No chão, quando caía,  abria círculos  nas pocinhas brilhantes,  já formadas? Há lá coisa mais linda    que este bater de água  na outra água?  Um pingo cai  E forma uma rosa...  um movimento circular,  que se espraia.  Vem outro pingo  E nasce outra rosa...  e sempre assim!      Os nossos olhos desconsolados,  sem alegria nem tristeza,  tranquilamente  vão vendo formar-se as rosas,  brilhar  e mover-se a água...       JEITO DE ESCREVER     Não sei que diga.   E a  quem o dizer?   Não  sei que pense.   Nada  jamais soube.       Nem  de mim, nem dos outros.   Nem  do tempo, do céu e da terra, das coisas...   Seja  do que for ou do que fosse.   Não  sei que diga, não sei que pense.       Oiço  os ralos queixosos, arrastados.   Ralos serão?   Horas da noite.   Noite começada ou adiantada, noite.   Como  é bonito escrever!       Com  este longo aparo, bonitas as letras e o gesto - o jeito.   Ao  acaso, sem âncora, vago no tempo.   No  tempo vago...   Ele  vago e eu sem amparo.   Piam  pássaros, trespassam o luto do espaço, este sereno luto das   horas. Mortas!       E  por mais não ter que relatar me cerro.   Expressão antiga, epistolar: me cerro.   Tão  grato é o velho, inopinado e novo.   Me  cerro!     Assim: uma das mãos no papel, dedos fincados,   solta a outra, de pena expectante.   Uma  que agarra, a outra que espera...    Ó  ilusão!   E  tudo acabou, acaba.   Para  quê a busca das coisas novas, à toa e à roda?       Silêncio.   Nem  pássaros já, noite morta.   Me  cerro.   Ó  minha derradeira composição! Do não, do nem, do nada, da ausência e   solidão.        Da  indiferença.   Quero eu que o seja! da indiferença ilimitada.   Noite vasta e contínua, caminha, caminha.   Alonga-te.   A  ribeira acordou.         TEXTOS EN ESPAÑOL   Traducción  de Roldolfo Alonso     Nacida en Arruda dos Vinhos, se formó en la  Escuela Normal Primaria de Lisboa, dedicándose a la enseñanza infantil, después  de estúdios especializados en Bélgica, en Francia y en Suiza. Colaboró  intensamente en presença, usando durante algún tiempo el seudónimo de João  Falco. En su poesía como en sus crônicas y novelas, de tono intimista, busca  una expresión natural y discreta, cercana a la oralidad, que se manifiesta  desde sus primeros libros, Um Dia e Outgro Dia — Diário de uma Mulher (1936),y  Outono Havias de Vir Latente Triste (1937), prolongándose en una obra en que la  sensibilidad feminina se abre com pequeñas nadas de la vida cotidiana, con una  acuidad de observación y meditación que capta la realidad subjetiva y objetiva  en sus mínimas expresiones.     PEQUEÑOS POEMAS MENTALES            Mental:  nada, o casi nada sentimental.   I   Quien no sale de su  casa, no atraviesa montes  ni valles, no ve eras ni mujeres de  cântaro, ni hombres de mayal  en ristre, sudados, quien vive como la  araña en su redondel, cría mil ojos para  nada. ¡Mil ojos! Impecables. Y hoy dice: odio. Ayer diría: amo. Pero odia, odia com  indômitos odios. ¡Y si se aplaca,  cómo halla el tiempo pobre! Y la lbertad  inútil, inútil y vana, riqueza de miserables.     II   ¡Cómo siempre, han  de llegar, desde los tiempos! Voces, saludos,  jadeantes entradas. ¿Pero qué va a  runiros, pensamientos? ¿Llegaréis a  existir, pensamientos? Es pobable, mas  desconfiados e inválidos, Rezongando  estúpidos, como perros.   ¡Oh, aquietáos,  inútiles! Volved como los los  perros de las quintas al punto de  partida, decepcionados. Y ocultáos  tristones, quejosos, desinteresados.     III   Ese gesto... Ese desánimo y esa  vanidad... La vanidad herida  me conmueve. ¡Me conmueve el ser  herido!   ¡La vanidad no es  generosa, es egoísta, Pero llega a ser  bella, y curiosa! Y sobre odo así  abatida... Me enternece,  francamente.   Sutil la mano mia que,  creo, ridiculizas, cuya suavidad  desconoces, te cierra  pacíficamente los ojos y aquieta  benignamente el aire. Flota sobre tu  cabeza, móvil, floja, en la práctica de  un viejo rito, femenino, piadoso,  desconocido e inconfeso.     IV   ¡Oh lujuria brutal,  perversa y felina, se los otros,  ajenas, sin pensamientos ni  reposo! retírame de la  frente el venenoso cáliz, tu ponzoña  endulzada. Que tu muerte, el  nirvana, la indiferencia de los larguísimos  años sin sobresaltos, me retome.   Abro los brazos y  mido: aqui, allá... aquí, allá... ¡soledad, infinita  soledad! Y em este  movimiento, em este balanceo, me adormezco. Aquí,a..., muerte,  via... muerte, vida... Todas las  ausencias, todas las negaciones.     V   Los poetas se  saludan, delicados. Cada uno con su  metro, su espíritu, su forma; sus credenciales... ¡Pero son simpáticos  los poetas! Sensibles,  femininos, curiosos. Los envuelve un  misterio. ¡No! Este es el  lenguaje de todo el mundo: el misterio... ¿Qué misterio? Los poetas son  apenas reservados, son apenas... Perturbados y  capciosos.     VI   Del aire cae un  pájaro, despacio, muy despacio. Y no se mueven los  taciturnos árboles. ¡Estío! No se vem agitarse  los árboles, en bloque, o en los arcos, grabados... ¡Lapa elegante! Sol  hosco, paisaje mañanero. La gente del lugar,  pobreza y riqueza, todavía recogida. Aquí, una ventana  discreta que se abre, oscura, ciega. Allí otra cerrada. Y esta altenancia,  bastante irregular, se va repitiendo, se repite...   ¡Y yo, ay yo!  prisionera, siempre prisionera; ¡tan enfadada!                        (In  Revista de Portugal, n. 3, 1938)     Textos extraídos de la obra POETAS  PORTUGUESES Y BRASILEÑOS - DE LOS SIMBOLISTAS A LOS MODERNISTAS; organización y  estúdio introductorio: José Augusto Seabra.  Buenos Aires: Instituto  Camões; Editora Thesaurus, 2002.  472 p. ISBN 85-7062-323-2     Agradecemos ao Instituto Camões a  autorização para a publicação dos textos, em parceria visando a divulgação da  literatura de língua portuguesa em formato bilíngüe na web.    Página  publicada em junho de 2008.   
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