FRANCISCO MANUEL DO NASCIMENTO
( pseudônimo: FILINTO ELISIO )
Filinto Elísio (na ortografia antiga: Filinto Elysio) (Lisboa, 23 de Dezembro de 1734 – Paris, 25 de Fevereiro de 1819), foi um poeta, e tradutor, português do Neoclassicismo. O seu verdadeiro nome é Francisco Manuel do Nascimento, e foi sacerdote. O seu pseudónimo, Filinto Elísio, ou também Niceno, foi-lhe atribuído pela Marquesa de Alorna (a quem ensinou latim quando se encontrava reclusa no Convento de Chelas), dado Francisco Manuel do Nascimento ter pertencido a uma sociedade literária – Grupo da Ribeira das Naus, cujos membros adaptavam nomes simbólicos.
SONETO
Já vem a primavera, desfraldando
Pelos ares as roupas perfumadas,
E os rios vão, nas águas jaspeadas,
Os frondíferos troncos retratando;
Vão-se as neves dos montes debruçando
Em tortuosas serpes argentadas;
Pelas veigas, o gado, alcatifadas,
A esmeraldina felpa vai tosando.
Riem-se os céus, revestem-se as campinas;
E a natureza as melindrosas cores
Esmera na pintura das boninas.
Ahl Se assim como brotam novas flores,
Se remoça todo o orbe. . . das ruínas
Dos zelos renascessem meus amores!
MADRIGAL
Dormias Márcia, e eu vi Cupido ansioso,
Já dum, já doutro lado
Querer furtar-te um beijo gracioso,
Que tu, a cada arquejo descansado,
Na linda boca urdias.
Graciosíssimo, oh! Márcia!. .. Não sabias
Como o nume girava de alvoroço,
Escolhendo-lhe o jeito
De o dar do melhor lado. Eu vim, e dei-to
Bem na boca, e logrei o esperto moço.
LIRAS
À VIOLETA
Quando Adónis morreu do ebúrneo dente
Do javali cerdoso,
Lívida cor lavrou incontinenti
Pelo corpo formoso.
Vénus, com prantos, com cruéis saudades
A terra enternecia,
Enternecia as altas divindades
Da olímpia monarquia.
Jove, que amou, e que se compadece
Duma Vénus chorando,
Mandou que a terra em torno florescesse
Do moço miserando;
E a flor trouxesse em si a cor escura,
Que tanta pena dava
Aos olhos da saudosa formosura. —
A terra, a quem regava
A corrente das lágrimas mimosas,
O cio húmido abrindo,
Violetas brotou, que maviosas
A dor lhe estão sentindo.
“Sereia entre os amantes, e os poetas,
“Todo o tempo futuro
(Vénus disse:) “Oh terníssimas violetas,
!”Símbolo de amor puro.”
ODE
Feliz, quem no silêncio descansado
Das avitas herdades
Despiu da alma os cuidados inquietos;
E, quando se ergue o dia,
Vai saudar o sol vermelho, e claro,
Limpa a mente de crimes;
Põe seu desvelo, põe seu passatempo
Na madura seara,
Que com grávida mão ledo espargira;
Colhe o sab'roso fruto
Pelo tronco silvestre perfilhado;
Bebe a doce fragrância
E a nova flor, que lha orvalhou a aurora
Para amigo recreio
Dos olhos, que despertam, para verem
Seu matinal triunfo.
Feliz quem vai, quando o calor recresce,
Por entre verdes sombras;
Com Séneca nas mãos, Sócrates na alma
Contemplando a beleza
Da rara, formosíssima virtude;
E encontra entre os serranos,
Vestígios de seus pés, quando fugindo
Das túrbidas cidades,
Lhes deixou, por presente, a singeleza.
Porém mais venturoso
Quem, como tu, no agudo precipício
Da glória, e da privança,
Do prumo da razão o alto juízo,
Coas válidas refregas
Do vento das paixões, vergar não deixa.
Quem, com virtude activa,
Acha o prazer no caos tumultuoso
Das espinhosas lidas;
Quando socorre coa sentença justa
Os desvalidos órfãos;
Quando alcança do rei mal informado,
O perdão do inocente:
Ou cercado de crimes, de lisonjas,
Se olha, e se vê sem mancha.
Página publicada em novembro de 2019
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