(Foto por Paulo Pimenta)
FERNANDO ECHEVARRÍA
Fernando Ferreira Echevarría nasceu a 26-2-1929, Cabezón de la Sal, Santander, Espanha. Veio para Portugal ainda muito novo, tendo cursado Humanidades em Portugal, e Filosofia e Teologia em Espanha. Optou pela carreira docente, primeiro no Porto e depois, já exilado em Paris, onde passou a residir desde meados de 1966, após ter estado em Argel entre 1963-1966.
De
Fernando Echevarria
Uso de Penumbra
Organização Floriano Martina.
Artista convidada Zé da Rocha.
São Paulo: Escraituras, 2008. 174 p. ilus.
(Coleção Ponte Velha)
"Prêmio Complementar Eça de Queirós da Câmara Municipal de Lisboa".
Vénus
SUBLEVA-SE NO VERBO UMA BRANCURA
onde sucumbem subtis
trampolins de alvaiade com que a espuma
se exalta na penumbra e nos quadris.
E impugna o púbis. O assusta quase
no aperto da sua tumidez
batida pelo mar feliz da frase
que se ergue do triunfo do que fez
com Vénus firme a resistir ao meio
da onda aonde se debate a trança.
E de onde o desafio do seu seio
emerge, enquanto o justo ritmo avança
na só brancura duma espuma escrita
que ambas instrui e que uma só visita.
PRESSENTE-SE A PENUMBRA. E SE DESPRENDE
a claridade. A difundir a luz de
matéria diáfana. Ou de pele
de onde a quase que forma se difunde.
E é uma forma de substância aérea,
com um dentro de peso que resume
a figura do espírito na empresa
de ver o objecto estimular seu lume.
Ou o acto destrinça quanto a ordem
organiza o esplendor em seu objecto
e disso nutre a retensão imóvel
que se ilumina sob a tez do aspecto.
Apenumbra-se o corpo. Que é do acto
que o peso se desprende quase abstracto.
Interior
OS ESPELHOS ESTUDAM PELO INVERNO
o brilho do seu timbre envelhecido.
Auscultam nimbos últimos. No intento
de sugerirem cantos, quando os vidros
ângulos abrem fundos ao silêncio
e o crescimento dum lugar antigo.
A luz, depois, recolhe-se ao momento
de estar ensimesmando os tempos idos.
Que, frágeis, fulgem, quase nem reflexos
de um mundo sonolento de vestígios.
Depois ainda, a superfície um vento
esculpe. Efígies e apagados signos
adormecem em paz. Enquanto o espelho
atento guarda a escuridão do sítio.
QUASE QUE ROSA A RETRAIR-SE EM VOLTA
do perímetro oculto da pupila.
Um selvagem matiz. Aonde a hora
avulta implícita
e só difunde, interior, a onda
que faz de olhar operação passiva.
O que se vê, mais que volume, conta
com alicerces a fixar a ida
de uma cesura. Onde o rosa,
quase à luz de si próprio, se obnubila.
ERA VERDADE. RESPLANDECIA VERMOS
desprender-se o enigma do seu nome
da antiguidade fria de um espelho
a elucidar-lhe o só princípio de ordem.
Era verdade. Ou nostalgia. Aspecto
a dar-se a ver de um tão contíguo longe
que a cesura acendia-se. E o tempo
parava ao fundo de si próprio. De onde
a verdade trazia a luz de enigma
a esclarecer um dentro de figura
também parada. Num vagar que a inclina
a afastar-se de si. Mas que inaugura
a ordem certa de trazer acima
a fulgência de imagem que recua.
O IRMOS SENDO SUBJAZ
em estarmos só a ser.
Ou temos em punho a paz
com a paz e o punho a arder.
E o que é feliz então
nem é irmos nem é tempo,
mas estar o coração
a pensar o pensamento.
Um coração esquecido
do que, punho subjacente,
conserva apenas o afinco
em queimar o seu repente.
Página publicada em novembro de 2010
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