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   FERNANDO ALVES DO SANTOS(1928-1992)
 
 Fernando Alves dos Santos (Lisboa,1928-Albufeira 1993), de quem pouca coisa  ficou a se saber nas histórias excepto a sua dedicação preferente à actividade  teatral e a sua participação nalguns dos episódios da aventura surrealista nos  seus primeiros momentos de afirmação e intervenção polémica e nalguma das  exposições que posteriormente tentariam recuperar momentos ou aspectos  particulares daquela intervenção mais com um propósito de renovada provocação  do que com os objectivos e os métodos do historiador e do arqueólogo.
 Deixou-nos uma obra  poética de que foram publicados dois livros (Diário Flagrante. Lisboa,  1954, e Textos Poéticos. Lisboa, 1957) e alguns poemas dispersos por  antologias, catálogos e revistas, ficando inéditos vários outros poemas e um  livro – De Palavra em Palavra – que estava pronto para a sua publicação  em 1988.   DeFernando  Alves dos Santos
 DIÁRIO FLAGRANTE
 Organização de Floriano Martins
 Ilustrações Fred Svendsen
 São Paulo:  Escrituras, 2008.
 141 p.    (Col. Ponte Velha)
 ISBN 978-85-7531-309-1
 Gentilmente  cedido pela Editorawww.escrituras.com.br
 
 À BEIRA DA ESTRADA   Os  dois à beira da estrada junto  ao poste dum destino de Hermes seiva  das novas sílabas da  palavra virtude. São  impossíveis as ruínas do amor porque  apertamos contra o corpo os lençóis cumprindo  o relógio do mar enquanto  um bando de gaivotas esvoaça à  beira da estrada inacabada com  o outono aos nossos pés. Repousamos  os nossos lábios no silêncio e  logo partimos, as  mãos na intimidade sobrevivente da luta, húmidas  as palavras cheirando  ao ninho azul do céu, de  punhos cerrados e brancos, brancos  como as flores junto ao poste à  beira da estrada. 
 ONDE NÃO ME CONFORTO    Conforto  as dores que na esperança vertem os  rudes trabalhos dos homens na  compunção da pátria. Conforto  os olhos nas violetas agitadas pelo  ruído das colmeias. São  densas as vozes dos passantes mas  esmaecem como o pano cruas  da palidez de outrora das  dores violadas que não conforto e  não me confortam. E  esfolho o fumo sem jóias da  aurora insulsa próxima  despedida ingénua do  virginal desgosto escrito sobre o mar. E  esparzo as inúteis espadas os  cemitérios das palavras gélidas órfãos  troncos do reino onde  não me reconheço onde  não me conforto.
     QUE PALAVRA   Que  palavras são aquelas  duras  e orgânicas  como  uma parreira entrelaçada.  Que  palavras são as raízes do império  as  migalhas de ninguém.  Que  amor é este  de  amante nos braços  de  cabeça erguida,  expressão  anónima do instinto  no  trilho da noite, desassossegadas  folhas  de malmequer.  Ó  sinos que cadência; que  instante renova as aves que  vivemos sem repouso, que  adubos vamos pôr na seara! Ó  sinos que palavra, que  palavra é a hora que  hora é o pão tenro e quente!     Página  publicada em janeiro de 2011   |