EUGÉNIO DE ANDRADE
(1923-2005)
Poeta e escritor. Nasceu na Póvoa da Atalaia, Concelho do Fundão. Desde cedo se dedicou à poesia, alcançando grande notoriedade com livros como As Mãos e os Frutos (1948) e Os Amantes sem Dinheiro (1950). Para além da criação poética original, Eugénio de Andrade é ainda autor de traduções e recriações em português de obras de Safo, Mariana Alcoforado, Federico García Lorca, Yannis Ritsos, René Char, etc., além das várias antologias temáticas da poesia e da terra portuguesas. Apesar de avesso à vida pública, a importância da sua obra tem sido reconhecida através da atribuição de vários prémios e condecorações. Assim, foi-lhe atribuído pelo Governo português o grau de Grande Oficial da Ordem de Sant’Iago da Espada (1982) e a Grã-Cruz da Ordem de Mérito (1988). Também o Município do Porto quis distinguir o poeta, atribuindo-lhe a Medalha de Mérito (1985) e a Medalha de Honra (1989) da Cidade. É membro da Academia Mallarmé (Paris) e membro fundador da Academia Internacional Mihai Eminescu (Roménia). Foi agraciado com o Prémio Camões em 2001. Algumas das suas obras são: As Palavras Interditas, Até Amanhã, Coração do Dia e Mar de Setembro.
Poeta y escritor. Nació en Póvoa da Atalaya, Concejo de Fundão. Desde muy joven se dedicó a la poesía, logrando gran notoriedad con libros como As Mãos e os Frutos (1948) y Os Amantes sem Dinheiro (1950). Además de la creación poética original, Eugénio de Andrade es autor de traducciones y recreaciones en portugués de obras de Safo, Mariana Alcoforado, Federico García Lorca, Yannis Ritsos, René Char, etc., y de varias antologías temáticas de la poesía y de la tierra portuguesas. Pese a su rechazo por la vida pública, la importancia de su obra ha sido reconocida a través del otorgamiento de varios premios y condecoraciones. Recibió del Gobierno Portugués el grado de Gran Oficial de la Orden de Santiago de la Espada (1982) y la Gran Cruz de la Orden del Mérito (I988). La ciudad de Porto le concedió la Medalla de Mérito (1985) y la Medalla de Honor de la Ciudad (1989). Pertenece a la Academia Mallarmé (París) y es miembro fundador de la Academia Internacional Mihai Eminescu (Rumania). Recibió el Prémio Camões em 2001. Otras obras: As Palavras Interditas, Até Amanhã, Coração do Dia y Mar de Setembro.
SOBRE OUTROS LÁBIOS
Eu crescia para o verão
para a água
antiquíssima da cal
crescia violento e nu.
Podiam ver-me crescer
rente ao vento
podiam ver-me em flor,
exasperado e puro.
À beira do silêncio,
eu crescia para o ardor
calcinado dos cardos
e da sede.
Morre-se agora
entre contínuas chuvas,
os lábios só lembrados
de um verão sobre outros lábios
A Casais Monteiro, podendo servir de epitáfio
O que dói não é um álamo.
Não é a neve nem a raiz
da alegria apodrecendo nas colinas.
O que dói
não é sequer o brilho de um pulso
ter cessado,
e a música, que trazia
às vezes um suspiro, outras um barco.
O que dói é saber.
O que dói
é a pátria, que nos divide e mata
antes de se morrer.
(1972)
Os amigos
Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham;
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria —
por mais amarga.
Três ou quatro sílabas
Neste país
onde se morre de coração inacabado
deixarei apenas três ou quatro sílabas
de cal viva junto à água.
É só o que me resta
e o bosque inocente do teu peito
meu tresloucado e doce e frágil
pássaro das areias apagadas>
Que estranho ofício o meu
procurar rente ao chão
uma folha entre a poeira e o sono
úmida ainda do primeiro sol.
Quase epitáfio
O outro sabia.
Tinha uma certeza.
Sou eterno, dizia.
Eu não sabia nada.
Amei o desejo
com o corpo todo.
Ah, tapai-me depressa.
A terra me basta.
Ou o lodo.
ANDRADE, Eugénio de. Poesia e prosa [1940-1980] 2ª edição revista e aumentada. Porto, Portugal: Limiar – Actividades gráficas, s.d. 458 p. 12,5x20,5 cm. Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, procedente do acervo de Marly de Oliveira.
A UMA FONTE
Fonte pura, fonte fria...
(Onde vais minha canção?)
Fonte pura..., assim queria
que fosse meu coração:
fluir na noite e no dia
sem se desprender do chão.
EROS THANATOS
1
Ó pureza apaixonadamente minha:
terra todas nas minhas mãos acesa.
2
O que sei de ti foi só o vento
a passar nos mastros do verão.
3
Um corpo apenas, barco ou rosa,
rumoroso de abelhas ou de espuma.
4
Entre lábios e lábios não sabia
se cantava ou nevava ou ardia.
5
Amo como as espadas brilham
no ardor indizível do dia.
6
Seria a morte esta carícia
onde o desejo era só brisa?
NOITE
Noite —
noite aberta ao desejo,
sombria fulguração,
corpo atravessado por um rio
de aves inclementes de verão.
ESTRIBILHOS
No interior da música
o silêncio
que regaço procura?
Que interior é esse
onde a luz tem
morada?
E há um interior,
Assim como o caroço
dentro de um fruto?
E como entrar nele?
É como num corpo?
O SILÊNCIO
Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,
e o sono, a mais incerta barca,
inda embora,
quando azuis irrompem
os teus olhos
e procuram
nos meus navegação segura,
é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,
pelo silêncio fascinadas.
Página republicada em janeiro de 2010; ampliada e republicada em abril de 2105
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