PRESÍDIO
Nem todo o corpo é carne... Não, nem todo.
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco...?
E o ventre, inconsistente como o lodo?...
E o morno gradeamento dos teus braços?
Não, meu amor... Nem todo o corpo é carne:
É também água, terra, vento, fogo...
E sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memória o fugidio
vulto da Primavera em pleno Outono...
Nem só de carne é feito este presídio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!
ADYNATA
Um rstilho de lepra ao fim da noite branca
Um cancro no pulmão de todas as gavetas
Os ferros da tortura em vez destas varandas
onde brilhava outrora o sorriso de seda
a lua que reluz nas estolas das putas
O sol que dorme a sesta ao colo de um prelado
As navalhas do vento a servir de gazuas
ao “teddy-boy” que vai arrombar o teu quarto.
E somem-se na treva as sementes do ópio
E a primavera traz um chicote nas unhas
E a madrugada vem misturar neste copo
Uma gota de sangue uma gota de bruma
No cachaço do campo ó rubras banderilhas
Na garupa do mar ó brancas baionetas
Onde estão as manhãs que não atingidas
e conservam a luz que só tu representas
Oh Tanta solidão Como range na cama
O veneno arrancado ao silêncio das portas
só porque te não tenho há quase uma semana
só porque não te vejo há vinte e quatro horas
E POR VEZES
E por vezes duram meses
E por vezes o meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro da noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E pro vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos
BARCO NEGRO
De manhã, que medo, que me achasses feia!
Acordei, tremendo, deitada n’areia
Mas logo os teus olhos disseram que não,
E o sol penetrou no meu coração.
Vi depois, numa rocha, uma cruz,
E o teu barco negro dançava na luz
Vi teu braço acenando, entre as velas já soltas
Dizem as velhas da praia, que não voltas:
São loucas! São loucas!
Eu sei, meu amor,
Que nem chegaste a partir,
Pois tudo, em meu redor,
Me diz qu’estás sempre comigo.
No vento que lança areia nos vidros;
Na água que canta, no fogo mortiço;
No calor do leito, nos bancos vazios;
Dentro do meu peito, estás sempre comigo.
PRIMAVERA
Todo o amor que nos
prendera
como se fora de cera
se quebrava e desfazia
ai funesta primavera
quem me dera, quem nos dera
ter morrido nesse dia
E condenaram-me a tanto
viver comigo meu pranto
viver, viver e sem ti
vivendo sem no entanto
eu me esquecer desse encanto
que nesse dia perdi
Pão duro da solidão
é somente o que nos dão
o que nos dão a comer
que importa que o coração
diga que sim ou que não
se continua a viver
Todo o amor que nos
prendera
se quebrara e desfizera
em pavor se convertia
ninguém fale em primavera
quem me dera, quem nos dera
ter morrido nesse dia
HATHERLY, Ana. CAMINHOS DA MODERNA POESIA PORTUGUESA. 2ª. edição S.l.:Ministério da Educação Nacional, Direção Geral do Ensino Primário, 1969. 121 p. (Coleção Educativa, Serie G, n. 8)11x16 cm.
A écloga, que significa poesia de carácter pastoril, campestre, é um dos mais antigos modos poéticos. O que é moderno aqui não é a forma nem propriamente o tema, mas sim a maneira como este está sentido. Além de uma poesia de belíssima expressão musical e de delicada imaginação, resulta assim perfeitamente atual.
ÉCLOGA
PASTORA, grácil, vieste,
sempre caminho do Sul...
E, rosa brava trouxeste,
Nos cabelos, um agreste
céu azul!...
Tu me encontraste, pastora,
velado, sem nenhum céu.
Mas agora um céu me doura
a vida que, muito embora,
se perdeu...
Era nas margens do Tejo...
(Nem noutras margens seria).
Sobre nós dois, o adejo
de gaivotas, num desejo
de alegria...
E não mudou o cenário
Para pastor e pastora.
Mas o Fado, sempre vário,
muda a história do cenário,
de hora em hora...
Trazias o teu passado,
Para ali o apascentar...
—Etéreo, volúvel gado,
que não é p'ra ser guardado
num lugar!
Guardava eu, sem sabê-lo,
um futuro, talvez meu...
Tanto cuidado e desvelo!
— Mas a cor do teu cabelo
me perdeu...
Dois invernos, dois estios,
primaveras, um outono...
(Dias serenos ou frios
se volviam longos rios
de abandono...)
E quanto ali nos trouxera
(cuidados de cada um!)
se quedara à nossa espera,
mas em vão... que já não era
de nenhum...
Apenas o meu futuro
se fugira, espavorido...
Já também o não procuro!
(Só tenho um corpo maduro,
no sentido!)
Mas teu passado, pastora,
que ali foras a pascer,
não se tinha ido embora:
inda esperava a sua hora
de volver...
Ele, e só ele, negou-me
o direito à, minha vida.
Encoberto no teu nome,
deu-me o castigo da fome
consentida.
Pão duro da solidão
o que me dão a comer...
Que importa se o coração
disser que sim ou que não,
se viver?
E condenaram-me a tanto:
viver, viver... e sem ti!
Vivendo, sem no entanto
me ausentar daquele encanto
que perdi...
O Tejo, verde e correto,
como no tempo passado...
Eu, porém, mais inquieto,
e, por este mal secreto,
— tão mudado!
Poemas selecionados de la edición de la ANTOLOGIA LA ACTUAL POESIA PORTUGUESA, con traducciones de nuestro amigo XOSÉ LOIS GARCÍA, publicada originalmente en la revista HORA DE POESIA, n. 27/28, de 1983, de Barcelona, España. Ejemplar gentilmente donado por Aricy Curvello para la Biblioteca Nacional de Brasilia.
PRESIDIO
No todo el cuerpo es carne... No, no todo.
¿Qué decir del pescuezo, a veces mármol,
a veces Lino, lago, tronco de árbol,
nube, o ave, al tacto siempre pequeño...?
¿Y el vientre, inconsiste como el lodo?...
¿Y el tíbio enrejado de tus brazos?
No, mi amor... No todo el cuerpo es carne:
es también água, tierra, viento, fuego...
Y sobre todo sombra en la despedida;
onda de piedra en cada reencuentro;
en el parque de la memória el huidizo
rosstro de la Primavera en pleno Otoño...
No sólo de carne está hecho este presídio,
¡pues en tu cuerpo existe el mundo todo!
ADYNATA
Un surco de lepra al término de la noche blanca
Un câncer en el pulmón de todos los cajones
Los hierros de la tortura en vez de estas barandas
donde brillaba otrora la sonrisa de la seda
La luna que reluce en las estolas de las putas
El sol que duerme la siesta en brazos de un prelado
Las navajas del viento sirviendo de ganzúas
al “teddy-boy” que va a destrozar tu cuarto
Y se sumen en la tiniebla las simientes del ópio
Y la primavera trae un látigo en las uñas
Y la madrugada viene a mezclar en este vaso
Una gota de sangre una gota de bruma
En el pescuezo del campo oh rojas banderillas
En la grupa del mar oh blancas bayonetas
Donde están las mañanas que no son alcanzadas
Y conservan la luz que sólo tú representas
Oh Tanta soleda Cómo cruje en la cama
el veneno arrancado al silencio de las puertas
sólo porque no te tengo hace casi una semana
sólo porque no te veo hace veinticuatro horas
Y A VECES
Y a veces las noches duran meses
Y a veces los meses oceanos
Y a veces los brazos que estrechamos
nunca vuelven a ser los mismos Y a veces
encontramos en nosotros em pocos meses
lo que la noche nos hizo en muchos años
Y a veces fingimos que recordamos
Y a veces recordamos que a veces
al tomarle el gusto a los oceanos
sólo el sarro de las noches no de los meses
allá en el fondo de los vasos encontramos
Y a veces sonreímos o lloramos
Y a veces ah a veces
en un segundo se evaporan tantos años
Página publicada em janeiro de 2008