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CRUZEIRO SEIXAS

 

Artur do Cruzeiro Seixas nasceu em Portugal, em 1920.

"O Surrealismo continua a ser, para mim, a mais segura prova de que as mãos do homem o podem manter, suspenso, sobre o precipício. As mãos, digo eu. Evidentemente suspenso! Devo no entanto tentar esclarecer que acredito que existam outras possibilidade e não vindas mais do futuro do que do passado. Tombar no precipício é evidentemente uma dessas possibilidades e não menos aliciantes, parece-me. Ouço, monótono, o ruído do mar no convés da cidade. Vejo os livros, como ilhas. E o mar, devolvendo os náufragos.  CRUZEIRO SEIXAS, 1975.

 

De
Cruzeiro Seixas
HOMENAGEM À REALIDADE
Organização e prólogo Floriano Martins
São Paulo: Iluminuras, 2006
158 p.  (Col. Ponte Velha)
ISBN  85-7531-164-6
(www.escrituras.com.br)

 

 

A tua boca adormeceu

parece um cais muito antigo

à volta da minha boca.

 

Mas as palavras querem voltar à terra

ao fogo do silêncio que sustém as pontes

perdidas na sua própria sombra.

 

E há um cão de pedra como um fruto

que nos cobre com o seu uivo

enquanto pássaros de ouro com mãos de marfim

transplantam as árvores transparentes

para o ponto mais fundo do mar.

 

As lágrimas que não chorei

arrependidas

fazem transbordar a eterna agonia do mar

como um lençol fúnebre

com que tivesse alguém coberto o rosto metafórico

dos cinco continentes que em nós existem.

 

Assim é ao mesmo tempo

que sou eu e não o sou

aquele relógio das horas de ouro

que além flutua.

 

 

Trota-se por certo de uma salo de operações

até ao infinito

pudicamente flor e crina adolescente

ou seja simplesmente nuvem com árvores eretas

mãos com algemas de prata

lajes tumulares

que na sua ignorância me recusam.

Vê-se logo que nada sabem das formas que a noite toma

descendo e subindo

nos dois sentidos da luz.

Na verdade

quem é que não sente palavras-aranhas na alma?

Quem é que não usa os recantos das janelas góticas

para ali esconder o nevoeiro?

Depois dos arbustos

os bustos cobertos pela neve do futuro,

isto no tempo em que as palavras

ainda pairavam sobre o dilúvio.

Silenciada a esfera armilar

é com esferográfica que te envio as cores reinventadas

prisioneiras entre destroços da mais alta antiguidade

entre o céu e o inferno visíveis

atravessados de veias

e de rios,

de luzes míticas

de loucas viagens

embalsamadas.

 

Um cão

é isto de sermos gente.

 

Se temos só duas pernas

temos em contrapartida

uma complicação escura

dentro do peito.

 

Qualquer coisa como

os fundos desconhecidos

da água

só conhecidos

dos náufragos.

 

Para matar

é preciso uma arma

e para voar

como búzios

precisamos papel e lápis

— e assim viajamos

dentro de vegetais malas de viagens

procurando o destino sufocante

de todas as paragens.

 

 

 

Página publicada em janeiro de 2011, a partir de um exemplar enviado pela Editora.

 

 

 

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