CARLOS GARCIA DE CASTRO
nasceu em Portalegre, em 1934. Licenciado em Ciências Históricas e Filosóficas, foi professor dos Liceus, de onde, na área das Ciências da Educação, ingressou no quadro da Escola do Magistério Primário de que foi director de 1976 a 1989. Transitou para o quadro da Escola Superior de Educação como director do Centro de Recursos e Animação Pedagógica. Leccionou cursos de especialização; aposentou-se dessa Escola na categoria de professor adjunto. Foi sócio-fundador da CERCIPORTALEGRE (Cooperativa para a Educação e Reabilitação de Crianças Inadaptadas). Estatuiu o Ensino Pré-Escolar oficial em Portalegre.
Publicou Cio (1955); Terceiro Verso do Tempo (1963); Portus Alacer (1987); Os Lagóias e os Estrangeiros (1992); Rato do Campo (1998) e, recentemente, a antologia Fora de Portas na Editorial Escrituras, de São Paulo (Brasil).
Colaborou em várias revistas literárias e culturais, de que se destacam Colóquio/Letras, da Fundação Calouste Gulbenkian; Sol XXI, da Associação com o mesmo nome; e outras da sua região como Ibn Maruán e o suplemento cultural Fanal. Participou nos cadernos Alfa, do grupo de universitários Amicitia. Nos Açores, produziu e apresentou o programa «Pensamento e Poesia» no Rádio Clube de Angra do Heroísmo (1959/60), e tem colaborado na revista Atlântida, do Instituto Açoriano de Cultura. Antologias: representado em Poesia/70, org. de Egito Gonçalves e Manuel Alberto Valente (Editorial Inova, Porto, 1971); Poetas Alentejanos do Século XX, org. de Francisco Dias da Costa, 1984; Cancioneiro/80, do Jornal de Letras, Porto, 1990-91; Poetas e Escritores da Serra de S. Mamede, org. de Ruy Ventura, edição Amores Perfeitos, Vila Nova de Famalicão, 2002
Fonte da biografia: http://www.triplov.com
De
Carlos Garcia de Castro
FORA DE PORTAS
Ilus. Nelson Magalhães Filho
Org. Floriano Martins.
Prefácio de Nicolau Saião
São Paulo: Escritura, 2007.
149 p (Col. Ponte Velha)
ISBN 978-85-7531-266-7
Fiat
Bonecos meus parados a fitar-me,
quando vos saúdo e penso, se lá passo.
Tristeza de infindo a apavorar-me,
o rosto envergonhado de um só traço.
Levados estendidos em cortejo
braços tomados, lenha dos ciprestes,
o retrato mais distante em que me vejo,
limo que existe e passa no presente.
Fala sem voz, um gesto inanimado,
exacta, necessária, interminável,
que o génio dum Poema plagiado
deixou para o que fosse insondável.
E as frontes?
Únicas certeza universal
que, mesmo duvidosa do Princípio,
iguala de mãos presas o diverso.
O mito do amor é salvação...
Neurologia
O que mais custa é sermos só memória.
(Poetas há que abusam da palavra).
Porque a memória, para vocês lembrança,
é coisa meramente cerebral
que tem neurónios, linfas e sinapses
sem mais qualquer valia na esclerose.
— É mais confusa do que persistente.
Do que mais custa sermos só memória
são os afectos dela então esquecidos
que só a morte leva para os deixar,
sem nunca mais quem morre os ter consigo.
Assim parece que a memória é isso,
onde não há neurónios nem sinapses.
Será que as almas podem ter um nome?
Para os têxteis
São trapos e são ourelas,
tiras, farrapos, fazenda
— entremeados de cor.
Do que não presta a ilusão se faz.
São as norças, distensões
em sulcos de pano, veias,
como na terra se traçam
com charruas, são aivecas
na humildade das mantas.
Por discrição as fibras se distinguem.
Modelo de paz aos pés,
conforto da lá aos ombros,
segredos são poupança nos alforges.
Lençol de cama à sesta, alentejana,
também é tenda a encobrir geadas,
dorso de besta, a capa dos ciganos.
Mantas de lã e trapos, em família,
a urdidura é espessa, utilitária,
silenciosa, é feita para os tapetes,
ardente e despojada nas paredes.
Estes os panos de entrançadas cores
do Alentejo — uma ironia à solta.
Ab initio
Não sei nadar. Por isso me fascinam
e me perturbam as lagostas vivas
que as marisqueiras acomodam límpidas
por dentro d´água na prisão dos vidros.
Também há vários anos de rapaz
ouço falar de medos e outros monstros,
as cortesias de arrasar os astros
por onde talvez estejam, lá fixadas,
as carapaças próprias das lagostas.
Depois dos actos da carnal surpresa
acompanhada ou sozinha,
elaborada ou precoce,
espiritual ou activa,
falada, silenciosa,
quer antes quer depois da lei moisaica,
harmoniosa a tristeza
das vistas e exibições
da Criação.
Página publicada em dezembro de 2010 |