BRANQUINHO DA FONSECA
(1905-1974)
António José Branquinho da Fonseca (Mortágua, 4 de Maio de 1905 – Cascais, 7 de maio de 1974 ) foi um escritor português. Os seus primeiros textos eram assinados com o pseudónimo António Madeira. Experimentou vários modos e géneros literários, desde o poema lírico ao romance, passando pela novela, o texto dramático e o poema em prosa, mas, como o próprio dizia, a sua expressão natural era o conto. Como artista, interessou-se também pela fotografia, o desenho, o cinema e o design gráfico. Foi conservador do Registo Civil em Marvão e Nazaré, e do Museu-Biblioteca Conde de Castro Guimarães em Cascais. Por proposta sua, foi criado em 1958, o Serviço de Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, o qual havia de dirigir até o ano da sua morte. Em sua homenagem, a Câmara Municipal de Cascais criou o Prémio Branquinho da Fonseca de Conto Fantástico em 1995 e, em 2001, foi instituído o Prémio Branquinho da Fonseca Expresso/Gulbenkian numa parceria entre a Fundação Calouste Gulbenkian e o jornal Expresso.
POEMA DUMA EPÍGRAFE
Emigre... tudo despreze
e o sol requeime as raízes
para que leve me pese
a vida noutros países...
Leva-me um Som que me perde
e afunda no mar sem fim
da minha vida: mar verde
também náufrago de mim.
Voe onde o mar Já é céu!
longe, onde o céu se desprende...
Que nem me quis, nem perdeu,
tão perto a vida me prende!
Ó emigrante de mim,
que sempre ao cais me regressa
esta viagem sem fim
onde a ausência não começa!
Ah! que eu fosse e lá ficasse,
ou voltasse, ou fosse ao fundo!
Mas sem máscaras na face,
e sem dar a volta ao mundo!
Encontrar consolação,
desilusões, ou morrer...
Verdades são ilusões;
esperanças quero-as ter...
Se nos céus uma donzela
branca flor ergue na mão
ninguém tem os olhos nela,
só a tem no coração.
Ou seja: que tudo existe,
e em nós é eco: responde.
E a vida só nos é triste
por não sabermos o Aonde.
Como um astro que circundo,
tão belo mundo infinito,
sinto a vida ser um mundo
que é só meu e não habito.
Pois donzelas, são assim,
os dias da minha idade,
e os enamoro de mim,
desculpado da saudade.
O tempo Já me não foge,
mas sim comigo vem ter;
Já vivi o tempo de hoje
antes de ele me viver.
Eis-lhe saudades agora
quanto outras mágoas maiores
já me levaram embora
fugido doutros amores.
*
IDADE DO MUNDO
Meus inimigos da índia,
poderosos Malabares,
tendes mais de 13 mil
espiões da cor da noite
sub-apagados nas sombras
do meu jardim da Europa!...
Milhões de inimigos cercam
os muros desta cidade
que tem muralhas em elmo
e raios de sol em lanças
que antigamente varavam
de puro espanto essas carnes,
e vos cegavam os olhos
d'aço vítreo de Toledo!...
Vem-nos do Indostão
já me transformam as veias
em serpentes e azues...
até gelarem esmeraldas
que se arranquem em filões
pra riqueza dos herdeiros!...
Neste meu parque sereno,
com palmeiras sobre o mar,
as ondas correm prá terra
e a terra corre pró mar...
Cá ergo as velas da nau
pra ver se os ventos acordam!...
Mas, ai! um clima ideal
não dá esperanças a ninguém...
São as febres das Malásias
que meus avós descobriram
ao medir o mundo a passos
e ao verem que era pequeno!...
Hoje pra mim, continua
todos os dias menor...
Tenho-o dentro da cabeça:
— Deixaram-me assim o Sangue.
Etiópia, Grão-Mongol,
existis tais como sei...
Que me interessa confirmar?!
São dez palácios fechados,
diamantes e silêncio...
luas em lagos de prata...
sobre as margens flores de carne...
uma flauta... uma serpente..
Nasci assim deformado
por viagens e tempestades
em mares maiores do que o mundo.
E ao planeta em 5 partes
e tão em segunda mão
não sei o que hei-de fazer-lhe...
Vou às paradas...
Faço ginástica no trapézio
a desenvolver as forças...
E, erguido assim, desconheço
todo o mundo e quanto há
— à espera doutro planeta.
De "Mar coalhado"
*
ROSA DOS VENTOS
Como algum meu avô navegador
pintei no mapa uma ilha que ninguém sabia,
e agora tenho de ir, seja lá como for,
e outros irão depois e dirão que existia.
Navego para o norte ou singro para o sul
pois com qualquer estrela eu irei sempre bem,
o céu é azul, o mar é azul,
nada importa dizerem que a gente vai, mas que
[depois não vem.
Eu ergo e sigo os astros do meu céu.
Nem assim chega o mundo todo nosso.
Mas não direi que o medo me perdeu,
e outros virão depois fazer o que eu não posso.
Caminhos por mim feitos mesmo em mapas errados!
no mundo sempre desconhecido diante de mim,
só esses sustém os mundos sonhados
e não têm fim.
CAMINHOS BRANCOS
Chamaram-me e não sei que voz
era aquela que lá ao longe ouvia...
e não sei onde foi nem em que dia,
nem se era só por mim ou se por todos nós,
Nasceu a lua e a voz chamou-me
ainda outra vez. Ergui-me e caminhei.
Ouvira bem: agora era o meu nome.
O resto ainda não sei.
Há quantos sóis, há quantas luas foi?
Outros ouviram e vim eu sozinho.
Hoje o mesmo cansaço a todos dói
mas não dou por inútil o caminho,
De "Cadernos de Poesia», 1940
Página publicada em agosto de 2015
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